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Airbnb e Blablacar: prós e contras

Fórmulas para se hospedar e se deslocar estão revolucionando as viagens

Miguel Ángel Medina
Marta Trigueros, que oferece no Airbnb o seu apartamento em Madri.
Marta Trigueros, que oferece no Airbnb o seu apartamento em Madri.A. Arias

“Queria ir no Carnaval para Cádiz (sul da Espanha), mas não restavam passagens de trem, e os hotéis ofereciam pernoites a mais de 300 euros [cerca de 950 reais]”. Laura Lafuente, de 28 anos, tinha duas opções: esquecer o plano ou procurar alternativas. “Aí me enfiei na Internet e encontrei um carro compartilhado, que me apanhou perto de casa, e um quarto num apê superlegal. Saiu por menos da metade, e tudo muito mais pessoal.” O mundo das viagens atravessa uma revolução graças ao consumo colaborativo. Há cada vez mais usuários de plataformas como Airbnb e Blablacar, que servem, respectivamente, para alugar alojamentos particulares e localizar trajetos em carros alheios, pagando parte dos gastos.

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A indústria turística tradicional está no mínimo alvoroçada. E os órgãos públicos iniciam ações para lutar contra a economia informal. A Catalunha é o primeiro lugar da Europa a multar o Airbnb. Os hoteleiros da Espanha, por exemplo, exigem que os apartamentos turísticos cumpram as normas, e a entidade patronal das empresas de ônibus solicita o fechamento do Blablacar por considerá-lo “concorrência desleal”. Enquanto isso, avança a passos largos o número de usuários desse tipo de serviço. Desde o começo do ano, 15 milhões de pessoas utilizaram o Airbnb no mundo. Nas palavras de Frédéric Mazzella, fundador do Blablacar (dez milhões de usuários na Europa): “Frear o movimento de consumo colaborativo seria como querer parar o mar”.

Embora existam muitas outras iniciativas, oferecemos aqui alguns dados, a favor e contra, a respeito das duas principais plataformas, Airbnb e Blablacar. A ideia básica é muito simples: oferecer por pouco dinheiro quartos (ou imóveis inteiros) e vagas em veículos particulares. Além do preço baixo, essas fórmulas abrem a possibilidade de conhecer pessoas vinculadas ao destino. Por outro lado, tem inconvenientes como a menor segurança (você pode dar com a cara na porta) ou possíveis problemas com anfitriões ou motoristas. As duas plataformas se sustentam nas opiniões dos usuários, uma tendência que o Tripadvisor já havia antecipado para os hotéis, e que aqui se consolida e se amplifica: no Airbnb e no Blablacar as duas partes opinam – a que oferece o serviço e a que o utiliza. Assim, todos os usuários conhecem a outra parte implicada.

AIRBNB

Prós e contras do Airbnb

A favor:

– Costuma ser mais barato.

– Novas experiências em 34.000 cidades

– Incrível variedade de oferta.

– Possibilidade de conhecer novas pessoas, e os anfitriões costumam dar boas dicas sobre as suas cidades.

Contra:

– Segurança menos controlada (normas sanitárias, planos de evacuação, seguros...).

– Menos comodidades e serviços que num hotel.

– As fotos do anúncio podem enganar.

– Possíveis problemas de empatia com os anfitriões. E você pode dar com a cara na porta.

Como surgiu a ideia?

Em 2007, observando a falta de oferta hoteleira durante um congresso em San Francisco (Estados Unidos), dois dos criadores do site compraram três colchões infláveis (airbed, em inglês) e ofereceram alojamento e café da manhã (bed and breakfast, ou b&b) na sua casa por intermédio de um site. Assim nasceu o Airbnb, companhia americana hoje presente em 190 países (34.000 cidades). 

Trailer oferecido para alugar em Málaga, Espanha.
Trailer oferecido para alugar em Málaga, Espanha.Airbnb

Como funciona?

