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O declínio do ‘ouro verde’

Segundo maior produtor, Brasil é um dos países afetados pela queda no preço do grão Cotação caiu após o fim de um ciclo de dez anos de altos preços das matérias-primas Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai controlam mais da metade da produção mundial

Alejandro Rebossio
Plantação de soja em Olivera, na Argentina.
Plantação de soja em Olivera, na Argentina.Efe

A soja cresce robusta nos campos ao redor de Lima, um povoado de 10.000 habitantes ao norte de Buenos Aires. As chuvas do verão austral fazem prever uma safra histórica do ouro verde, a oleaginosa que revolucionou a agricultura do sul da América Latina nas últimas décadas, graças ao uso de sementes transgênicas. Ali, Esteban Barbi, um dos donos da empresa agrícola Barbi Hermanos, e seu engenheiro agrônomo, Jaime Mestre, contam os dias que faltam para a colheita de abril. Mas estão preocupados, pois este ano perderão 5% do capital investido na produção de 4.000 hectares de soja. E o motivo principal está claro: a soja valia até quarta-feira 27% menos do que um ano antes, uns 364 dólares (equivalente a 980 reais) por tonelada.

O Brasil produz 30% da soja do mundo, somente menos que os EUA

Por que cultivam com perdas? “Como fazer para interromper esse ciclo? Todas essas máquinas foram compradas a crédito. Todas as empresas têm compromissos para cinco anos”, comenta Barbi. “A produção da soja é 5% mais barata que a do milho”, afirma seu assessor financeiro, Adrián Seltzer, da consultora Granar. Além disso, na Argentina estão em vigor cotas para a exportação de trigo e milho, com o objetivo de reduzir os preços dos alimentos para a população local; mas, ao mesmo tempo, está desregulado o envio de soja para o exterior, que é para onde vão as colheitas sul-americanas deste grão. A China absorve 66% das importações mundiais da oleaginosa. É seguida pela União Europeia, com 11%.

Brasil é o menos afetado do Mercosul

Mas não só a Argentina olha com preocupação o barateamento do ouro verde, cuja cotação se reduziu em razão do final de um ciclo de dez anos de altos preços das matérias-primas, e também pelo encarecimento do dólar e por causa da boa colheita prevista para os Estados Unidos, Argentina e até mesmo o Brasil, apesar da seca. Um total de 52% da produção mundial está concentrada em quatro dos cinco países do Mercosul e em um quinto que está em processo de adesão ao bloco, a Bolívia. O Brasil produz 30% da soja do mundo, somente menos que os EUA. É seguido pela Argentina, com 17%. O Paraguai, sexto produtor mundial, colhe 3%; o Uruguai, o oitavo, 1,2%, e a Bolívia, o décimo, 0,8%

"Com o preço baixo, os produtores de soja investirão menos em maquinário, sementes e fertilizantes, e isso levará à queda da produtividade, o que em última instância resultará no aumento dos preços no dia de amanhã”, opina Marcelo Accari, da consultoria Morgan García Mansilla. Accari e Seltzer concordam em que o mau tempo pode voltar em futuras safras da soja, o que elevaria o preço, ao contrário do que ocorre com o petróleo e os minérios. O preço do petróleo bruto e do minério de ferro vem caindo mais do que o da soja no último ano – 49% e 50%, respectivamente. O do cobre, menos, 18%, embora tenha diminuído 40% em relação a seu recorde. O preço da soja baixou 43% desde seu máximo de 2012.

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Além do impacto do barateamento dos cultivos no negócio agrícola, a queda do preço da soja comporta diversos efeitos macroeconômicos nos cinco países sul-americanos que a produzem. Para uma economia diversificada e com um mercado interno importante, caso do Brasil, a oleaginosa é o terceiro produto de exportação, representando 7% do total das vendas externas. “O Brasil será menos afetado do que a Argentina, Paraguai e Uruguai pela baixa da soja, que também reforça o impacto da queda das demais matérias-primas”, observa Jürgen Weller, economista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Somente 35,4% de suas exportações são industriais, embora esse nível seja motivo de inveja de outros países da região.

Para a Argentina, a soja e seus derivados de óleo e farinha totalizam 22,4% das vendas ao exterior. Pelo menos a Argentina não depende tanto das matérias-primas como a Colômbia, Chile, Peru e Venezuela (o outro parceiro do Mercosul), dado que 32,6% de suas exportações são de produtos manufaturados. Mas tampouco pode descansar tranquila. Weller observa que a queda do preço da soja afetará a arrecadação de impostos, já que o país sobretaxa em 35% a exportação de grãos e, além disso, necessita dos dólares obtidos com as vendas externas para equilibrar a escassez de divisas ante a crise da dívida atravessada pelo país, que o impede de se financiar nos mercados internacionais.

O impacto no PIB será mais forte no Paraguai Jürgen Weller, economista

O ônus imposto às exportações de soja e seus derivados corresponderam a cerca de 3,5% da arrecadação tributária da Argentina em 2014. Como em outros países vizinhos, alguns de seus agricultores armazenam as colheitas em silos à espera de uma melhor cotação. Os Barbis juram que venderam tudo o que foi colhido, para saldar compromissos.

“O impacto no PIB será mais forte no Paraguai”, comenta o especialista da CEPAL. O complexo sojicultor arca com 37% das vendas externas. Este ano haverá uma boa colheita no Paraguai, mas uma ruim fez com que o PIB caísse 1,2% em 2012 e outra recorde, em 2013, o levou a uma alta de 13,6%. Somente 8% de suas exportações são industriais.

Para o Uruguai, o ouro verde é o principal produto de exportação, com 15% do total. Para a Bolívia, o complexo sojicultor aporta 8,1%. Claro que eles também dependem do conjunto das matérias-primas e seus derivados: somente 26% das exportações uruguaias e 5% das bolivianas são manufaturas.

Os que respiram com um pouco mais de tranquilidade são os camponeses que disputam as terras com os produtores de soja em zonas menos férteis do Pampa Úmido. Eles defendem seus bosques e sua agricultura familiar nas lutas pela terra. “É possível que a produção perca o vigor, sobretudo nas zonas mais distantes dos portos e com piores condições de solo e clima menos favorável. No entanto, nas províncias argentinas de Salta, Chaco e Santiago del Estero os conflitos e as derrubadas de mata prevalecem, independentemente da soja”, adverte Diego Montón, dirigente argentino da Coordenação Latino-Americana de Organizações do Campo-Via Campesina.

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