_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Mensagens de tranquilidade

Embora não pareça, o Governo dos Estados Unidos teve um 2014 cheio de êxitos

Paul Krugman

Talvez esteja projetando, mas o Natal me pareceu incomumente murcho este ano. As lojas pareciam menos abarrotadas que o normal, as pessoas mais cabisbaixas. Havia até menos música ambiente. E, de certa forma, não surpreende: os norte-americanos foram bombardeados o ano todo com notícias terríveis de um mundo descontrolado e um Governo desorientado, sem ideia do que fazer.

Mas se observarmos o que realmente ocorreu este ano, vemos algo completamente diferente. Em meio a todo o desdém, várias políticas oficiais importantes funcionaram muito bem, e os maiores êxitos correspondem às políticas mais desdenhadas. Nunca ouvirão isto na Fox News, mas 2014 foi um ano em que o Governo federal, em especial, demonstrou que, se quiser, pode fazer muito bem as coisas que importam.

Comecemos pelo ebola, um tema que desapareceu tão rápido das manchetes que fica difícil lembrar o pânico generalizado que provocou há apenas algumas semanas. A julgar pela informação na mídia, em especial na televisão a cabo, mas sem excluir outros meios, os Estados Unidos estavam a ponto de se tornar uma versão real do The Walking Dead. E muitos políticos rechaçaram os esforços das autoridades sanitárias para enfrentar a enfermidade com métodos convencionais. Insistiam, pelo contrário, que era preciso proibir todas as viagens entre os Estados Unidos e a África ocidental, prender qualquer um que chegasse do lugar errado e fechar a fronteira com o México. (Não, não tenho ideia de por que alguém pensou que esta última medida podia fazer sentido).

No entanto, os Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças, apesar de alguns equívocos iniciais, sabiam o que estavam fazendo, o que não deveria nos surpreender: têm muita experiência no controle de doenças, e das epidemias em particular. E enquanto o vírus do ebola continua matando muitas pessoas em algumas partes da África, aqui não se produziu nenhum surto.

Pensemos a seguir na situação da economia. Não resta dúvida de que a recuperação da crise de 2008 foi dolorosamente lenta e deveria ter sido muito mais rápida. A economia esteve lastreada em especial pelos inéditos cortes no gasto e o emprego públicos. Mas o que nos dizem diariamente é que a política econômica constitui um desastre sem remédio, e que a suposta hostilidade do presidente Obama em relação às empresas dificulta o investimento e a criação de postos de trabalho. Assim, quem olha as cifras reais, surpreende-se ao descobrir que o crescimento e a criação de empregos foram consideravelmente maiores durante a recuperação de Obama do que durante a recuperação de Bush na década anterior (mesmo deixando de lado a crise do final), e que embora o setor habitacional continue deprimido, o investimento empresarial foi bastante forte.

Além disso, os dados recentes indicam que a economia está ganhando força, com um crescimento de 5% no quarto trimestre. Ah, e não que isso tenha muita importância, mas alguns gostam de afirmar que o êxito econômico deveria ser julgado pelo comportamento da Bolsa. E as cotações bursáteis – que chegaram ao ponto mais baixo em março de 2009, entre as declarações que fizeram destacados economistas republicanos de que Obama estava matando a economia de mercado – triplicaram desde então. Talvez a gestão econômica não tenha sido tão ruim afinal.

Por último, falemos do triunfo, escondido à vista de todos, do sistema de saúde de Obama, que está terminando seu primeiro ano de aplicação plena. É um mérito da eficiência da campanha contra a reforma na saúde – que exagerou qualquer defeito, sem jamais mencionar que o problema foi resolvido, e inventou falhas que nunca ocorreram – o fato de eu frequentemente encontrar pessoas, algumas progressistas, que me perguntam se o Governo será capaz de fazer o programa funcionar em algum momento. Pelo visto ninguém lhes disse que está funcionando, e muito bem.

De fato, o primeiro ano superou todas as expectativas em todas as frentes. Lembram-se das afirmações de que mais pessoas perderiam o seguro do que obteriam? Pois bem, o número de norte-americanos sem seguro diminuiu em aproximadamente 10 milhões; os membros da elite que nunca precisaram de seguro não têm ideia da diferença positiva que isso representa para a vida das pessoas. Lembram-se das afirmações de que a reforma quebraria o orçamento? Na realidade, os prêmios ficaram muito abaixo do previsto, o gasto total em saúde está se tornando mais moderado e as medidas concretas para controlar os custos estão funcionando muito bem. E tudo parece indicar que o segundo ano será caracterizado por um êxito maior.

E não é só isso. Por exemplo, no final de 2014, a política externa do Governo Obama, que tenta conter ameaças como da Rússia de Vladimir Putin ou do Estado Islâmico em vez de lançar-se irrefletidamente a um confronto militar, cai muito bem.

O fio condutor de tudo isso é que, ao longo do ano que passou, um Governo norte-americano submetido a constantes críticas, acusado constantemente de ineficiente ou algo pior, conseguiu de fato muitas coisas. Em múltiplas frentes, o Governo não foi o problema, mas a solução. Ninguém sabe, mas 2014 foi o ano do “Sim, podemos”.

Paul Krugman é professor de Economia da Universidade de Princeton e Prêmio Nobel de Economia em 2008.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_