O site põe anfitriões que alugam casa ou quarto em contato com possíveis hóspedes. É importante diferenciar esse tipo de alojamento de sistemas como o intercâmbio de casas ou o couchsurfing, que consiste em dormir de graça num sofá – situações em que não há contrapartida econômica. Aqui ela existe: o hóspede paga por sua estadia. O Airbnb permite que qualquer um alugue sua casa completa ou um ou mais quartos. O site atua como intermediário, oferece um seguro a ambas as partes e cobra 3% dos anfitriões e entre 6% e 12% do viajante, de acordo com o preço (quanto mais caro, menor o percentual cobrado).

“Viajo frequentemente a Londres a trabalho e não gosto de ficar num hotel impessoal. Ficar na casa de outras pessoas é uma boa maneira de conhecer gente local, conversar e aprender mais sobre a cidade”, diz o profissional de marketing espanhol Jorge Planelló, de 30 anos. “Além disso, nessa cidade há hotéis que custam 150 euros e são bem ruins, ao passo que por esse preço com o Airbnb você pode encontrar casas enormes e muito bem equipadas”, acrescenta.

Quem usa o Airbnb?

Imóvel de Madri alugado pelo Airbnb.
Imóvel de Madri alugado pelo Airbnb.A. Arias

Hospedar-se via Airbnb costuma ser coisa de gente jovem. A média de idade dos usuários que se hospedaram em 2012 e 2013 em Barcelona, por exemplo, foi de 36 anos. “Usei a página para alugar uma casinha perto de Montserrat e tudo correu muito bem. A verdade é que nesse caso era quase o único sistema possível, porque se trata de um povoado perdido na comarca valenciana da Ribera Alta”, diz a jornalista Laura del Río, de 32 anos. Rocío Marín, uma espanhola de 30 anos que vive na Irlanda, usou o Airbnb para reservar hospedagem numa viagem a Amsterdã. “O sistema de pontuação funciona bastante bem, com as referências você pode conhecer detalhes da casa e dos seus donos. Além disso, se houver algum problema, a empresa costuma responder rápido”, diz.

A quem o Airbnb prejudica?

Os usuários do Airbnb antes se hospedavam em hotéis? Ou será que não viajavam? É muito improvável que a clientela dos hotéis de três, quatro ou cinco estrelas abandone esses estabelecimentos, já que oferecem serviços, comodidades e instalações que não são esperadas numa casa particular. “Não notamos uma redução dos nossos clientes, entendemos que ambos os sistemas são complementares”, diz Yeyo Ballesteros, da rede hoteleira Room Mate. Segundo a Associação Empresarial Hoteleira de Madri, “o impacto do Airbnb é maior nas categorias inferiores”.

Cabana instalada a três metros de altura em Granada (Espanha).
Cabana instalada a três metros de altura em Granada (Espanha).

Já a Confederação Espanhola de Hotéis denuncia que esse tipo de plataforma “está fomentando a economia informal”. Seu secretário-geral, Ramón Estalella, salienta que “para funcionar, um hotel precisa cumprir todo tipo de norma fiscal, de segurança, trabalhista, sanitária, de acessibilidade…, ao passo que os particulares que alugam sua casa não são tão afetados por isso”.

Os hotéis se deparam com uma realidade nova. Jeroens Merchier, do Airbnb, deixa claro: “O viajante está mudando. Há quem queira instalar porteiras no campo, e outros se perguntam o que os viajantes de hoje pedem, para se adaptar a esse fenômeno. Lentamente, nota-se uma mudança de atitude”. Kike Sarasola, fundador da rede Room Mate, por exemplo, acaba de lançar o BeMate.com, um site que permite aos hotéis oferecerem seus serviços (concierge, estacionamento, limpeza, restaurante, baby-sitter...) aos usuários dos apartamentos turísticos. Começaram com 2.500 apartamentos em dez cidades onde a rede está presente. É uma tentativa de fazer com que as duas fórmulas se beneficiem mutuamente.

