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Alemanha vê com preocupação perda de poder no BCE

Bundesbank tem algum alívio com a limitação do risco em caso de problemas

Luis Doncel
A chanceler alemã, Angela Merkel, conversa com o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann (direita), em 19 de janeiro.
A chanceler alemã, Angela Merkel, conversa com o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann (direita), em 19 de janeiro.KAI PFAFFENBACH (REUTERS)

O presidente do Bundesbank (banco central alemão) enfrenta seu par francês porque teme a tentação de usar o Banco Central Europeu como fonte de financiamento para os Estados com problemas orçamentários. A cena parece atual, mas aconteceu em 1988, quando se esboçava a arquitetura da união monetária. “Agora estamos no meio de uma crise de dívida, e os argumentos dos dois lados não mudaram tanto desde então”, disse no mês passado Jens Weidmann, o homem que agora dirige o banco central alemão.

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Os argumentos talvez sejam parecidos, mas as circunstâncias não. Porque faz tempo que o BCE não consegue a estabilidade de preços defendida pelos alemães. E, acima de tudo, porque o antes todo-poderoso Bundesbank acaba de sofrer uma importante derrota com a aprovação do programa de compra de dívida, contra o qual lutava havia meses. É como se o BCE, criado à imagem e semelhança do Bundesbank, tivesse acabado por matar seu pai.

A derrota foi expressiva, mas não total. A Alemanha conseguiu um prêmio de consolação: em caso de não pagamento da dívida comprada, o Eurobanco só arcará com um de cada cinco euros; o resto deverá ser pago pelo banco central do país em questão.

“Draghi aprovou os eurobônus, que Merkel disse que não existiriam”, afirma Sinn

“No fim se chegou a uma solução de compromisso. O BCE não comprará bônus podres, e cada país ficará com o encargo de 80% das possíveis perdas. Essas limitações aliviam a preocupação com uma mutualização indesejada da dívida”, diz Clemens Fuest, presidente do Centro de Pesquisa em Economia. “O BCE acaba de converter em eurobônus 20% de todo título que comprar. A senhora Angela Merkel havia dito que enquanto vivesse não haveria eurobônus. Isso é algo importante”, ressalta Hans-Werner Sinn, o ultraortodoxo e muito polêmico presidente do think-tank Ifo, de Munique. “Nós defendíamos que a compra de dívida só fosse feita em caso de absoluta urgência. E não vemos essa urgência. Mas o BCE aprovou isso por maioria, e temos que aceitar as regras”, disseram fontes do Bundesbank. O presidente do BCE, Mario Draghi, lançou mão da diplomacia para resumir suas diferenças em relação à Alemanha: “As diferentes leituras da realidade provocam urgências distintas para agir”.

Só que a batalha encenada nesta quinta-feira em Frankfurt vai além do Bundesbank. O passo dado por Draghi tocou no nervo sensível dos centros de poder da maior economia do euro. O Governo insiste em seu respeito à independência do banco central, mas não se esforça demais para ocultar suas ressalvas. “É preciso evitar que as ações do BCE diminuam a pressão para que os países melhorem sua produtividade”, disse Merkel na segunda-feira na Bolsa de Frankfurt, ante mil convidados, entre os quais estavam Draghi e Weidmann.

As críticas ao chamado “quantitative easing” não acontecem apenas porque, ao melhorar a situação dos países do Sul, possam ser esquecidas algumas das reformas que Berlim considera imprescindíveis. Também respondem à preocupação dos poupadores alemães em relação a taxas de juros que se perpetuem ad eternum em níveis mínimos.

“As medidas adotadas favorecem a adulteração, mais uma vez, da situação econômica dos países europeus. Enfraquecem os estímulos para que os países do Sul ajustem suas contas públicas. E embutem um risco, porque podem favorecer a inflação em longo prazo, em prejuízo dos poupadores alemães”, diz Joachim Pfeiffer, porta-voz de Economia do grupo parlamentar da CDU, o partido democrata cristão.

Não apenas Merkel e Weidmann. As críticas ao BCE foram ouvidas nesta quinta-feira em setores tão heterogêneos como os pós-comunistas do Die Linke e os representantes da indústria e das finanças. Até um jornal tão pouco inclinado a falar sobre política monetária como o sensacionalista Bild alertava na segunda-feira em página inteira que o destino do euro seria decidido nesta semana. “Se um Estado suspender o pagamento, o BCE pagará, e os países, inclusive a Alemanha, terão que subir os impostos”, advertia o tabloide.

Apesar do incômodo, Merkel sabia fazia tempo que a decisão era inevitável. E Draghi, ciente que a Alemanha não é apenas um membro a mais da eurozona, trabalhou sua vontade com visitas a Berlim em que se encontrou com a chanceler, mostrando sua melhor cara nos meios de comunicação. “Muitos alemães me dizem: ‘Este italiano vai nos trazer a inflação’. Mas não sabem que minha experiência com a inflação é muito mais próxima que a deles, porque fez desaparecer a herança do meu pai”, confessou na semana passada ao prestigioso semanário Die Zeit.

Além das críticas, também houve aplausos. “O programa representa um passo necessário para superar a crise. Não há por que gostarmos dele, mas devemos apoiá-lo para dar à Europa uma perspectiva de futuro”, diz Marcel Fratzscher. Ou, como resumia a versão digital do Die Zeit: “Muitos creem que estejamos diante do fim do mundo. Que foram freadas as reformas no Sul, que virá a inflação e acabaremos pagando pelo descuido dos franceses e italianos. A Alemanha não precisa de um impulso monetário. Mas o BCE não cuida apenas da Alemanha, e sim de todo os membros da eurozona. E é a hora deles”.

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