PLEITO SALVADORENHO

El Salvador, inquietude diante do apertado resultado eleitoral

O partido direitista Arena denuncia “fraude” na contagem do Tribunal Eleitoral. Com o 99% dos votos apurados, o partido dirigente, o esquerdista FMLN superou seu rival por um décimo

Salvador Sánchez Cerén vota neste domingo.REUTERS

O apertado resultado eleitoral deste domingo nas eleições presidenciais elevou a tensão em El Salvador. O partido direitista Arena, que perdeu em 2009 sua prevalência tradicional do poder, denunciou em um tom agressivo uma “fraude” na contagem de votos. Com 99% dos votos apurados, o partido dirigente, o esquerdista FMLN, supera por um décimo a Arena: 50,1% contra 49,9%. Às onze da noite, duas horas após o candidato da direita, Norman Quijano, jogar a sombra da fraude sobre as eleições, o Tribunal Eleitoral anunciou que a tendência aponta de uma maneira “clara” a vitória da Frente, embora, acrescentou, que não poderá ser declarado um ganhador oficial até que se complete a contagem final, que começará nesta segunda-feira e terminará, no mais tardar, na quarta-feira.

A reação de Arena foi dura. Perto das 21h, Quijano, de 67 anos, fez um discurso a seus seguidores desautorizando a autoridade eleitoral. “Não há tribunal que valha que nos possa arrebatar esta vitória”, disse. Suas palavras foram subindo de tom durante o comparecimento do público: “Não vamos permitir fraudes ao estilo chavista como na Venezuela, aqui estamos em El Salvador”, declarou o candidato da Arena, que afirmou que o Tribunal Eleitoral está “vendido à ditadura chavista”.

Quijano, entre os aplausos de seus partidários, levou sua escalada verbal até o ponto de dizer que Arena e seus seguidores estão “decididos a defender a vitória se preciso com nossas vidas”, e advertiu de que o Exército “participa desta fraude”.

Com intenção de esclarecer as dúvidas, o presidente do Tribunal Eleitoral, Eugenio Chica, detalhou em sua intervenção das 23h os resultados provisórios. A FMLN obteve 1.492.895 votos. A Arena, 1.486.448. A diferença foi exígua: 6.357 votos de diferença. O magistrado afirmou que ainda faltavam contar 10 atas eleitorais, mas não há uma quantidade que possa reverter a tendência da vitória do FMLN. Chica reiterou que não terá ganhador oficial até a contagem definitiva, e qualificou o processo eleitoral de “transparente, robusto e legítimo”.

O candidato do Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional, o ex-comandante guerrilheiro Salvador Sánchez Cerén, de 69 anos, foi a última figura chave a comparecer, perto das 23h15. Sánchez Cerén, vice-presidente durante o governo do atual presidente, Mauricio Funes, disse que a tendência “já não se modificará” e que deve ser “respeitado a vontade do povo salvadorenho”. O candidato do FMLN, um homem parco, pouco expressivo, sorria, mas mostrava cansaço, sobretudo no tom de voz. Sánchez Cerén reivindicou seu triunfo e criticou Norman Quijano implicitamente por seu discurso anterior: “Quero dizer àqueles que incitam a violência que se equivocam de caminho: este povo já decidiu continuar pela rota da mudança, já não para este povo, já não para. E entendemos a mensagem do povo, que temos que buscar o entendimento com todos os setores, porque juntos, governo, empresários e povo vamos fazer as grandes transformações que El Salvador precisa”.

Para além da beligerante reação da Arena, este resultado provisório foi uma surpresa inesperada. As pesquisas previam que a Frente conseguiria ao menos uns 10% a mais de votos que a Arena. No dia 2 de fevereiro, no primeiro turno, no qual se apresentaram cinco partidos, a Frente tinha 49% dos votos e o partido da direita, 39%. Com base nesse precedente e de acordo com as sondagens, tudo fazia indicar que a esquerda conseguiria seu segundo mandato consecutivo com folga. Neste domingo o voto dos salvadorenhos desmontou as previsões, e até que se finalize a contagem não se confirmará oficialmente a vitória da FMLN.

Um país dividido entre dois partidos

A FMLN ganhou suas primeiras eleições em 2009 e tenta obter seu segundo mandato presidencial, o que garantiria a volta à esquerda de El Salvador. A direita, que perdeu sua prevalência tradicional, tenta retornar ao poder.

A Frente foi a guerrilha marxista que combateu na guerra civil dos anos oitenta contra os setores ultraconservadores da elite política, militar e empresarial. Depois dos Acordos de Paz de 1992 se converteu em partido político, mas as três primeiras eleições após a guerra foram vencidas pela Arena.

A esquerda chegou ao poder há cinco anos com a vitória de Mauricio Funes. Desde então a FMLN apostou nas políticas sociais. Seu plano mais significativo foi dar uniformes, itens escolares e copos de leite às crianças de famílias pobres para alimentá-los e para que suas famílias não as tirem da escola.

Dos 6.200.000 habitantes de El Salvador, 34,5% vivem na pobreza. Nesta sociedade marcada desde suas origens pela desigualdade entre as minorias poderosas e uma massa sem recursos nem educação, o lema da Frente foi combater a desigualdade socioeconômica. Essa política social se notou entre as classes pobres e a Frente chegou a estas eleições confiando no apoio popular, embora o desenvolvimento macroeconômico do país durante seu governo foi limitado: em 2013 seu crescimento foi de 1,7%, o terceiro menor da América Latina.

A Arena se apresentou como a opção natural para impulsionar o mercado, mas se cuidou de prometer que também fará políticas sociais. Lentamente, a direita foi assumindo que deve ser regenerado se não quer se afundar, e ainda dentro de seu esquema neoliberal e ultrarreligioso, foi enfatizando o discurso.

Isso Quijano fez no campo econômico e também relativo à insegurança: dado que a Frente apoiou uma trégua entre quadrilhas, que atenuou a epidemia de homicídio, o candidato da Arena começou sua campanha anunciando que enfrentaria as gangues com mão de ferro, mas depois foi mudando para uma proposta de prevenção social do delito.

Duas décadas após o final da guerra, El Salvador continua sendo uma sociedade polarizada entre a esquerda e a direita, mas a trajetória de ambos os grupos, a da Frente, uma esquerda já institucionalizada, e a da Arena, com um pé no passado e outro que se aproxima da centro-direita, abrem a esperança de que a reconciliação nacional do país se concretize logo em um palco político de diálogo, em uma domesticação democrática de seus impulsos de confrontação.

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