Torre de defesa do século XV em Catalunha disponível para locação.
Torre de defesa do século XV em Catalunha disponível para locação.

Na Catalunha isso é possível. Essa foi a primeira região europeia a impor punições ao Airbnb, uma multa de 30.000 euros por descumprir uma lei catalã relativa a alojamentos turísticos (o Airbnb recorreu da multa). A norma diz que não pode haver aluguel de quartos, apenas de imóveis completos e registrados para tal fim e por um período inferior a 30 dias. Se uma pessoa aluga sua casa na Catalunha para uso turístico e descumpre a lei, pode receber uma multa de 3.000 a 24.000 euros. Cerca de 200.000 imóveis já foram regularizados, mas estima-se que ainda faltem 300.000. Madri também tem penas previstas que vão de 3.000 aos 300.000 euros para quem descumprir o decreto local. Só podem ser alugados apartamentos inteiros. “Até agora optou-se por informar os proprietários antes de puni-los”, disse uma porta-voz da Secretaria de Emprego e Turismo. A região de Navarra, por sua vez, acaba de aprovar um decreto semelhante, exigindo que os apartamentos sejam registrados e que o proprietário assine um termo de responsabilidade para se transformar em alojamento turístico. O aluguel de quartos avulsos também está proibido.

Londres e Amsterdã – dois destinos europeus importantes – e também Hamburgo e as norte-americanas Portland e San Francisco já aprovaram regras destinadas a fomentar o uso do Airbnb. Entretanto, várias cidades dos Estados Unidos estão tentando limitar o uso da plataforma, entre elas Nova York, Nova Orleans e Malibu, assim como a canadense Montreal e a alemã Berlim.

O que diz o Airbnb?

A plataforma atualmente informa aos locatários sobre as leis nacionais e regionais em vigor. Cada anfitrião adere a um termo no site confirmando que cumpre os regulamentos, embora isto não necessariamente ocorra. Na Catalunha, além do mais, os proprietários são os encarregados de arrecadarem a taxa turística cobrada por pernoite.

BLABLACAR

Como surgiu a ideia?

Prós e contras do Blablacar

A favor:

– Economia de tempo, horários mais flexíveis e destinos personalizados.

–Preço mais baixo.

– Experiência de viajar em carros diferentes.

–Você conhece motoristas e passageiros.

Contra:

–Se você não quiser conversar ou se não for com a cara do companheiro de viagem, tem que se virar mesmo assim.

–Pode acontecer de o motorista ser inexperiente ou que o veículo esteja em más condições, o que é um risco.

– O motorista pode não aparecer.

Fréderic Mazzela, fundador do Blablacar, quis tomar um trem de Paris a Fontenay-le-Comte (França) para voltar para casa durante as festas natalinas de 2003. E quando decidiu comprar o bilhete já não havia lugar. O empreendedor francês pensou então que muitos carros faziam esse trajeto apenas com um ocupante e passou pela sua cabeça que seria interessante tornar disponíveis esses lugares para viajantes interessados. Nasceu assim a ideia e, em 2009, o site, cujo nome faz referência a um detalhe que todo usuário pode indicar em suas preferências pessoais: se gosta de falar (um ‘bla’ significa que fala pouco, ‘blabla’ identifica quem fala mais ou menos, e ‘blablabla’ caracteriza um verdadeiro papagaio). Atualmente, funciona em dez países da União Europeia, mais Rússia, Ucrânia e Turquia.

Como funciona?

A plataforma francesa Blablacar coloca em contato motoristas e passageiros para que compartilhem percursos de carro e cobra entre 9% e 12% do passageiro para colocá-lo em contato com o dono do carro, dependendo da antecedência com que solicita o serviço (quanto mais próxima a viagem, maior a porcentagem cobrada).

Quem viaja no Blablacar?

