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Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil

Principal parceiro comercial da Argentina, a indústria brasileira teria um cenário ainda mais difícil para as suas vendas ao exterior caso Cristina Kirchner não chegue a um acordo com os credores

Cristina Kirchner e Dilma Rousseff em Caracas.
Cristina Kirchner e Dilma Rousseff em Caracas.Ariana Cubillos (AP)

A apreensão pelo fim do prazo para que a Argentina consiga evitar um novo calote também é vivida intensamente no Brasil, o seu principal parceiro comercial. Com a confirmação da fama de mau pagador, buscar dólares no exterior para financiar as suas importações –e as consequentes exportações brasileiras– seria uma tarefa ainda mais difícil para os argentinos, depois de anos fora dos mercados internacionais em recuperação a outro calote, de 2001.

“O cenário é muito difícil”, avalia José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “A medida (o calote) afetaria todos os países, mas principalmente o Brasil. A demanda pelos produtos brasileiros possivelmente cairia muito, em um ambiente de forte desvalorização cambial e queda da atividade na Argentina”, emenda.

De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina caíram 20% ante o mesmo período de 2013 –a participação do país vizinho no total das vendas brasileiras ao exterior chegou a 6,7%, ante os 8,1% registrados nos primeiros seis meses do ano passado. A compra de produtos argentinos pelo Brasil também caiu, praticamente na mesma proporção. Os hermanos são atualmente os terceiros maiores parceiros comerciais brasileiros.

Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb e ex-secretário argentino da Indústria, reforça as preocupações dos exportadores brasileiros. “São totalmente justificadas”, diz. “Buenos Aires tem subestimado muito o impacto do default. Vai haver um agravamento dos problemas atuais, com mais restrições às importações.” De acordo com dados da própria Abeceb, um cenário de calote faria com que a economia argentina encerrasse o ano com uma queda de 3,5% na atividade, uma inflação anual de 41% e uma retração de 3,8% do consumo.

A fim de pagar os seus credores e suprir as suas necessidades de financiamento, o Governo argentino se viu contra as cordas nos últimos anos, tendo de restringir as compras de produtos de outros países e gerar superávit –quando o valor arrecadado nas vendas ao exterior superam as importações. O comércio com o Brasil assistiu a um processo lento de esvaziamento, em um cenário de maior restrição às compras e escassez crescente de reservas internacionais.

A Argentina tem até esta quarta-feira para chegar a um acordo com os "fundos abutres", como são conhecidos os credores internacionais que exigem cobrar em sua totalidade a dívida não paga pelo país em 2002 e não aceitaram um abatimento de 65% no valor a ser desembolsado por Buenos Aires. As últimas horas nesta terça podem ser marcadas por intensas negociações entre as partes, com a presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner em busca ainda de mais apoio político internacional à causa em uma cúpula do Mercosul, em Caracas.

Segundo Castro, o calote viria em um momento em que Buenos Aires até começava a retornar aos mercados de forma tímida, principalmente com o pagamento de parcelas aos credores internacionais que integram o chamado Clube de Paris. “Voltaria tudo à estaca zero. Os argentinos teriam de recuperar duplamente a confiança, depois de ficarem fora do mundo desde 2001. Se o preço das commodities despencar, então, a situação fica insustentável.” As commodities respondem por quase a metade da receita das vendas ao exterior argentinas.

Um setor que já vem sentindo o esfriamento nessas relações é o automotivo, que tem 80% de suas vendas externas destinadas ao país vizinho. O Governo de Cristina Kirchner chegou a anunciar uma barreira de quase 30% à importação de veículos leves fabricados no Brasil durante o primeiro trimestre deste ano, a fim de conter a fuga de divisas internacionais de seu território.

De janeiro a junho deste ano, o total de exportações automotivas brasileiras caiu 35% em relação ao mesmo período de 2013, revelando o impacto causado pela crise no país vizinho. A expectativa, no entanto, é de que a renovação de um acordo bilateral para o setor em junho passado possa aliviar o peso de um eventual calote argentino. No pacto, há uma cota a ser obedecida: a cada dólar comprado em bens automotivos do país vizinho sem imposto, o Brasil poderá exportar no máximo 1,5 dólar também sem a cobrança.

Outro setor impactado é o calçadista, que tem na Argentina o segundo maior destino de seus produtos, atrás apenas dos Estados Unidos. “É difícil imaginar como ficará o comércio bilateral depois de quarta-feira”, lamenta Heitor Klein, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “A continuar no ritmo atual de embarques, podemos fechar o ano com uma queda para a Argentina de até 50% em relação a 2013”, completa.

“Caso esse panorama se mantenha ou piore, certamente teremos outros desdobramentos”, resume Klein, sem detalhar ainda os possíveis impactos na atividade ou no emprego.

As próximas horas serão mesmo tensas também deste lado do Mercosul.

O fator China

Há tempos na mira dos exportadores brasileiros por causa de supostas vantagens na competição pelas vendas de seus produtos no mercado internacional, os chineses poderiam assumir um papel de maior protagonismo na região com um novo calote argentino.

“Não seria nada impossível um cenário em que a China ajudasse a financiar a Argentina. O país asiático quer entrar cada vez mais na América Latina e poderia condicionar isso à compra de seus produtos”, avalia Castro. “Isso dificultaria ainda mais o nosso comércio”, acrescenta.

Alguns setores no Brasil, como o próprio calçadista e o manufatureiro em geral, têm sofrido na disputa por espaço com Pequim no mercado do país vizinho nos últimos anos. Enquanto observa um forte recuo na exportação para o mercado argentino, a Abicalçados comenta que os chineses incrementaram em 11% os seus embarques para Buenos Aires.

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