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Cristovam Buarque | senador e ex-ministro da Educação

“Para ser ministro de Marina Silva, imponho minhas condições”

Para o senador, a população brasileira se divide entre descontentes e desesperados

Antonio Jiménez Barca
O senador Cristovam Buarque (PDT).
O senador Cristovam Buarque (PDT). Geraldo Magela (Agência Senado)

O senador Cristovam Buarque (Recife, 1944), ex-governador do Distrito Federal e durante um ano ministro da Educação de Lula, tem um plano educacional para o Brasil e o conhece de memória. Tanto que é capaz em qualquer lugar, em uma cafeteria, por exemplo, de explicá-lo a qualquer um com meia dúzia de folhas de caderno e uma caneta. Enquanto faz isso, é interrompido por várias pessoas que se aproximam dele para felicitá-lo, incentivá-lo a prosseguir com sua atividade política ou simplesmente cumprimentá-lo. Sua obsessão é fazer com que o nível educacional do país, sobretudo o ensino primário e secundário, se eleve. Ele apoia Marina Silva nessas eleições. Seu nome aparece como possível ministro da Educação. Se assim for, poderá passar seu plano das folhas do caderno à realidade de um país de 200 milhões de habitantes.

Pergunta. Segundo os últimos estudos, o país não alcançou as metas educacionais propostas pelo Governo. O que acha desses dados?R. E isso considerando que as metas eram modestas. É um autêntico fracasso.

P. E o que é preciso fazer?

R. Primeiro, reconhecer as causas. A primeira é que o Brasil está socialmente dividido. No Brasil, não temos classes sociais. Temos um autêntico apartheid social. E atualmente não se trabalha para solucionar os problemas dos de baixo: a saúde, o transporte, a educação... A segunda causa é cultural: aqui não se dá importância à educação, ela não é respeitada. Se alguém quer ser respeitado no Brasil, tem que possuir um carro, uma casa grande, uma conta bancária... Mas vamos supor que se supere isso. O que fazer? Ora, transformar o sistema para que seja um autêntico sistema nacional de educação, para que não dependa dos municípios, que são muito desiguais e não têm dinheiro. E criar, por exemplo, a carreira nacional do Magistério.

P. É um problema de orçamento?R. Se for colocado agora mais dinheiro no atual sistema não haverá resultado. É preciso mudar a estrutura.

P. E por que o Governo não faz isso?R. Porque o Governo atual (e os anteriores, de Lula) não dá importância à educação básica. O Governo de Lula era muito sensível ao voto. E a população se preocupa, sobretudo, com a universidade.

Se alguém quer ser respeitado no Brasil, tem que possuir um carro, uma casa grande, uma conta bancária...

P. Para chegar à universidade é preciso passar antes pela escola.R. Sim, mas o brasileiro acha que pode saltar tudo. Embora não seja assim.

P. Há especialistas que dizem que o nível da universidade pública é bom, mas muitos estudantes da classe baixa não chegam até ela porque não possuem os conhecimentos necessários.R. Isso mesmo. Além disso, somente 40% dos estudantes de escolas públicas terminam o ciclo de ensino. Nas escolas privadas todos concluem. Logo, os que vão para as escolas privadas passam para a universidade pública e os das escolas públicas acabam nas universidades privadas, porque não têm nível, e estudam à base de bolsas do Estado, por iniciativa do PT.

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P. Esse sistema é perverso.

R. Sim, a solução seria que o ensino básico e secundário, público e privado, tivesse a mesma qualidade. Mas a qualidade está caindo. Sou professor universitário e vejo isso.

P. E como, então, se eleva o nível?

R. Voltando ao meu plano: é preciso criar uma carreira nacional do Magistério, com salários altos, seleções rigorosas e uma constante avaliação dos professores. No Brasil, se você é professor, nunca vão te demitir, a não ser que você seja ladrão ou pedófilo. Eu lhes daria um salário de 9.500 reais, mas com controles constantes. O segundo ponto seria a construção de escolas. E que sejam dotadas de equipamentos. Viaje ao Nordeste do país e me diga como estão as escolas por lá. Terceiro, que tenham horário integral. Aqui o aluno só fica quatro horas por dia na sala de aula. Nacionalizando tudo isso, acabaríamos com um problema crucial do Brasil: dependendo de onde você nasça e em que família, está marcado para toda a vida. Faltariam 200.000 escolas e dois milhões de professores. Se forem feitas em 250 cidades por ano, e com mais 100.000 professores a cada ano, em 20 anos se consegue. E o investimento não superaria 10% do que, por lei, é obrigatório investir em educação.

