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“Não podemos deixar que as ameaças mudem nossa ideia de democracia”

O desenhista sueco, alvo do atentado de sábado em Copenhague, conta como convive com o medo de um ataque

Lars Vilks, em uma foto tirada em 3 de janeiro de 2012, em Nyhamnslage (Suécia).
Lars Vilks, em uma foto tirada em 3 de janeiro de 2012, em Nyhamnslage (Suécia).bjorn lindgren (AFP)

“Os disparos pareciam não terminar nunca. Mas, na realidade, só conseguimos ouvir o ataque. Entre nós e o assassino havia uma parede.” A voz de Lars Vilks, o desenhista sueco que era o alvo do atentado de sábado em Copenhague, parece tranquila. Está acostumado às ameaças de morte desde que, em 2007, realizou uma série de desenhos para uma mostra, onde representava Maomé com os traços de um cachorro. “Nunca foi minha intenção ofender o profeta. Fiz isso para reafirmar que a arte deve ser livre”, explicou em diferentes ocasiões.

Desde então, sobreviveu a dois atentados, vive com escolta em um local secreto, dorme com um machado debaixo do travesseiro e construiu um refúgio blindado em casa, caso alguém consiga entrar. [Vilks anunciou nesta segunda-feira que ficará recluso em um lugar “totalmente desconhecido” durante “uns dias ou uma semana”]. “Estou preparado para esse tipo de coisa. Pode ser que os participantes do encontro de Copenhague tenham vivido momentos terríveis, medo, horror. Não posso falar o mesmo, pois convivo com as ameaças há muitos anos. E estou bem protegido.”

Pergunta. Você era o alvo do atentado?

Resposta. Eu diria que era o candidato com mais chances na sala...

Minha intenção não foi ofender. Fiz isso para reafirmar que a arte deve ser livre”

P. O que aconteceu depois dos disparos?

R. Os homens da minha escolta sabem o que fazer neste tipo de situação. Eles me separaram dos demais e me levaram a um lugar seguro, onde falei com os investigadores.

P. Faz algum tempo você denunciou que cada vez recebe menos convites para falar em público. Sua presença assusta?

R. É difícil organizar minha presença, e o medo provocou o cancelamento de eventos aos quais estava convidado. Agora, um ataque como o de Copenhague piora ainda mais as coisas. Também corremos o risco de sofrer novas censuras: quem vai publicar os trabalhos que forem considerados controversos? Mas eu vou continuar, não tenho problemas nesse sentido.

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P. O que mudou depois do ataque à revista Charlie Hebdo?

R. Quem faz um trabalho parecido com o meu também tinha medo antes. Não é melhor, nem pior. Talvez, depois do massacre de Paris, o debate sobre a liberdade de expressão tenha se tornado mais franco. Os terroristas não conseguiram impedi-lo. Confio que este enésimo ataque, em lugar de levar ao aumento do medo, contribua para ampliar o debate: a liberdade de expressão é um tema fundamental. Todo mundo precisa se posicionar claramente a respeito.

P. Muitos enviaram declarações de solidariedade, mas também algumas vozes críticas dizem que artistas como você, com seus desenhos, colocam a sociedade em perigo. Qual é a sua opinião?

R. O perigo não são os artistas, mas os assassinos, eles é que devem ser encontrados e detidos. Não se negocia com conceitos como a democracia ou a liberdade de expressão. Não podemos deixar que as ameaças nos condicionem e nos levem a duvidar de nossas leis. Não podemos sucumbir. Não podemos mudar nossa ideia de democracia só porque alguns assassinos não gostam dela.

Confio que esse ataque, em vez de aumentar o medo, vai ampliar o debate”

P. Como explicar seu trabalho àqueles que se sentem ofendidos?

R. Teria que explicar que todas as religiões, e também o islamismo, condicionam a vida social e políticas das pessoas e que, portanto, estão no mesmo nível das outras ideologias, e devem ser submetidas às mesmas regras. O islamismo precisa estar aberto ao debate, à ideia de que podem receber insultos e insultar. Isso é liberdade de expressão. A violência, isso é outra coisa...

P. O que vai fazer agora?

R. Continuarei fazendo tudo que puder, colaborando também com outras pessoas. Sinto saudades apenas de trabalhar em meu estúdio.

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