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Mulheres e negros são os mais atingidos pela fome no Brasil

Segundo relatório do IBGE, sete milhões de pessoas ainda passam fome no país

Crianças na favela do Mandela, Rio de Janeiro.
Crianças na favela do Mandela, Rio de Janeiro. Vladimir Platonow (Abr)

Embora o Brasil venha avançando na última década no combate à fome, as desigualdades sociais por gênero e raça ainda engatinham. De acordo com o relatório de Segurança Alimentar 2013, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado nesta quinta-feira, milhares de brasileiros deixaram de passar fome no país nos últimos dez anos. Mas as mulheres e os negros continuam representando a fatia da população com os piores indicadores.

O índice é dividido em duas categorias: Segurança Alimentar – quando a pessoa teve acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não achava que ia sofrer qualquer restrição alimentar no futuro. E Insegurança Alimentar – quando se detectou alguma preocupação com a quantidade e a qualidade dos alimentos disponíveis (grau leve), ou quando se convive com a restrição quantitativa de alimento (moderado), ou quando, além dos adultos, as crianças também passavam pela privação de alimentos (grave). Nesse último grau, o mais severo, existem hoje sete milhões de brasileiros. Há dez anos, no início do levantamento, eram 14,8 milhões.

A insegurança alimentar é maior nos domicílios onde as chamadas 'pessoas de referência' – basicamente quem manda na casa, o que não tem relação, necessariamente, com quem é o responsável pela renda do lar – eram as mulheres: 9,3%, contra 6,9% dos homens.

Para Alessandro Pinzani, professor de filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e co-autor do livro Vozes do Bolsa Família, essa diferença pode ser uma consequência do programa Bolsa Família. “Muitos dos homens [de baixa renda] não estão cadastrados no programa, o que, provavelmente, dá uma renda regular maior [para a casa]", diz. “As famílias chefiadas por mulheres em muitos casos não têm uma renda regular através do trabalho. Vivem do Bolsa Família e de bicos”. Essa é uma interpretação. Mas segundo Jully Ponte, técnica do IBGE, o cruzamento de dados de famílias beneficiadas pelo programa social e das que responderam à pesquisa não foi feito. “Além disso, os domicílios cuja referência são mulheres pode ter aumentado também”, disse.

O recorte por raça também aponta para a desigualdade. Os domicílios cuja pessoa de referência é negra ou parda são maioria, em relação àqueles comandados por brancos: 29,8% contra 14,4%, respectivamente. “A miséria tem cor no Brasil”, diz Pinzani.

Para ele, o combate à fome encontra, neste momento, dois gargalos. “Um é estrutural e outro é mais subjetivo”, diz. “O subjetivo diz respeito à ignorância alimentar. As pessoas não sabem se alimentar e, quando passam a ganhar mais dinheiro para comprar comida, passam a se alimentar pior”.

Já o estrutural é consequência do difícil acesso da população a alimentos como verduras e hortaliças. “Muitas vezes as pessoas têm consciência de que precisam de frutas e legumes, mas esses alimentos são caros”, diz. “Principalmente no sertão do país, ter uma horta custa caro, por causa da água necessária [para irrigar]. E comprar esses alimentos nessa região também custa muito caro”, explica.

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De fato, comparada com as cidades, as áreas rurais abrigam maior população que sofre com a fome: 35% contra 20,5% dos centros urbanos. “Detectamos uma diferença positiva na área urbana, mas menos na área rural”, diz Jully Ponte, comparando a redução dos problemas relacionados à fome nessas duas áreas com os anos anteriores. Além disso, 45% das pessoas que passam fome estão na região Nordeste do país.

Essa região é a única em que todos os Estados apresentaram taxas de segurança alimentar inferiores à média nacional (77,4%).

Isoladamente por Estado, o Espírito Santo foi o que apresentou a maior taxa de segurança alimentar (89,6%), seguido por Santa Catarina (88,9%) e São Paulo (88,4%). Já o Maranhão (39,1%) e o Piauí foram os Estados com as piores taxas desse índice, 39% e 44,4%, respectivamente. Mas até nesses locais houve avanço: Em relação a 2009, esses Estados registraram aumentos de 3,8 e 3 pontos percentuais, respectivamente.

A fome compra fiado

O levantamento indica que comprar fiado é a principal atitude adotada pelas famílias que sofrem com falta de alimento: 43% afirmaram tomar essa atitude. Em seguida, 27% disseram que pedem alimentos emprestados a parentes, vizinhos ou amigos e 7% deixam de comprar supérfluos.

Cenário internacional

Um comparativo feito pelo IBGE apontou que o Brasil (77%) é o segundo país com o maior número de domicílios que vivem segurança alimentar, entre os países da América que usam uma metodologia parecida para calcular esse problema. Os Estados Unidos (85%) apareceram em primeiro lugar. Em terceiro lugar está a Colômbia (57%), seguida do México (30%) e da Guatemala (19%).

Não foi possível comparar todos os países do continente porque nem todos usam o mesmo método para o calcular.

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