P. E o senhor não mostrou esse plano a Lula quando foi ministro?

R. Saí frustradíssimo do Governo de Lula. Ele nunca tinha tempo para falar disso. Nunca se interessou. Eu queria que o Ministério da Educação se ocupasse do ensino primário e médio, sem as universidades. Mas Lula não aceitou. Os sindicatos não queriam. E Lula é um político genial, mas ligado às suas origens, aos sindicatos. E as crianças são as únicas no Brasil que não têm sindicato. Ninguém se preocupa com elas, porque, além disso, tampouco votam.

P. Os pais se preocupam.

R. Veja: a escola agora é muito ruim, sim, só 40% dos alunos terminam o ensino médio. Mas há 30 anos, apenas 20% terminavam. As crianças de hoje estão muito melhor do que seus pais, que em sua grande maioria não foram ao colégio.

P. E o pai se conforma…

R. Nas pesquisas de opinião, os pais avaliam bem a escola brasileira. E é verdade que ela melhorou. Mas apenas em termos relativos, porque atualmente duas brechas aumentaram: a que separa o Brasil de outros países, já que a escola desses países melhora mais do que no Brasil; e a que separa a escola dos ricos da escola dos pobres. Além disso, agora há uma exigência maior. O problema é que a educação não é uma prioridade do povo, porque somos muito imediatistas, queremos as coisas para já, e isso não se consegue de um dia para o outro. No Brasil, só os ricos economizam para a escola de seus filhos. Na Europa não é assim. E isso que na Europa há uma boa escola pública. Lembro de um jogador de futebol brasileiro que jogava em Paris, que quando lhe perguntaram qual era a diferença entre o Brasil e a França, respondeu: “Que os filhos do meu motorista vão à mesma escola que os meus”.

P. A educação é uma prioridade da campanha?

R. Eduardo Campos [do Partido Socialista Brasileiro, morto em um acidente aéreo em agosto] foi o único candidato a dizer que o “Brasil não será um país decente até que o filho do trabalhador estude na escola do filho do patrão”. Marina Silva está demorando a dizer o mesmo.

P. O senhor está sendo cogitado como ministro da Educação se ela for eleita.

R. Bom, em primeiro lugar penso que Marina Silva vai precisar mais de mim no Senado. Segundo, já fui ministro e agora só aceitaria com certas condições: seria ministro da educação básica e média, sem as universidades. Já saí frustrado na outra vez.

P. O senhor acredita que Marina é a candidata dessa gente que saiu em massa às ruas há um ano e meio?

R. É a que está mais próxima deles. Se o senhor me perguntar se ela vai solucionar todos os problemas dessa gente, diria que não estou seguro disso. Mas tenho certeza que ela é a que dá mais esperança.

P. Por que aconteceram esses movimentos de protesto?

R. Durante os últimos vinte anos, o Brasil gozou, pela primeira vez, de estabilidade monetária e crescimento econômico. Mas, paralelamente, a democracia entrou em crise por causa das mentiras das campanhas, a desmoralização e a corrupção. O crescimento econômico foi estancado e a estabilidade monetária se esfumou pela inflação. O povo se cansou do ciclo do PT e do PSDB, de que as coisas não funcionem, e foi para a rua. O transporte público não funciona porque a prioridade foi aumentar as ventas de carros. A saúde não funciona porque a prioridade foi dar o Bolsa Família às famílias e não investir em saúde. A segurança também está mal. O povo talvez não faça essas análises, mas sente esses problemas. Entretanto, quem foi à rua foi apenas a classe média. Quando as classes mais pobres vão para as ruas, o fazem com violência. A população brasileira se divide entre descontentes e desesperados.

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