‘Trash’, violência policial no Brasil à moda hollywoodiana
Estreia no país o novo filme de Stephen Daldry A trama carioca de corrupção e miséria quer transmitir esperança através do olhar infantil
Não é novidade que o cinema internacional olhe para o Brasil, com sua mistura contraditória de pobreza e alegria, mas há aspectos de Trash – o novo filme de Stephen Daldry que encerrou o Festival do Rio e estreou nesta quinta-feira em 250 salas do país – que nos dá um sinal de outros tempos. Saem de cena a selva, o carnaval e até a pobreza pura e simples e entra a violência da polícia no Rio de Janeiro, com uma trama de miséria e corrupção, mas também de otimismo e esperança, retratada pelo olhar de três crianças num lixão. O longa não só tem uma trama carioca, como é uma big produção inglesa feita a quatro mãos, entre Reino Unido e Brasil, com a participação de estrelas de lá e de cá e falada majoritariamente em português.
Quem sentiu aí uma mistura de Cidade de Deus, do brasileiro Fernando Meirelles, com Quem quer ser milionário?, do inglês Danny Boyle, não está desprovido de razão, mas há mais neste que é o primeiro thriller do diretor de Billly Elliot, As horas e O leitor. A história, roteirizada por Richard Curtis (famoso por comédias românticas como Notting Hill e Simplesmente amor), surgiu de uma adaptação do livro homônimo de Andy Mulligan, em que três meninos que sobrevivem catando lixo em um aterro sanitário encontram uma carteira com informações-chave para revelar um forte esquema corrupto. No enredo de Mulligan, o país era indefinido, mas no de Curtis ele caiu como uma luva na realidade do Brasil, que foi escolhido como locação no lugar de outros candidatos, como Índia e Filipinas.
O trunfo do filme, apesar da participação de Martin Sheen e Rooney Mara e de Wagner Moura e Selton Mello, é a atuação dos três protagonistas mirins – não atores dirigidos por Daldry, cuja experiência com crianças em cena é patente, com a ajuda de um diretor de atores que fala português, Christian Duurvoort. Eles são Rickson Tevez, Eduardo Luís e Gabriel Weisten, na pele de Raphael, Gardo e Rato, o trio que sai à caça da tal carteira muito mais movido por um sentido natural de justiça e de aventura do que por necessidade. Ela pertencia a um assessor de um político (Moura) que decide tirar do chefe todo o dinheiro que ele roubou e denunciá-lo publicamente, mas que é perseguido por um policial envolvido no esquema (Mello) e termina morto. São as crianças que o revivem na trama, fazendo o que ele não pôde terminar de fazer: justiça.
Juntos, sob a liderança de Raphael, eles enfrentam não só a pobreza extrema do cotidiano, como a mão pesada da polícia que os persegue, tortura e trata como criminais para conseguir o que precisa. Para isso, contam com a ajuda de um padre (Sheen) e de uma professora de inglês (Mara) que trabalha como voluntária na favela (ambos, vale dizer, pouco expressivos no conjunto da obra). Cenas tocantes em que eles tomam banho em águas insalubres, carregadas de lixo, e convivem felizes em meio à comunidade contrastam com outras, espetaculosas, em que enfrentam os policiais, vilões da histórias, como se fossem Tom Cruise em Missão Impossível. Nada mais típico de uma fábula realista, por um lado, e também do cinema ao estilo de Hollywood, por outro.
Esse tom didático e plasticamente aventureiro incomoda um pouco o espectador, assim como algumas inconsistências de roteiro – por exemplo, a aparição da filha do assessor político, dada o tempo todo por morta, ao final. Mas há uma tentativa de respeitar a realidade brasileira e até de voar acima dela, além de uma mensagem de esperança que, na indústria do espetáculo, quando aparece, costuma ser ainda mais bobinha do que três crianças fazendo justiça. “Um filme otimista assim, só no Brasil”, declarou Daldry, o diretor.
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