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Cresce temor por estancamento e baixa inflação da zona do euro

FMI corta previsões para países do euro e faz apelo por suavização de regras fiscais se a política monetária para a reativação falhar

Amanda Mars
A diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.
A diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.EFE

Quando se acabarem as balas, a Europa terá que flexibilizar suas regras. O Fundo Monetário Internacional (FMI) introduziu essa advertência em seu relatório de perspectivas econômicas mundiais para a zona do euro, em uma clara demonstração de que a preocupação com o ritmo da economia da região e sua baixa inflação cresceu dentro da instituição com sede em Washington. A recuperação era delicada desde o início e acabou parando repentinamente, apesar de os ajustes das contas públicas terem se suavizado e de o Banco Central Europeu (BCE) estar mantendo as taxas de juros a praticamente zero e já ter anunciado artilharia pesada para animar o crédito e a atividade econômica.

O Fundo revisou para baixo as previsões de crescimento da zona do euro para este ano, em relação ao que calculava em julho – 0,3 ponto a menos, ou 0,8%. Para 2015, o corte na estimativa foi de 0,2 ponto, chegando a 1,3%. Pouco se pode esperar quando a locomotiva perde força: a Alemanha crescerá 1,4% este ano, segundo o FMI, o que significa uma grande correção para baixo, comparada com o que se esperava em julho: 0,5 ponto. E para o ano que vem, a expectativa de crescimento é de 1,3%, três décimos a menos do que foi previsto há três meses.

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“Se os riscos de deflação se materializarem e as opções de políticas monetárias tiverem se esgotado, as cláusulas de fuga no âmbito fiscal poderão ter que ser utilizadas”, adverte o relatório do Fundo, que deu início à sua cúpula anual maldizendo o crescimento decepcionante – “medíocre”, definiu a diretora-gerente da instituição, Christine Lagarde. Os últimos meses foram mais fracos que o esperado nos Estados Unidos, no Japão, na zona do euro e em várias das grandes potências emergentes, como o Brasil, que se encontra em recessão. E a previsão para o crescimento mundial neste ano caiu 0,1 ponto, chegando a 3,3%, enquanto para 2015, a revisão para baixo foi de 0,2 ponto, ou 3,8%.

E essa contração nem sofreu todo o dano que poderiam ter causado os conflitos abertos na Europa e no Oriente Médio. “Por enquanto, os efeitos da crise ucraniana não se estenderam para além dos países atingidos e seus vizinhos imediatos”, afirmou o economista-chefe para o Fundo, o francês Olivier Blanchard. Do mesmo modo, o preço do petróleo não disparou apesar das turbulências, mas “isso pode mudar no futuro”, segundo ele.

As previsões para a Alemanha em 2014 se contraíram 0,5%

A deterioração econômica levou o Fundo a alertar para uma retirada “prematura” das condições monetárias – uma mensagem ambígua mas dirigida claramente ao Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, que já começou sua fase de retirada. E também a apontar novamente na direção de Frankfurt.

O órgão dirigido por Lagarde defendeu primeiro um processo mais lento para que os países com desequilíbrios orçamentários ajustem suas contas, para a austeridade não segurar muito o crescimento e colocar em perigo a recuperação. A Europa, empurrada por vários de seus membros mais atingidos, acabou fazendo isso. O FMI pressionou o BCE, o mais conservador entre os grandes bancos centrais, para que reforçasse seus estímulos. E a entidade de Frankfurt, que realizou novos leilões de crédito barato, também começa este mês a comprar ativos privados e se aproxima de aquisições em massa tanto de títulos privados como públicos, no que seria a maior operação da história do banco.

E a Europa continua estancada. “As perspectivas de inflação continuam em baixa, o BCE deveria estar disposto a fazer mais, incluindo a compra dos ativos públicos”, afirma o FMI, repetindo um tipo de pressão que no passado já havia perturbado o banco central.

O BCE deveria estar disposto a comprar ativos da dívida pública

O Fundo redobra os alertas para o risco de deflação, uma queda generalizada e persistente dos preços que acaba por bloquear o consumo e os investimentos, diante da expectativa de depreciação, e envenena ainda mais a crise, entre outros problemas. A probabilidade desse fenômeno, que Bruxelas e o BCE sempre minimizam, é de 30%, segundo o FMI. E a Espanha, que há três meses tem preços em negativo, volta a se colocar no topo da lista, atrás somente da Grécia, com “risco elevado” de sofrer esse fenômeno. Ainda que a inflação se acelere conforme a atividade econômica melhora, o Fundo acredita que o IPC europeu continuará abaixo da meta do bloco, que está próxima mas abaixo de 2%. Em agosto estava em 0,3%.

Existe um risco de que a economia europeia pare, a demanda caia mais e, aí, essa baixa inflação se transforme em pura deflação. “Não é nosso cenário macroeconômico porque acreditamos que os fundamentos da economia europeia estão melhorando lentamente. Mas se ocorrer algo assim seria um acontecimento de grande consequência para o mundo”, advertiu Blanchard.

Mais investimentos

Nessa linha, este FMI mais keynesiano voltou a pedir para a Alemanha pisar fundo no acelerador e potencializar seus investimentos em infraestruturas para reanimar sua economia e também alimentar aquela de seus parceiros no euro. O país, com contas públicas mais saudáveis, poderia fazer isso “sem descumprir suas normas fiscais”, ressalta o FMI que, além disso, avisa: “Grandes surpresas negativas de crescimento na zona do euro não deveriam ativar novos esforços de consolidação, já que seriam contraproducentes”.

Em conjunto, o FMI pede investimentos por parte dos países “credores”, como a Alemanha, e reformas por parte dos “devedores”, como a Espanha e a Itália. A Comissão Europeia, a OCDE e o BCE também pediram mais investimentos por parte dos países com capacidade fiscal. Mas Berlim se fez de surda para algo que também é solicitado por economistas do próprio país após mais de uma década investindo abaixo da média europeia sob a alegação de que não fará nada que aumente sua dívida.

A languidez das economias avançadas preocupa o Fundo. No relatório, a entidade realizou uma simulação do que ocorreria se os países mais desenvolvidos entrassem em uma fase de estancamento: baixos crescimentos dos investimentos (0,5% para a zona do euro e o Japão, e 1% para os EUA), e um saldo privado 0,2 ponto maior em relação ao PIB, entre outras variáveis. Segundo o FMI, o crescimento das economias avançadas seria meio ponto inferior ao cenário macroeconômico e a inflação, 0,8 ponto mais baixa depois de cinco anos.

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