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A Copa dos prodígios

Começou a 20ª edição do Mundial de Futebol com uma extraordinária unanimidade: repúdio ao juiz que roubou ao nosso favor

Nunca antes: inédito, inaudito, insólito, incomum, inusitado, surpreendente, sem precedentes: depois de sete anos de apatia e um ano de revoltas, dissidências e fúria, começou a 20ª edição do Mundial de Futebol com uma extraordinária unanimidade: repúdio ao juiz que roubou a nosso favor.

No universo do esporte-rei onde a mão de Deus pode tudo, no país do jeitinho, do tapetão, da cervejinha e da formidável roubalheira, neste eldorado do vale-tudo, paraíso de exemplos nada exemplares, aquela corrente pra frente que em 1970 esqueceu a sangrenta ditadura, novamente endomingada, se levanta contra os malfeitos.

Sublime concordância: o pênalti no centroavante Fred não foi duvidoso -- foi rigorosamente inexistente. O mago da grande área, capaz de fazer gols até deitado, forçou a barra, cavou a infração. Não é novidade, manhas fazem parte da perfomance dos grandes astros, sobretudo nestas bandas. Mas o mito do placar indiscutível, venerado como divindade, justo, preciso -- padrão FIFA – pifou logo na festa da estréia. O resultado final teria que ser 2-1. Não faz diferença nos pontos para a classificação, mas importa muito quando um povo começa a se reencontrar com valores morais.

O papa é argentino, porém Deus continua brasileiro, por isso advertiu os torcedores do Brasil ao vacilar o infalível Neymar na hora de marcar a penalidade indevida: o tiro saiu fraco, dúbio, sem convicção, o goleiro Pletikosa quase desviou. Estamos a caminho de encontrar um novo esquema tático para vencer e convencer no gramado: jogar limpo.

O conceito que permeia as propostas do Bom Senso Futebol Clube tem a ver com uma nascente rejeição a trapaças. A pilantragem incrustada em tantas esferas da vida nacional oferece num segmento – o futebol -- nítidos sinais de decrepitude e fadiga. Graças às imposições e arrogâncias da FIFA articula-se um anti-fifismo globalizado capaz de acionar a dinâmica da decência que a paixão pela bola tem condições de tornar insuperável.

O viral que tomou conta da blogosfera com a memorável bronca do pai que casualmente descobriu ser seu filho aquele vândalo mascarado pode ser muito mais eficaz que todo sistema dissuasório montado pelas autoridades para enfrentar as manifestações. Ou mais emocionante do que a vibração cívica do hino nacional cantado a capela.

Nos grotões do Brasil profundo, torcedores que jamais ultrapassaram os limites municipais descobriram a existência de um lindo país chamado Croácia que no último século sobreviveu a três devastadoras guerras, independente há apenas 23 anos, ex-fascista, ex-comunista e hoje democrático, membro da comunidade européia e que, além disso, joga um excelente futebol.

Este inopinado fair play, fruto talvez da sofrida vitória da última quinta-feira, pode nos empurrar para progressos impensáveis. Prodígios do futebol: no Itaquerão, um Maracanãzo incruento, sem tragédia.

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