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Bruxelas anula auxílios bilionários para Telefónica, Santander e Iberdrola

Comissão Europeia obriga a devolver deduções facilitadas pelo Governo. Abertis e a filial da AXA também deverão restituir dinheiro à Fazenda

Claudi Pérez
O vice-presidente da Comisión Europea, Joaquín Almunia, à direita, saúda ao ministro de Economía, Cristóbal Montoro
O vice-presidente da Comisión Europea, Joaquín Almunia, à direita, saúda ao ministro de Economía, Cristóbal MontoroFernando Alvarado (EFE)

A Espanha será obrigada a recuperar os auxílios fiscais bilionários outorgados pelo Governo de Mariano Rajoy a algumas das maiores empresas do país. Na quarta-feira, a Comissão Europeia encerra o processo contra a Espanha por auxílios para facilitar a compra de empresas estrangeiras por parte de algumas das maiores multinacionais espanholas, como a compra da Vivo pela Telefónica. Esses auxílios foram considerados “ilegais”, segundo fontes consultadas pelo EL PAÍS. O vice-presidente e comissário europeu para a Concorrência, Joaquín Almunia, exige que o Ministério da Fazenda espanhol recupere todo o dinheiro. A Telefónica, o Banco Santander e a Iberdrola – três das maiores companhias da bolsa de Madri, Ibex –, além da Abertis e da filial espanhola da seguradora francesa AXA, estão entre as empresas que deverão restituir os “auxílios ilegais” recebidos, segundo confirmaram as fontes da Comissão Europeia.

De acordo com outras fontes que estão acompanhando o caso, a quantia em jogo é da ordem de bilhões de euros em deduções fiscais, apesar de Bruxelas e o Governo espanhol preferirem não falar ainda de números definitivos. Além disso, fontes ligadas às empresas afirmam que apenas uma pequena parte dessas deduções foi usada até agora e é essa parcela que deverá ser devolvida. Só no caso da Telefónica, as deduções aplicadas na ocasião da compra da Vivo chega a 4 bilhões de euros, segundo os cálculos de três fontes que conhecem o caso. Mas fontes próximas à empresa indicam que a quantia é inferior e que, em todo caso, apenas foi usada até agora uma parte muito pequena das potenciais deduções (entre 20 milhões e 30 milhões de euros). As fontes acrescentam ainda que essas deduções não foram refletidas na contabilidade por causa das dúvidas sobre seu reconhecimento final. Representantes oficiais da empresa se recusaram a fazer comentários sobre o assunto até que saiba a decisão de Bruxelas. A Iberdrola e o Banco Santander também não divulgaram as quantias em jogo em seus respectivos casos.

Três meses depois de chegar a La Moncloa, em 21 de março de 2012, o Governo de Rajoy aprovou a aplicação retroativa de auxílios fiscais para a compra de participações financeiras em empresas de fora da União Europeia. A equipe do ministro Cristóbal Montoro aprovou, segundo a descrição de Bruxelas, uma interpretação “inovadora” das regras de incentivos do Estado, que permitiam descontos bilionários a várias multinacionais pela porta dos fundos: através de uma consulta vinculante da Telefónica à secretaria de Tributos que, de acordo com Bruxelas, reinterpretava com efeito retroativo a lei de Imposto sobre Sociedades. Essa lei foi aprovada há 10 anos pelo Governo de José María Aznar, com Rodrigo Rato como vice-presidente econômico e com Cristóbal Montoro no Ministério da Fazenda.

A mudança de interpretação ocorreu justamente quando o Executivo começava a aplicar cortes duros: pouco depois de aprovar a reforma trabalhista e alguns dias antes de anunciar cortes em saúde e educação. E ainda em meio a uma crise gigantesca que culminou com a nacionalização do Bankia e com o resgate financeiro da Espanha por parte dos parceiros europeus. As fontes consultadas pelo EL PAÍS destacam que Telefónica, Santander, Iberdrola, Abertis e AXA se beneficiaram desse incentivo fiscal, apesar de ele ir contra a bateria de medidas aprovadas posteriormente pelo Governo para reforçar a arrecadação do Imposto sobre Sociedades, em baixa desde o início da crise, e em um contexto internacional marcado por uma menor permissividade com a engenharia fiscal das multinacionais.

