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A velhice faz você se sentir melhor, mas só se viver em um país rico

O bem-estar costuma diminuir com a idade, menos nos países anglo-saxões, diz estudo

Na maior parte do mundo, a velhice não significa bem-estar.
Na maior parte do mundo, a velhice não significa bem-estar.H. Sharma

A crise da meia-idade, quando percebemos que não somos mais tão jovens, que a biologia não anda para trás e que um pouco mais à frente está a morte, é uma grande fonte de boas histórias. Tony Soprano, o neurótico chefe da máfia de Nova Jersey, ou Thelma e Louise, a mítica dupla de amigas foragidas, são dois retratos desse período atribulado. Na ciência, muitos estudos confirmaram a existência dessa etapa vital, mostrando que a satisfação com a própria existência tem forma de U, melhor durante a juventude e a velhice, mas pior na transição intermediária. No entanto, é possível que esse processo não seja universal.

Um estudo publicado nesta quinta-feira na revista médica The Lancet, sugere que aquilo que pode fazer sentido para Tony Soprano, não fará para José Luis Torrente. Os autores, que recolheram informação de países de todo o mundo, sugerem que a ideia de uma velhice feliz depois da crise dos 40 só se ajusta à realidade nos países de idioma inglês e com elevada renda média. No resto do mundo, incluindo o sul da Europa, a tendência, embora em diferentes graus, é que com o passar dos anos a satisfação com a vida vá se reduzindo.

Chimpanzés e Orangotangos também têm uma crise de meia-idade

A ideia dessa curva vital entre os humanos, sustentada pela concentração de estudos científicos em países anglo-saxões, havia recebido também o respaldo de estudos com chimpanzés e orangotangos, que também sofreriam essa crise, embora no caso destes primatas, menos longevos que nós, ela aconteceria entre os 20 e os 30 anos. Esta descoberta apoiaria a ideia de que, além da diversidade das circunstâncias culturais e econômicas em que vivem os humanos, haveria fatores biológicos por trás da queda que pode levar um homem a tentar dormir com 30% das mulheres do estado de Nova York.

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O artigo liderado por Andrew Steptoe, da University College de Londres, mostra que os níveis de aumento na satisfação geral observada nos países anglo-saxões ricos, não se reflete nos da América Latina, mas essa piora na percepção sobre a própria existência é muito mais aguda nos países do antigo bloco comunista. Ali, 70% das pessoas com mais de 60 anos, afirmaram que no dia anterior não tinham sido felizes. Os autores atribuem este mal-estar à abrupta transição dos países socialistas e a perda de um sistema que, para muitos desses idosos, proporcionava sentido, serviços de saúde e pensões.

Os latino-americanos são mais positivos

Apesar disso, além dos fatores puramente econômicos, como reconhece o professor da Universidade de Princeton, Angus Deaton, “é possível que alguns fatores sociais condicionem a forma em que as pessoas respondem às perguntas que são feitas nos estudos”. “Os latino-americanos tendem a ser mais positivos e os chineses mais negativos”, exemplifica.

Nos antigos países comunistas, 70% das pessoas com mais de 65 anos disse que foi infeliz no dia anterior

O interesse deste tipo de estudo, que é publicado dentro de uma série de artigos sobre saúde e envelhecimento, encontra-se, por um lado, na necessidade, colocada por economistas como o prêmio Noble Joseph Stiglitz, de valorizar a própria avaliação do bem-estar para completar outros marcadores de progresso como o PIB. Além disso, do ponto de vista da saúde, foi observada uma correlação entre o bem-estar percebido e menos doenças e mortalidade. Os autores alertam, no entanto, sobre o perigo de exagerar a importância dessa correlação e transmitir a ideia de que quem adoece tem a culpa por seu mal, ao não ser capaz de se sentir melhor com sua vida. Apesar disso, com estes resultados, Steptoe e sua equipe consideram recomendável que as autoridades, além de se fixarem na mortalidade e na incapacidade à hora de planejarem suas políticas sanitárias, não descuidem do estado psicológico dos cidadãos.

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