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Universidade indígena da Bolívia usa técnicas militares como castigo

Os estudantes da Tupak Katari denunciam que sofreram abusos físicos com a anuência da reitoria

O presidente Evo Morales, com uma placa de chumbo no dia 10 de setembro em Potosí.
O presidente Evo Morales, com uma placa de chumbo no dia 10 de setembro em Potosí.DAVID MERCADO (REUTERS)

A universidade indígena aimará Tupac Katari, na Bolívia, tem uma maneira peculiar de punir o atraso de seus estudantes: obrigando-os a fabricar adobes (tijolos de barro e palha) e, quando necessita disciplinar os manifestantes, os envia a uma unidade militar, onde são submetidos a extenuantes exercícios físicos.

Um grupo de 83 estudantes de Veterinária e Zootecnia desta instituição denunciou a situação para o Defensor do Povo, depois que o grupo, entre eles 43 mulheres, foi transferido para uma unidade militar para receber uma classe (mensal) de “valores e defesa do Estado” que se transformou em um pesadelo, segundo relatos dos jovens veiculados por meios de comunicações locais.

“Fomos transferidos como animais ao Regimento. Nos disseram que tinham ordens da Reitoria para nos disciplinar”, contou o estudante Leonel Chinaya para a agência indígena de notícias da rede Erbol. “Tivemos que fazer flexões, abdominais e agachamentos todos os dias. Pisaram em nós e nos jogaram gás”, denunciou.

Os alunos da universidade indígena que chegam com atraso devem fabricar 200 adobes – tijolos de palha e terra – para aprenderem a ser pontuais

Outro estudante, que pediu anonimato à agência Fibes, relatou que os instrutores militares os levaram a uma colina em plena chuva e ali ordenaram que se agachassem ou se arrastassem, e quem resistia era pisado na cabeça ou nas costas. Lançaram contra eles bombas de gás lacrimogênio e várias estudantes desmaiaram. Passaram a noite toda molhados.

Os universitários que chegam com atraso às classes são obrigados a fabricar adobes. Um deles afirmou à rádio da rede Erbol, de La Paz, que teve que fazer 200 adobes, assim como muitos outros companheiros, segundo o estipulado pelas regras da Universidade Tupac Katari para incentivar a pontualidade dos alunos.

A universidade aimará está localizada na comunidade Cuyahuani de Huarina, a 65 quilômetros a oeste de La Paz, nas margens do Lago Titicaca. Próximo à universidade está o regimento naval de Chua, onde são dadas classes como parte de um acordo assinado entre as autoridades do centro de estudos e as Forças Armadas para o período de 2013-2016.

Evo Morales impulsionou a criação de três universidades indígenas sem autonomia para impulsionar estudantes com "princípios bem formados"

O reitor Lucio Choquehuanca acredita que os estudantes “precisam de disciplina” e considera positivo o acordo com as Forças Armadas. Explicou à imprensa de La Paz que o curso de Veterinária e Zootecnia é um grupo rebelde, que não aceita apresentar a tese em aimará e que coordena um movimento para conseguir a autonomia. “Esta universidade é cria de nosso irmão Evo Morales, e isso de autonomia não será dado”, reiterou enfático.

O presidente Morales afirmou na quinta-feira durante a entrega de ônibus à universidade quéchua, em Chapare, que “não vai haver autonomia nas universidades indígenas” e sugeriu aos que querem autonomia que se inscrevam no sistema público universitário.

“Nossas universidades têm que ser totalmente diferentes dessas autônomas, com princípios, valores e outro estilo de profissionais bem formados ao lado de seu povo e não para outros interesses”, disse Morales, cujas declarações foram publicadas pelo jornal La Razón, de La Paz.

Morales incentivou a criação de três universidades indígenas: a aimará no altiplano, a quéchua em Chapare e a guarani no Chaco, em 2009. As três universidades indígenas contam com uma Junta Comunitária integrada por representantes do Ministério de Educação e organizações de trabalhadores rurais e indígenas.

A autonomia universitária implica na total independência política e administrativa dos centros de estudo do sistema público. Os recursos destinados pelo Estado são de livre administração, assim como a eleição de suas autoridades, a definição de planos de estudo e seus estatutos. É complementada com o “governo conjunto” integrado por docentes e representantes estudantis, para garantir o exercício da democracia no acesso às universidades e nos planos educativos.

A Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Rurais da Bolívia (CSUTCB), que forma parte da Junta Comunitária da universidade aimará, apoiou os estudantes e pediu a revisão do acordo com as Forças Armadas, como um primeiro passo para solucionar o conflito estudantil.

Os jovens optaram por ficar em La Paz até conseguir garantias do Defensor do Povo de que não haverá represálias e que tampouco enfrentarão obstáculos para a conclusão de seus estudos.

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