O ‘até logo’ de Ken Loach
O diretor britânico deixa aberta a possibilidade de mais filmagens depois de apresentar em Cannes o que disse ser seu último filme, ‘Jimmy’s hall’
Foi a primeira pergunta, como não podia deixar de ser. "Senhor Loach, há rumores de que esse vai ser seu último filme: é verdade?" “Eu disse isso em um momento de enorme pressão, com muito material ainda por rodar. Mas depois chegou o final.... De modo que vamos ver o Mundial de futebol e voltamos a falar disso depois”, foi a resposta do cineasta britânico. Foi um outro suposto adeus ao cinema que soa mais como um até breve. De modo que na apresentação do novo último filme de Ken Loach na manhã desta quinta-feira pôde-se ver em Cannes o que apresenta como opção para a sua segunda Palma de Ouro depois de Ventos da Liberdade: Jimmy’s hall.
Houve duas sequências de chicotadas na seção oficial deste ano. Uma proporcionada pelos integralistas islâmicos do Malí a uma jovem culpada de cantar em Timbuktu. A outra foi vista nesta quinta-feira, de responsabilidade da igreja católica, em outra mulher cujo pecado é parecido: dançar. Pelo menos, a segunda barbaridade não é atual, mas se refere ao início do século XX, onde está ambientado o novo filme de Loach.
O longa, inspirado em fatos reais, relata a história de Jimmy Gralton, um ativista irlandês que criou um grupo de baile, canto e intercâmbio de ideias em sua comunidade e se deparou com a feroz oposição da igreja. “Ou Jesus ou Jimmy”, solta em um momento do filme o padre que se esmera em evitar que esses “comunistas” sigam adiante com sua música e suas profanidades, embora ao mesmo tempo reconhece a paixão de seu inimigo. “Os religiosos que se opuseram ao Jimmy real eram muito dogmáticos, sustentavam que ele iria ao Infierno por escutar o jazz, música diabólica. Queríamos um antagonista mais sofisticado”, assegurou o diretor, acolhido por uma ovação na sala de imprensa.
“O filme é um tributo a todos os Jimmys que devem estar em comunidades de todo mundo que lutam por mudar as coisas e correm sérios perigos”; defendeu Paul Laverty, roteirista do cineasta britânico novamente. E Loach lembrou como a luta de Gralton continua sendo atual um século depois, embora em outros termos: “Hoje em dia, os inimigos seriam as grandes companhias que determinam cada aspecto de nossas vidas. Os poderosos buscam esconder seus segredos, como os divulgados por Chelsea Manning através do Wikileaks. Desafiar um sistema tão organizado é desafiar a Deus. Mas encontrar espaço para a disidência é a maior questão de nossos tempos”.
Laverty contou que se encontrou com a família de Gralton para saber mais sobre o personagem e também um senhor de 101 anos que viveu as experiências relatadas no filme e ainda lembra do dia em que o clube de baile foi derrubado. E outra destruição centrou parte da conversa: o adeus ao celuloide, que Loach resiste deixar. “Quando se corta as sequências dessa maneira é preciso considerar atenciosamente o que se faz. Pode tocar, sentir, é mais humano”, relatou o diretor. E explicou como, ao acabar a fita durante a rodagem, tiveram que recorrer à ajuda de estúdios e cineastas pelo mundo. Entre outros, respondeu Pixar, que também enviou vários desenhos como presente.
Ao terminar a coletiva de imprensa, enquanto Loach assinava autógrafos, gritaram: “Não deixe o cinema, não deixe!”. Vai ser preciso esperar o Mundial. Mas, depois de hoje, já parece menos provável.
Bem longe de deixar o cinema, por outro lado, está Xavier Dolan. O jovem canadense (25 anos), considerado como a criança mimada do festival de Cannes, volta à Croisette com Mommy, depois de anos de polêmicas. Quatro de seus cinco filmes passaram pelo festival, menos o penúltimo, Tom à a ferme, que foi para a Veneza. A razão, diz-se, foi o enfado do diretor com Cannes por não ser selecionado na competição oficial. Desta vez Dolan opta pela Palma de Ouro.
Adorado por seus fiéis e desprezado pelos que o consideram pretencioso, Dolan desperta paixões extremas. Em Mommy, rodado em uma inovadora tela vertical, o canadense volta a propor suas marcas: a importância da trilha sonora (“é a alma de um filme"), a forte aposta visual, a tentativa de ser original. Também volta a falar da relação entre uma mãe e um filho complexo, que já enfrentava em sua estreia, Eu matei a minha mãe. “O primeiro filme era autobiográfico. Neste caso não tem nada a ver com minha mãe, juro”, contou Dolan ante a insistência das perguntas. De passagem, o diretor regressou uma vez mais a seu filme favorito, Titanic, que citou entre risos e que assegura ter visto mais de trinta vezes.
“Não tenho medo pela minha idade, nem me acho limitado por isso. Também não acho que tenha um momento apropriado para começar a contar histórias. Não me sinto nem jovem nem velho, só tento narrar o que me importa”, defendeu Dolan. Suas palavras receberam o aplauso da sala. Definitivamente, o filho pródigo voltou.
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