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Yayoi yourself

Retrospectiva de Yayoi Kusama, precursora do sentimento narcisista e solitário que impera hoje, atrai visitantes de todas as idades em São Paulo

A jovem Yayoi posa em sua "Sala dos Espelhos do Infinito - Campo de Falos", de 1965.
A jovem Yayoi posa em sua "Sala dos Espelhos do Infinito - Campo de Falos", de 1965.

Deve haver quem se lembre de quando os museus e as galerias exigiam que seus visitantes apreciassem as obras à distância e, sobretudo, mantivessem suas câmeras com flash bem longe delas. Esse indivíduo tem necessariamente que ter mais de 20 anos e gostar de falar do passado.

Um passeio pela mostra “Obsessão infinita”, que exibe cerca de 100 trabalhos de Yayoi Kusama em São Paulo desde 22 de maio, prova que os tempos são outros. Parece que ela foi feita exatamente para que tudo seja fotografado com câmeras de celulares e para que pessoas de várias idades, fazendo suas selfies ao lado de quadros, esculturas e instalações, sintam-se parte dela. Parte, melhor dizendo, da casa, da mente e das obsessões da mais proeminente artista japonesa viva, que desde 1977 mora voluntariamente num manicômio de Tóquio.

Yayoi, de 85 anos, ficou famosa por suas bolinhas, impressas sobre tudo, repetidas ad infinitum, especialmente em vermelho e branco. Ela diz que essa mania nasceu de alucinações que tem desde adolescente, quando já via o mundo coberto de pontinhos. Pois essa ideia fixa fixou-se às mil maravilhas na curiosidade não só de adolescentes, mas de crianças e de adultos de hoje. Arte menor? Sob nenhum ponto de vista. Em plena semana, uma visita à exposição comprova que ela é um dos sucessos da atual agenda cultural paulistana, sem fazer distinção de idade, nível de conhecimento artístico ou inclusive de bolso (a entrada é gratuita).

Nos primeiros 10 dias depois da inauguração, uma média de 11.500 pessoas esperaram cerca de uma hora e meia para entrar no Instituto Tomie Ohtake, que a hospeda – e é responsável, junto com o estúdio de Yayoi, pela produção dessa que é a primeira exposição latino-americana da artista. A expectativa é que o público de São Paulo supere, até sair de cartaz em 27 de julho, os do Rio de Janeiro, de Brasília e de Buenos Aires, onde “Obsessão Infinita” bateu recordes de público nas instituições que a abrigaram (o Centro Cultural Banco do Brasil e o Malba, na Argentina).

O que os visitantes encontram é uma retrospectiva organizada cronologicamente. Primeiro, estão as pinturas e esculturas que Yayoi realizou no início de sua carreira, nas décadas de 50 e 60. Depois, o que ela produziu enquanto viveu em Nova York e teve contato com os artistas Donald Judd, Andy Warhol, Claes Oldenberg e Joseph Cornell, nos anos 70. Por fim, sua criação mais recente, a partir de 1990 – a mais colorida e psicodélica de todas. Tudo está exposto com total simplicidade e displicência, o que dá uma sensação de conforto e facilita inclusive o assédio das câmeras em espaços abertos.

Mas os maiores acertos da exposição são mesmo em ambientes fechados, onde suas obras mais radicais evidenciam que Kusama é precursora de vários procedimentos comuns à arte contemporânea hoje, como as instalações que interagem com o público e permitem que ele experimente o que a artista chama de “auto-obliteração”. O termo foi criado por ela para designar a sensação de ser o centro das atenções e desaparecer ao mesmo tempo. Estar em toda parte e em lugar nenhum – o que poderia ser mais selfie do que isso? Um golpe inegável de narcisismo e solidão ao mesmo tempo.

É o que se sente na "Sala dos Espelhos do Infinito - Campo de Falos (Ou Entretenimento)", de 1965, que retrata o período em que a artista trabalhou com performance, moda, cinema e design na cena underground nova-iorquina. E especialmente na "Sala Espelhada ao Infinito – Cheia de Brilho da Vida", a preferida dos visitantes.

Alguns certamente se perguntam o que tantos falos, bolinhas e outros elementos repetitivos de fato significam, mas ninguém é obrigado a encontrar uma resposta pra essa pergunta. A diversão é representar. "Este é um momento em que artistas funcionam como grifes. Jeff Koons é uma grife, Takashi Murakami é uma grife, mas ela antecipou tudo isso", observou Philip Larratt-Smith, curador da mostra ao lado de Frances Morris, à imprensa. "Ela tem um dom natural para a publicidade".

Seja como for, museus e galerias são hoje lugares muito menos opressores. E os adolescentes, as famílias com crianças e os curiosos em geral sabem bem disso e – com seus celulares em riste – respondem à altura da acolhida.

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