Nova York suaviza política contra a maconha

Policiais não vão deter quem estiver portando até 25 gramas de cannabis

Nova York -
Ao lado de De Blasio, Bratton exibe saco demonstrativo com orégano.S. P. (AFP)

A polícia de Nova York não vai mais prender quem for encontrado com até 25 gramas de maconha e se limitará a entregar uma intimação judicial. Caberá ao juiz impor uma multa ou a sanção que considerar oportuna, conforme anunciou na segunda-feira o prefeito Bill de Blasio, em uma mudança radical da política contra o pequeno delito aplicada durante anos pelos conservadores Rudolph Giuliani e Michael Bloomberg. O objetivo do novo prefeito democrata é cumprir uma das promessas de campanha e diminuir os efeitos indesejados do stop and frisk (a polícia pode parar e fichar uma pessoa simplesmente por sua aparência), alvo de numerosas queixas das organizações de direitos civis, segundo as quais essa abordagem estigmatiza as minorias afro-americana e latina.

Este é um grande passo para reduzir detenções desnecessários e improdutivas Bill de Blasio, prefeito de Nova York

“Esse é um grande passo para reduzir prisões desnecessárias e improdutivas que arruinavam a vida de muitos jovens sem antecedentes policiais. Além disso, permitirá que os agentes possam continuar seu trabalho e se ocupem de crimes mais sérios. É uma maneira de melhorar a relação entre a polícia e os cidadãos”, declarou o prefeito em pronunciamento ao lado do chefe de polícia, William Bratton. A medida entrará em vigor em novembro.

Até agora, as pessoas flagradas com uma pequena quantidade de maconha em Nova York eram detidas, algemadas e levadas à delegacia de polícia, onde eram fotografadas e deixavam suas impressões digitais. Depois de algumas horas, eram liberadas com uma intimação judicial para dali seis ou oito semanas. A partir de agora, o detido poderá seguir seu caminho e comparecer perante o juiz em um prazo determinado. Caso a pessoa seja flagrada fumando em público ou sem identificação, a detenção será mantida. O prefeito considerou “crucial” que os jovens levem sempre um documento de identidade.

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Nos doze anos de mandato de Bloomberg, a polícia prendeu a 50.000 pessoas por ano por porte de pequenas quantidades de maconha (uma em cada oito detenções). Em 2013, a cifra caiu para 28.000. Este ano a quantidade baixou para 24.000. Negros e latinos respondem por 86% das detenções, a maioria jovens sem antecedentes criminais, segundo um estudo do Queens College para o Marijuana Arrest Research Project.

O procurador do Brooklyn, Kenneth P. Thompson, que aplicou em seu distrito a política de não perseguir os portadores de pequenas quantidades da droga, considera, entretanto, que a nova diretriz deve ser esclarecida para evitar efeitos indesejados. O primeiro desses efeitos seria o processo judicial não cumprir todas as garantias. De acordo com o procurador, a simples intimação, sem detenção, pode levar a procuradoria a não revisar o caso previamente. Isso poderia fazer com que muitas pessoas passem por um procedimento sem motivo suficiente. Thompson recordou que, desde julho, seu departamento arquivou 34% dos mais de 2.500 casos de posse de pequenas quantidades de maconha.

Outro possível efeito negativo é o não comparecimento ao tribunal, o que implica em ordem de detenção. Na atualidade há 1,2 milhão de ordens de detenção ativas em Nova York de pessoas que não se apresentaram a uma intimação judicial ou não pagaram a multa por um delito menor. Só em 2013, um quarto dos 329.000 casos julgados nos tribunais por assuntos menores ficaram à espera do comparecimento do intimado, ou do pagamento da multa.

A reforma anunciada em Nova York chega em um momento em que quatro estados (Alaska, Colorado, Washington e Oregon), além do Distrito de Columbia, autorizaram o uso recreativo da maconha. O tema atinge em cheio um dos pilares da abordagem policial seguida há duas décadas por governos republicanos em Nova York: a teoria das vidraças quebradas, que diz que se uma vidraça quebrada não for consertada, em pouco tempo as outras vidraças aparecerão quebradas. Quer dizer, que a intolerância com os delitos menores é a base de uma convivência segura.

80% das quase 400.000 detenções por ano em Nova York são por delitos menores

Para os críticos, a teoria das vidraças quebradas é um produto neoconservador, que apoia os excessos policiais e as prisões em larga escala por delitos de pouca relevância. Das quase 400.000 prisões por ano em Nova York, 80% são por delitos menores. Metade dessas detenções acontece em bairros de maioria negra ou latina.

A redução do número de detenções por pequenas quantidades de cannabis é um velho debate em Nova York. Em 1977, o Senado estadual e a Assembleia descriminalizaram o tema, contanto que a droga não estivesse à vista ou sendo consumida. Quer dizer, andar com um pacotinho de maconha no bolso não era considerado crime. Entretanto, desde meados dos anos 90 a polícia deteve pessoas e as acusou de delito de forma rotineira simplesmente por encontrar droga em seus bolsos. Em 2011, o chefe de polícia Raymond W. Kelly publicou uma ordem recordando aos policiais que a acusação de delito não era a apropriada em muitos casos.

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