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Limites ao roubo de funcionários no Vale do Silício

As empresas fizeram um pacto de forma ilegal para não roubar engenheiros A fim de evitar a fuga de trabalhadores são negociadas cláusulas nos contratos

Cristina Galindo
Um funcionário, entre os edifícios da sede da Apple na Califórnia.
Um funcionário, entre os edifícios da sede da Apple na Califórnia.ap

Oferecer trabalho a um engenheiro da Apple custou o cargo de uma funcionária da Google em 2007, quando o buscador crescia de forma brutal e precisava com urgência de cérebros informáticos. Foi despedida por violar um pacto secreto existente entre os grandes do Vale do Silício no qual se comprometiam a não roubar trabalhadores para evitar uma guerra de ofertas que disparasse os salários. Em 2010, o Departamento de Justiça norte-americana declarou esta prática ilegal e há poucas semanas as empresas aceitaram indenizar 64.000 funcionários que processaram as empresas por se sentirem prejudicados.

Para evitar o roubo de funcionários - caça furtiva, como é chamada por alguns - não é preciso ir tão longe. A maioria das empresas opta por estratégias menos controvertidas (e baratas) para contratar pessoas e/ou evitar que passem para a concorrência. Especialistas consultados esclarecem que uma empresa pode impor ou colocar uma cláusula com seu funcionário para tentar evitar que ele vá para a concorrência, mas não pode entrar em um acordo com outra empresa para evitar a transferência de funcionários. "O caso do Vale do Silício é muito especial", explica José Ramón Pin, professor do IESE. "A caça furtiva foi uma característica da época de maior auge das ponto com", acrescenta.

Pactos tácitos como o feito por Apple, Google e empresas como Inter, Pixar, LucasFilm ou Adobe, não são comuns. Esta aliança ficou conhecida em um controvertido correio eletrônico no qual Steve Jobs convidava Eric Schmidt a demitir uma funcionária da Google que tentava contratar um engenheiro da Apple. "Agradeceria que seu departamento de contratações parasse isto", pediu Jobs. Trata-se da primeira vez que um caso destas características é destapado e a esta escala. "Criaram uma espécie de cartel, parecido a quando vários rivais fazem um pacto de preços que são cobrados dos clientes", acrescenta Pin. Todos os especialistas consultados coincidem que este acordo do Vale do Silício é ilegal e imoral.

Existe pelo menos uma exceção nas quais este tipo de pacto é público: várias ligas profissionais nos Estados Unidos utilizam pisos salariais máximos para contratar jogadores e nivelar a competição. É o caso da NBA e da Liga Nacional de Futebol. Mas a transparência não costuma ser o habitual. Se algum acordo é realizado, trata-se de pactos mais ou menos encobertos. "Em alguns casos, são acordos informais ou até uma cultura de setor, como se difundir a ideia de que mudar de empresa é mal visto", conclui Pin.

Informática e farmacêutica estão entre os setores que mais contratam dos rivais. Os diretores podem conseguir melhoras salariais entre 10% e 30%

Em qualquer caso, recrutar empregados da concorrência a qualquer preço é, sem dúvida, legal. E tentar impedir o roubo de trabalhadores também é, mas dentro de certas condições. "Na Espanha, há cláusulas de não concorrência que podem ser incluídas em um contrato estabelecendo que, depois de terminada a relação de trabalho, o funcionário não pode trabalhar em uma empresa da concorrência até um máximo de dois anos", explica Bernardo Hernández Bataller, especialista em direito comunitário e membro do Conselho Econômico e Social Europeu, órgão consultivo da UE. A regulação está no Estatuto dos Trabalhadores, complementada com a Lei de Concorrência Desleal.

Na mesma linha, também existem as cláusulas de permanência, geralmente vinculadas à formação. "Se a empresa paga um mestrado ou qualquer outro tipo de formação para você, é lógico que exija uma permanência, mas na realidade o funcionário pode sair quando quiser sempre que assumir o custo que ocasionou à empresa", afirma o advogado August Torà, do escritório Jausas.

