Pássaro de Calatrava sofre para decolar no Marco Zero de NY
Estação ferroviária do arquiteto espanhol na região onde ficava o WTC motiva polêmica
Visto do 69º andar do edifício One World Trade Center ou das ruas que cruzam o Baixo Manhattan, o projeto de um pássaro com asas estendidas feito por Santiago Calatrava para servir como terminal de transporte urbano no chamado Marco Zero de Nova York, região de grande simbolismo emocional por causa do 11 de Setembro, virou, dez anos depois do início das obras, alvo de críticas por causa do esbanjamento, da má gestão, da ambição política à custa do contribuinte e das dificuldades de realização.
Os ataques mais sérios destacam que a obra, cuja inauguração está prevista para o final de 2015, com seis anos de atraso, custará quase 4 bilhões de dólares (10,5 bilhões de reais), o dobro do anunciado. As mais impiedosas e burlescas alertam para a transformação da estrutura em um monstrengo capaz de aterrorizar crianças e transeuntes, segundo Steve Cuozzo, crítico do New York Post.
A obra, de aspecto imponente, tem sem dúvida um lugar reservado entre os edifícios mais espetaculares do mundo. Mas também ocupará um posto de destaque no Olimpo das estações mais caras e atrasadas da história. Embora parte das críticas seja voltada para o arquiteto espanhol, uma análise dos dados da execução deixa em péssima situação os responsáveis políticos encarregados da revitalização da área.
A Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey, organismo subordinado a esses dois Governos estaduais e encarregado de reconstruir o Marco Zero, admite que, se soubesse disso, não teria embarcado no projeto. “Hoje não priorizaríamos um gasto de 3,7 bilhões de dólares em detrimento de outras necessidades”, disse em outubro Patrick J. Foye, diretor desse órgão. O que Foye não diz é que, nos últimos anos, até oito Governadores e quase uma dezena de diretores e presidentes do organismo que ele dirige, sem contar um ou outro prefeito, mexeram no projeto para deixar sua marca.
A obra custará mais de 10 bilhões de reais, o dobro do anunciado
O resultado é um gasto descomunal para um terminal de transportes e um futuro centro comercial pelo qual passam atualmente 46.000 passageiros por dia, apenas 10.000 a mais que na humilde Penn Station, e muitos menos que os 208.000 que fluem pela estação Grand Central. Calcula-se que a estação do Baixo Manhattan – concebida para ser um dos três principais polos de transporte urbano de Nova York – será futuramente utilizada por 160.000 passageiros por dia.
“Nunca houve um não às solicitações de organismos e funcionários, já que se trata de redesenhar um lugar destruído por terroristas”, disse Christopher Ward, que foi diretor da Autoridade Portuária entre 2008 a 2011, ao Wall Street Journal. No primeiro ano de Ward no cargo, ele rejeitou a proposta de reduzir o orçamento em 500 milhões de dólares.
George Pataki, ex-governador republicano de Nova York que deu início ao projeto, viu nesse espetacular terminal ferroviário um fator que abrilhantaria sua candidatura à reeleição, prometendo sua conclusão para 2009. Pataki foi o primeiro, mas depois vieram outros políticos, entusiasmados pelos 4,55 bilhões de dólares destinados pelo Governo federal ao Baixo Manhattan, cenário do atentado jihadista que matou cerca de 3.000 pessoas em 11 de setembro de 2001.
“Será um ícone para Nova York”, diz arquiteto
Santiago Calatrava não tem dúvidas sobre o seu projeto. “Será um ícone para Nova York e um ponto de encontro para habitantes e turistas. Surpreenderá positivamente”, declarou ele em email ao EL PAÍS. O arquiteto e engenheiro assume as críticas como parte dos desafios da obra: “É muito complexa, por sua localização e pela sensibilidade social existente. Reúne diferentes meios de transporte, o que dificulta o planejamento. Depois dos atentados de Londres e Madri, as autoridades pediram mudanças para adequá-la às novas exigências de segurança. Isso acarretou ajustes ao projeto”.
Sobre o atraso de seis anos e o estouro orçamentário, afirma que “é uma obra que precisou ir se adaptando a circunstâncias imprevistas e novas exigências. Conciliar a construção com o funcionamento das linhas que a atravessam modificou calendários e orçamentos. Além disso, obras adjacentes foram incluídas no orçamento”. A quem argumenta que seu projeto era irrealizável, ele responde: “Se você analisar o conceito inicial e o resultado final, verá que são iguais. Houve mudanças, mas não são importantes”. Para ele, “o resultado é muito bom, especialmente a parte de aço, única no mundo”. “A estação entroncará com outros ícones da cidade, como as pontes dos rios Hudson e East. Foi um orgulho participar de um projeto que será emblemático”, acrescenta.
O projeto inicial era de 2 bilhões de dólares, dos quais 300 milhões fornecidos pela Autoridade Portuária e 1,7 bilhão pela Administração Federal de Transportes. “O calendário e os orçamentos eram pouco realistas”, limitou-se a explicar a Autoridade Portuária em 2008, quando ampliou o orçamento para 3,4 bilhões de dólares. Só os gastos administrativos superaram os 655 milhões de dólares.
Uma das decisões que mais encareceram os trabalhos foi a de construir a nova estrutura sem desativar uma linha de metrô que passa por lá, o que provocou atrasos e um gasto adicional de 400 milhões de dólares. Pataki apoiou a decisão, já que essa linha é usada por passageiros provenientes de Staten Island, reduto republicano em Nova York.
Em 2005, o Departamento de Polícia determinou mudanças em razão do risco de atentados: foi preciso dobrar o número de nervos de aço do pássaro de Calatrava. O custo das 36.500 toneladas desse material já alcança 474 milhões de dólares. A conexão com outras instalações vizinhas se tornou mais complexa do que o previsto, o que levou a um novo gasto adicional de 400 milhões.
Teto móvel descartado
Originalmente, o projeto previa um teto móvel que abriria a estação para o céu, mas essa opção era muito custosa e foi abandonada em 2008. No mesmo ano, o prefeito Michael Bloomberg ordenou que o memorial do 11 de Setembro, junto à estação, fosse concluído antes do décimo aniversário da tragédia. A decisão modificou prazos e acrescentou outros 100 milhões de dólares ao orçamento. Os danos do furacão Sandy, em 2012, também provocaram custos adicionais. A imprensa de Nova York especulou que o escritório de Calatrava recebeu 80 milhões de dólares.
“O que aconteceu com o pássaro em voo que nos prometeram? As asas de aço são agora a espinha de um peixe gigante? Esse projeto esgota a capacidade de fazer piadas baratas”, afirma Cuozzo em sua coluna. Até agora, ninguém achou graça.
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