A longa batalha pelo fundo de comércio

Outubro de 2007. A Comissão Europeia abre uma investigação formal sobre a amortização fiscal do fundo de comércio financeiro na aquisição de pelo menos 5% de uma empresa estrangeira.

Outubro de 2009. A Comissão declara ilegais ajudas nas deduções quando são feitas para compra de empresas dentro da UE e pede a recuperação somente parcial pela existência de confiança legítima nas empresas.

Janeiro de 2011. O regime de amortização fiscal do fundo de comércio para aquisições de empresas fora da UE é declarado ilegal também em caráter geral.

Março de 2012. O Ministério da Fazenda espanhol adota uma nova interpretação mais flexível que amplia com caráter retroativo o âmbito das ajudas, ao estendê-lo para compras indiretas, após uma consulta vinculada apresentada pela Telefónica para a secretaria de Tributos.

De julho a dezembro de 2012. Bruxelas pede à Espanha esclarecimentos sobre a nova interpretação.

Abril de 2013. A Comissão pede para que a Espanha revise essa nova interpretação.

Julho de 2013. Bruxelas conclui de forma preliminar que a nova interpretação que ampliou para as compras indiretas o âmbito de aplicação da medida que já havia sido declarada como ajuda ilegal também constitui ajuda ilegal e abre um processo.

Outubro de 2014. A Comissão se dispõe a encerrar o processo.

Esses auxílios – que tecnicamente permitiriam a amortização fiscal do fundo de comércio (a diferença entre o valor patrimonial de uma empresa e o preço finalmente pago por ela) tanto para as compras diretas como para as indiretas, através de sociedades interpostas – já estavam terminantemente proibidos. Bruxelas, no entanto, havia concordado com que as empresas europeias não devolvessem seu aporte nas operações até 2007 pela aplicação do princípio de confiança legítima: as empresas tinham indicações de que essas deduções eram aceitáveis até então.

O Ministério da Fazenda espanhol se aproveitou desse resquício: concordou com o pedido das empresas para que pudessem se beneficiar retroativamente das deduções através de aquisições indiretas como a da Vivo, apesar da interpretação correta da lei espanhola não permitir, segundo Bruxelas. Após esse movimento, a Comissão Europeia para a Concorrência abriu um processo contra a Espanha em julho de 2013. E finalizará o mesmo na quarta-feira, declarando as ajudas ilegais e exigindo que a Fazenda recupere todo o dinheiro, como já ocorreu com os estaleiros. Fontes de Bruxelas explicam que a Telefónica, Santander, Iberdrola, Abertis e AXA são as cinco empresas que apresentaram alegações. Mas podem haver outras que tenham se beneficiado. O Executivo tem a obrigação agora de indicar o valor e o número de empresas que utilizaram esses auxílios fiscais.

O Governo espanhol sustenta que não é possível falar de aplicação com efeitos retroativos. Em uma entrevista ao EL PAÍS, há um ano, o secretário de Estado da Fazenda, Miguel Ferre, mostrava que a interpretação da norma espanhola “mudou após as decisões de Bruxelas em 2009 e 2011”, e após várias denúncias das empresas nos tribunais: “A secretaria dos Tributos, diante da pergunta de um contribuinte, esclarece, com base nas decisões da Comissão, que não é preciso recuperar essa ajuda. Não é concedê-la com caráter retroativo. Não é um ato novo ou uma devolução de impostos. A mudança do critério interpretativo veio motivada pela própria decisão da Comissão. Não foi para dar prêmios milionários para multinacionais, mas para interpretar melhor a norma”, disse Ferre.

Fontes europeias destacam que ainda não ocorreram decisões judiciais sobre os recursos citados por Ferre. E diante da surpresa do secretário de Estado, Bruxelas responde: “O procedimento contra essa montagem jurídica termina com decisão negativa para a Espanha e com a obrigação de recuperar as ajudas que, com os tratados, eram ilegais”.

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