Os EUA dificultam a reforma do FMI
O organismo adverte que o novo bloqueio norte-americano ao reequilíbrio de poderes entre países coloca os recursos para futuras crises em perigo

O defensor das reformas não é capaz de realizar a sua. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o organismo que pede reformas a praticamente todos os países e critica a lentidão de alguns estados por não adotar o que foi sugerido, leva três anos enredado e bloqueado com sua própria transformação. As reuniões de primavera do organismo se realizam nesta semana com um novo fracasso. O Congresso dos EUA, o país com mais poder no Fundo e o único com capacidade de veto, acabava de recusar o projeto impulsionado em 2010, para reforçar os recursos da instituição e aumentar a participação dos países emergentes de acordo com seu maior peso na economia global.
Com a reforma, a China se converte no terceiro maior membro do FMI e outros três mais, Brasil, Índia e Rússia incorporam-se aos 10 primeiros, mas a mudança requer o apoio de 85% dos votos e os EUA, com 16,7%, tem a reforma congelada. “São compromissos importantes de todos os membros alcançados em 2010 e que deviam ser levados a cabo em 2012. Estamos em 2014 e ainda não ocorreu”, lamentou a diretora Christine Lagarde. “Importa para a credibilidade da instituição e para o tamanho da instituição”, acrescentou.
As cotas do FMI são as contribuições feitas por cada país, e equivaleriam às ações de uma empresa e seus correspondentes direitos de voto. São calculadas pelo peso econômico fundamentalmente, corrigido por graus de abertura dessa economia e suas reservas internacionais, entre outros fatores. O Fundo calcula as contribuições com um tipo de divisa própria, os Direitos Especiais de Giro (DEG) e, com a reforma, as cotas se duplicarão.
Os EUA são os que têm a maior cota, ao contribuir o equivalente a 65 bilhões de dólares à mudança atual e, portanto, possui maior número de votos (16,7%), enquanto o país menos influente dos sócios deste organismo é o pequeno Estado de Tuvalu, uma ilha na Polinésia, que contribui com uns 2,78 milhões de dólares.
Depois dos EUA vem o Japão, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Com a partilha proposta, os norte-americanos mal veriam seu poder variar, uns décimos, até 16,4%, e conservariam seu poder de veto; o Japão manteria seu segundo lugar e a China se colocaria no terceiro ao experimentar o ganho de 2,4%. Arábia Saudita, Bélgica e Alemanha sofrem o maior retrocesso (ver gráfico).
Com o apoio a mais de 140 países, somente resta ao FMI superar a armadilha norte-americana, mais vinculada aos problemas da política doméstica que à nova partilha de cotas em si, já que não há uma perda de poder.
As críticas aos EUA se acirraram nesta semana. O responsável pelo Tesouro australiano, Joe Hockey, foi duro e advertiu que “o fracasso na hora de concluir este assunto reduz o prestígio da América no mundo”. O governador do Banco Central da China, Yi Gang, assinalou que este novo fracasso “é uma ameaça para a legitimidade do FMI e cria incerteza sobre o futuro dos recursos”.
O Congresso norte-americano derrubou duas vezes a proposta da Administração de Barack Obama para aumentar os fundos para o FMI. Os senadores democratas, com maioria no Senado norte-americano, recusaram finalmente incluir este capítulo no pacote de ajudas à Ucrânia aprovado no mês passado.
O secretário do Tesouro, Jack Lew, se comprometeu a “continuar trabalhando ativamente com o Congresso para impulsionar a legislação definitiva neste ano”. Mas a paciência após três anos e meio se esgota. O G-20 optou na sexta-feira pelo ultimato, depois de sua reunião em Washington, e advertiu: “Se as reformas de 2010 não se ratificam até o final do ano, pediremos ao FMI que apresente opções para os próximos passos e trabalharemos com o IMFC (o principal órgão de governo do Fundo) para colocar uma discussão sobre essas opções na agenda”.
Algumas dessas alternativas consistiriam em separar as duas grandes patas dessa reforma, o reforço dos fundos e a redistribuição das cotas, para que esta última pudesse ser feita sem necessidade da aprovação dos parlamentos nacionais e, portanto, evitando o obstáculo da política norte-americana, segundo explicam fontes cientes do processo.
Lagarde não gosta da via alternativa e opta pelo caminho estabelecido. “Espero que possamos esgotar todas as oportunidades do plano B e não acho que devemos optar por um plano B até que tenhamos a certeza e a decepção de que o plano A está morto definitivamente”. E deixou assim muito claro que é o último recurso.