Sophia Loren: “Envelhecer pode ser divertido”
A italiana publica suas memórias, aos 80 anos, nas quais escreve como atriz e mulher
Suas formas excediam os tradicionais cânones de beleza. Sua presença não passava inadvertida. Mas nos concursos de beleza em que Sophia Loren se apresentava, quando tinha 15 anos, em busca do impulso que a levasse à fama, sempre ficava com um segundo lugar. A italiana, que nesse momento tinha o sobrenome Scicolone, deixava os jurados perplexos, mas não se encaixava completamente: “Muito alta, muito magra, sem o porte justo”, diziam dela. As negativas, sua inexperiência e timidez, nada disso impediu que perseverasse.
Sessenta e cinco anos depois, com 80 recém-cumpridos, publicou suas memórias para celebrar uma vida de sucessos. A atriz une as lembranças de seu amado marido Carlo Ponti com os grandes nomes que a acompanharam, na frente e atrás das telas. E com o cinema, muito cinema.
A imagem da grande diva se desvanece nas primeiras páginas do livro Ontem, hoje e amanhã, o mesmo título de um de seus filmes. Em seu lugar aparece a mulher, a mãe, a avó que espera com as mãos afundadas em massa de struffoli e um avental. Seu retrato não decepciona, ao contrário, consegue mostrá-la como uma mulher real. Em seu relato volta a sua Nápoles natal, às misérias de uma família pobre fustigada pela II Guerra Mundial, pelo “som das bombas, o das sirenes antiaéreas e o vazio da fome”. Tinha seis anos e se escondia nos túneis do trem para fugir do zumbido dos aviões, junto com os ratos e os escaravelhos.
Sou tão perfeccionista que às vezes fico cansada comigo mesma
Rechaçada por seu pai, a pequena Sophia cresce ao lado de sua avó e sua “mamaíta”, uma mulher “muito loira, alta, desembaraçada e, sobretudo, solteira”. A jovem Sophia não compreendia sua mãe, reconhece que em certas ocasiões sentia “vergonha” de uma mulher que perseguia muitas vezes o homem que a havia abandonado grávida e sem recursos. Apesar disso, a figura de Romilda, atriz frustrada, foi seu grande suporte. Acompanhou-a em cada passo, como uma lembrança dos erros que não devia cometer e como impulso constante para perseguir as metas que ela não conseguiu alcançar.
Depois de sua passagem por numerosos concursos de beleza, a atriz conseguiu seu primeiro teste para o cinema. Era 1950 e a superprodução Quo Vadis? desembarcou em Roma “como se Hollywood tivesse mudado para o Tibre”. Marcou o verdadeiro início de sua história. Durante os testes, e seguindo os conselhos de sua mãe, a jovem Sophia respondeu a todas as perguntas do diretor, Mervyn LeRoy:
— Do you speak english? (Você fala inglês?)
— Yes (Sim).
— Is it your first time in Cinecittà? (É sua primeira vez na Cinecittà?)
— Yes.
— Have you read Quo vadis? (Você leu Quo vadis?)
— Yes.
— What’s your name? (Qual é o seu nome?).
— Yes.
— How old are you? (Quantos anos você tem?).
— Yes.
Apesar disso, conseguiu o papel de figurante e dividiu a tela com sua mãe.
“Sou tão perfeccionista que às vezes fico cansada comigo mesma”, reconhece Loren em suas memórias. Talvez essa obsessão por ter o controle de tudo foi o que a levou a memorizar cada roteiro de cor e perseguir seu maior sonho: uma família. O produtor Carlo Ponti, 22 anos mais velho que ela, não apenas a descobriu como atriz aos 17 anos, mas também se converteu no grande amor de sua vida. Com ele teve dois filhos depois de sofrer dois abortos que a afundaram em uma profunda tristeza. Um ginecologista chegou a dizer: “A senhora tem umas cadeiras estupendas, é uma mulher muito linda, mas nunca terá um filho.” Aquele médico destruiu suas esperanças, mas estava equivocado. Carlo Hubert Leone Jr. e Edoardo permitiram que realizasse “seu conto de fadas”. Só dois fatos estiveram a ponto de atrapalhar a história de sua vida: os problemas de Ponti para se divorciar de sua mulher anterior – com escândalo no Vaticano incluído – e um homem, Cary Grant.
Os dois se conheceram durante a filmagem de Orgulho e Paixão (1957): “Logo intuímos que o sentimento que nos unia começava a tingir-se de afeto e, cada um por motivos diferentes, tivemos medo.” O galã chegou a pedi-la em casamento em uma ocasião. A distância imposta pelo trabalho e seu amor por Ponti fizeram com que declinasse a proposta.
Não seria o único a se atrever a cruzar a barreira da amizade. Embora com bastante menos sorte, Marlon Brando tentou “passar a mão nela” durante a filmagem de A Condessa de Hong Kong (1967), de Charlie Chaplin. A italiana mostrou todo seu caráter e o enfrentou: “Não se atreva a fazer isso nunca mais. Nunca mais.”
Marlon Brando tentou passar a mão nela durante uma filmagem
Aos nomes de Chaplin e Brando se unem outros com os quais cruzou nas filmagens: Paul Newman, Frank Sinatra, Charlton Heston, Vittorio De Sica e John Wayne. Alguns a acompanharam por toda a vida, como seu grande amigo Marcello Mastroianni, com quem dividiu 12 filmes, ou Alessandro Blasetti, parte de seu grupo.
Foi se despedindo de todos eles. Mesmo assim, Loren não perde a atitude que a levou a se converter na primeira intérprete a ganhar um Oscar por um papel em outro idioma que não o inglês – por Duas Mulheres, 1961 –: “Envelhecer pode ser agradável, e até divertido, se você souber como usar o tempo, se está satisfeito com o que conseguiu e se continua conservando a ilusão.” A vida de Sofia Scicolone é bastante satisfatória.
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