Um caso famoso: a contratação de 93 membros de uma mesma equipe As cláusulas de não concorrência são uma via para reter o plantel

O alcance da cláusula de não concorrência também é discutível. As empresas pagam um pequeno extra ao funcionário quando ele aceita este compromisso. Na prática, se este rompe sua promessa e vai para a concorrência, seu empregador anterior pode dificultar as coisas nos tribunais, onde geralmente eles podem ser obrigados a pagar 100% de seu salário enquanto durar o período de não concorrência, o que faz com que muitas empresas desistam porque não compensa. "Normalmente, estas cláusulas estão mal escritas", adverte Ignacio Bao, presidente de Signium International España, uma prestigiosa firma de contratação de diretores (headhunters).

O roubo existe. Um dos casos mais famosos de caça furtiva foi o protagonizado pelas auditoras Coopers & Lybrand (agora PwC) e Ernst & Young em 1995, quando a primeira foi processada por esta última por concorrência desleal na contratação de cinco sócios da divisão de consultoria. Também levaram outros quatro diretores e mais 84 funcionários, o que praticamente desmantelou o departamento. Um ano depois, a Coopers aceitou indenizar sua rival com uns cinco milhões de dólares para encerrar o caso.

É precisamente esse setor, o dos serviços profissionais (auditorias e advogados), um dos mais acostumados a pescar funcionários entre os rivais. “São serviços que estão muito associados ao profissional que os realiza, por isso se você conseguir contratar esse advogado ou auditor, por exemplo, será muito provável que a carteira de clientes dele acabe acompanhando", explica Carlos Alemany, sócio de Alemany & Partners, outro dos principais headhunters.

Em outros setores, como o farmacêutico ou o desenvolvimento de sistemas informáticos, busca-se acima de tudo a experiência. "São setores muito fechados, que se retroalimentam muito", acrescenta Alemany, que defende as virtudes de contratar pessoa procedentes de outros setores para trazer novos ares à empresa. O risco potencial mais alto deste tipo de recrutamento é supor um crescimento dos custos trabalhistas. Na maioria dos casos, para atraí-los, são oferecidas melhorias salariais que contemplam aumentos entre 10% e 30%, segundo o posto e o tempo que levem nesse trabalho.

Um estudo da Watson Wyatt realizado para um cliente do setor sanitário nos EUA mostrou que o leque salarial havia subido sobretudo pela contratação de funcionários da concorrência. "A questão não é se se deve contratar alguém da concorrência ou não, mas trazer ao cliente o candidato que enriqueceu o concorrente dele", opina Carlos Alemany. "Os mais audazes assumem riscos com pessoas que, embora sejam de outro setor, podem trazer resultados", acrescenta.

Enquanto o setor bancário espanhol é, segundo os especialistas consultados, um dos mais conservadores ("existe um grande vínculo entre o funcionário e a entidade", dizem), os bancos europeus protagonizaram recentemente uma das caças furtivas de funcionários mais abertas. "Entre 2005 e 2010, se desatou uma luta nunca vista", explica o italiano Edgardo Iozia, da UNI Finance, sindicato bancário que representa três milhões de funcionários no mundo. Era sobretudo uma luta pelos clientes, dada a estreita relação que havia entre eles e o diretor. "Uma mesma pessoa mudava de emprego até três vezes em um ano", lembra. Cansados de ver como os salários disparavam, os bancos da Itália ou da França, sobretudo, decidiram aumentar o uso da cláusula de não concorrência.

Nem sempre a solução é o dinheiro. Os caça-talentos afirmam que a melhor forma de manter um funcionário é motivá-lo e oferecer um projeto de futuro. "Fechar a porta de saída não pode ser a única forma de reter um profissional", diz Bao.

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