Rússia contraria Kiev e rejeita que ONU vigie cessar-fogo na Ucrânia
Moscou protesta porque afirma que envio de capacetes azuis viola acordos já acertados
A Rússia reagiu com veemente repulsa à simples ideia de que o Conselho de Segurança da ONU poderia cogitar o envio de tropas de paz ao leste da Ucrânia para fiscalizar uma trégua e evitar o recrudescimento das hostilidades entre forças oficiais e separatistas pró-russos. Na terça-feira, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, propôs ao Conselho Nacional de Segurança e Defesa (CNSD) que solicitasse à comunidade internacional o envio dos capacetes azuis às regiões separatistas, com um mandato do Conselho de Segurança da ONU. Entretanto, os representantes russos descrevem essa possibilidade como uma violação das medidas aprovadas num acordo selado no último dia 12 em Minsk, capital de Belarus.
A forte reação negativa da Rússia – incluindo a chancelaria, os representantes do país na ONU e na UE e os presidentes das duas Casas do Parlamento – causa inquietação em Kiev, pois os russos, como membros permanentes do Conselho de Segurança, têm direito a veto caso essa iniciativa chegue a tramitar. Mas, a julgar pela reação de Moscou, o Governo de Vladimir Putin não quer nem mesmo que o tema seja debatido no Conselho.
O envio de tropas de paz sob mandato da ONU implicaria um elevadíssimo grau de internacionalização no controle das medidas aprovadas em Minsk pelos líderes de Alemanha, França, Ucrânia e Rússia.
O cumprimento desses acordos está em xeque porque que os separatistas pró-russos não recuaram na sua ofensiva militar até conquistarem Debaltsevo, um entroncamento ferroviário que é crucial para o transporte leste-oeste e norte-sul, não só dentro da Ucrânia como também entre este país e a Rússia. O controle dessa localidade garante a unificação da área controlada pelas autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk (RPD e RPL).
Debaltsevo, cidade que foi abandonada pelas tropas ucranianas com enormes perdas humanas e materiais, foi um dos maiores desastres militares sofridos por Kiev no leste e também parece ser a razão que levou Poroshenko a mudar de posição com relação ao envio de forças internacionais, algo a que se opunha com veemência até agora. Ao considerar o envio dos capacetes azuis, o presidente, que formalmente busca minimizar a derrota, reconhecia de fato a debilidade militar da Ucrânia e a impossibilidade de se opor por conta própria a novos desafios bélicos.
Poroshenko afirmou que o melhor formato seria uma missão policial a cargo da UE, e o CNSD aprovou o envio de um apelo nesse sentido à ONU e à UE, segundo relato do secretário desse órgão, Aleksandr Turchinov, considerado um dos mais belicosos políticos ucranianos. Turchinov disse que a chancelaria ucraniana também já fez uma solicitação nesse sentido. Aparentemente, a petição exige do apoio da Rada Suprema (Parlamento), que não tem sessão nesta semana. Segundo informações de agências de notícias no leste da Ucrânia, os combates nos arredores de Debaltsevo e de outras localidades da RPD prosseguem. Agora, há em Kiev o temor de que o próximo objetivo dos separatistas seja a cidade portuária de Mariupol, no mar de Azov.
Kiev teme que o próximo objetivo dos separatistas seja Mariupol
Vitali Churkin, o representante da Rússia na ONU, recomendou à Ucrânia que recolha suas armas e “não se dedique a promover novas iniciativas”. Churkin, para quem a solicitação ucraniana sugere que Kiev deseja solapar o acordo de Minsk, recordou que a vigilância na zona de conflito foi entregue à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE). Segundo os acordos de Minsk, o acesso de Kiev à fronteira só será possível depois que os insurgentes tiverem consolidado suas posições como entidades autônomas, com polícia própria, e desde que estes autorizem o acesso dos militares leais a Kiev. Para sua subsistência, os separatistas dependem absolutamente da fronteira com a Rússia, por onde recebem ajuda humanitária e também militar.
Os líderes de Alemanha, França, Rússia e Ucrânia conversaram por telefone na madrugada de quarta-feira (hora local) e esclareceram que os acordos de Minsk continuam válidos, apesar da tomada de Debaltsevo pelos rebeldes. Os líderes do chamado Quarteto da Normandia se comprometeram a cumprir com rigor as medidas definidas no dia 12 em Minsk, sobretudo o cessar-fogo total, a retirada das armas pesadas e a libertação de prisioneiros. Durante a conversa, Poroshenko teria insistido em receber “garantias claras” contra novas violações dos acordos pelos rebeldes, segundo o serviço de imprensa da presidência ucraniana.
O saldo provisório do conflito em Debaltsevo é de 13 mortos, 157 feridos e 82 desaparecidos, segundo o serviço de imprensa do Exército. Há também 90 prisioneiros.
Enquanto isso, o executivo-chefe da empresa russa Gazprom, Alexei Miller, informou que seu país começou a fornecer gás gratuitamente aos rebeldes do leste da Ucrânia, depois que a companhia ucraniana de energia anunciou a interrupção do abastecimento. Esse fornecimento, segundo Miller, está previsto nos contratos entre a Gazprom e a companhia ucraniana de hidrocarbonetos Naftogaz. Ou seja, a Gazprom cobrará de Kiev a fatura pelo gás consumido nas regiões controladas pelos separatistas. Antes, o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, havia dito que a Rússia poderia dar gás como “ajuda humanitária” a Donetsk e Lugansk.
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