Raquel (motorista) e Iván (passageiro), em Madri.
Raquel (motorista) e Iván (passageiro), em Madri.A. Arias

Atualmente, a média de idade dos usuários do Blablacar é de 33 anos. Em 2010, era de 29. Sebastián Martos Bravo, 31 anos, espanhol engenheiro técnico de telecomunicações, usou o Blablacar como passageiro cerca de 50 vezes, sobretudo nas rotas Madri-Jaén e Madri-Granada. “Já não tomo nem o ônibus nem o trem. Na página há muitos outros horários, e a viagem sai pela metade do preço, é mais rápido e além disso é muito mais divertido”, diz. A maioria de seus trajetos foi tranquila, apesar de também já ter tomado um susto. “Uma vez, um motorista me levou toda a viagem a 190 quilômetros por hora, e em outra ocasião fui com um homem que tinha um jipe e apareceu com umas cervejas.” Também já ficou plantado uma vez. São histórias que ficam refletidas nos comentários de cada um dos motoristas.

Apesar de a maioria dos usuários ser jovem, a página já conta com 500.000 pessoas maiores de 55 anos (números de toda a Europa).

A quem o Blablacar prejudica?

“Blablacar é concorrência desleal e ilegal”, afirma taxativo José Luis Pertierra, da Federação Espanhola Empresarial de Transporte de Ônibus (Fenebus), que reúne 76% das linhas rodoviárias de transporte regular. “Qualquer motorista que quiser transportar cidadãos cobrando um preço precisa de habilitação e autorização do veículo, e cumprir todos os requisitos legais para fazer esse transporte”, diz. “Quem não tem isso está exercendo uma atividade ilegal.” Por isso, pede o fechamento da plataforma. O Blaclacar responde que não há fins lucrativos, mas que só em coloca em contato particulares para que compartilhem o gasto de uma viagem, o que não fere a lei. E, além disso, reduz-se a poluição. A Alsa, uma das maiores empresas de ônibus da Espanha, disse que já foram detectados veículos que realizam sempre o mesmo percurso a fim de obter lucro. O Blaclacar garante que nesse tipo de uso abusivo os usuários podem ser expulsos da plataforma, mas que não está claro que isso esteja ocorrendo.

Posso ser punido por compartilhar meu veículo?

Na prática, não; mas teoricamente, sim. A regulamentação de transportes prevê multas de até 18.000 euros para quem organizar o traslado de pessoas sem estar autorizado para isso, e de 6.000 para os motoristas. O Blaclacar afirma que não recebeu nenhuma punição nos 13 países da Europa onde atua.

Outro caso é o do Uber, um aplicativo móvel para percursos urbanos. Os motoristas fazem as rotas como se fossem uma espécie de táxi. A Comunidade de Madri entrou com um processo contra a empresa por prestar um serviço sem autorização e puniu nove motoristas por usar o aplicativo. As multas, que vão de 6.000 a 18.000 euros, não se aplicam aos usuários.

Podem me multar como passageiro?

O Blaclacar afirma que compartilhar um trajeto com um motorista não viola lei. Não houve punições em nenhum país.

Sempre é bom compartilhar?

Para analistas como o economista Jeremy Rifkin, a economia colaborativa transformará nossa forma de organizar a vida porque, no longo prazo, compartilhar terá mais valor do que possuir. “Milhões de norte-americanos utilizam serviços de compartilhamento de automóveis. Para cada veículo compartilhado deixam de circular 15 veículos particulares”, diz.

Para outros, como o escritor Byung-chul Han, compartilhar leva à comercialização total da vida: quem não tem nada não pode compartilhar e fica excluído. O sul-coreano denuncia que o Airbnb rentabiliza até a hospitalidade, e que as pessoas fingem ser amáveis para receber melhores avaliações, ou seja, por interesse.

O sistema de comentários, por sua vez, também é uma faca de dois gumes, segundo o testemunho de vários usuários: serve para se ter uma ideia de como são as pessoas com quem você vai compartilhar casa ou carro, mas também supõe uma espécie de “ditadura do bom mocismo” que pode deixar à margem quem não souber se relacionar com os outros.

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