_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

A Copa como metáfora do novo Brasil

Aquele futebol único que apenas o Brasil sabia criar no gramado, que fez de Pelé o mais brilhante embaixador do país, está mudando, se globalizou e se uniformizou

Juan Arias

Deveria ter sido a Copa das Copas. Não está sendo nos estádios, porque o time brasileiro já não entusiasma o mundo como antes e nem sequer os de casa. O futebol já não se identifica com o país de Pelé, Garrincha e Neymar. Outros estão jogando igual ou melhor do que a família Scolari.

A situação que vive o futebol do Brasil pode ser ao mesmo tempo paradoxal e metáfora positiva de algo mais profundo que este país está vivendo.

É provável que o Brasil ganhe a Copa, mas ele já não é, como no inexorável passado, indiscutível. Outros também podem ganhá-la, ou melhor ele também pode ganhá-la. Virou normal.

Aquele futebol único que apenas o Brasil sabia criar e imaginar no gramado dos estádios do planeta que fez de Pelé o mais brilhante embaixador do país, está mudando, se globalizou e por isso mesmo se uniformizou.

É o que talvez tentem explicar os especialistas de futebol quando escrevem que nesta Copa tudo parece de cabeça para baixo, pura surpresa, com jogos que se esperavam soberbos, imperdíveis e que acabaram com “sabor de derrota”, como escreveu Zuenir Ventura, e outros pelos quais poucos apostavam que estão surpreendendo até os mais entendidos.

O futebol é o esporte mais volúvel e imprevisível que existe. Talvez por ele entusiasmar e excitar. Se costuma dizer que o futebol: é um jogo disputado por onze contra onze e no final ganha a Alemanha. E é o mais paradoxal. A jogada que talvez seja a mais famosa do futebol brasileiro foi protagonizada por Pelé nas semifinais da Copa de 1970, contra o Uruguai, com o drible sem tocar na bola que Sérgio Rodríguez eu seu livro “O Drible” qualifica como “o drible mais espetacular da história”. E aquele drible “sem gol” deu mais fama a Pelé que seus mil gols juntos.

Ele tem algum significado simbólico que diz respeito ao Brasil de hoje? Talvez sim. Apenas os que ainda resistem em aceitar que o Brasil está se transformando graças a uma complexa obrigação de sentar na mesa da modernidade, parecem incrédulos e deprimidos com o Brasil que já não é somente futebol ou que o futebol já não é o melhor dele. Da mesma forma que Pelé com seu drible sem gol, passou para a história, o Brasil sem aquele futebol do passado, com um toque de bola mais normal, que nos desespera, nos surpreende e desanima agora, poderá ser admirado um dia por outras proezas que não sejam futebolísticas.

Quantos não se desesperaram em 1970 quando aquele soberbo e criativo drible de Pelé acabou sem gol? Nesta Copa apesar da televisão multiplicar o fervor dos torcedores, o certo é que se trata do primeiro Mundial que não faz vibrar com uma só voz os brasileiros, porque este país já é democrático e plural, com muitas vozes, desobediente ao poder, capaz de pensar por sua própria conta porque começou a estudar mais e sabe analisar melhor a realidade, começando pela do próprio futebol.

Nesta manhã, Idaura, uma mulher que ia de bicicleta para o trabalho na cozinha de um hospital do Rio, se queixava que o ônibus não havia passado. Perguntei o motivo para ela e me respondeu: “Esta droga de Copa”, uma expressão inconcebível e até ontem irreverente na boca de uma trabalhadora brasileira e ao mesmo tempo, relacionada com este paradoxo que é o Brasil hoje, pode ser interpretada como libertadora.

É talvez o mesmo que expressa, de forma mais organizada e acadêmica, Roberta, diretora de marketing, na valiosa reportagem de Carla Jiménez neste mesmo diário enquanto sofria em um bar de São Paulo ao assistir o empate do Brasil com o México: “Tenho a sensação de que estamos vivendo um momento histórico, a história está acontecendo na nossa frente e não nos damos conta”.

Não estará chegando um Brasil mais moderno, mais inconformista e pragmático, aonde se continue sofrendo quando a equipe de coração joga mal, mas também aonde se possa chorar e lutar por outras causas mais próximas de nossa vida real, as vezes feliz e as vezes cruel?

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_