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Rio, samba, suor e frenesi

A previsão meteorológica anuncia pancadas de chuva dispersas e os termômetros registram máximas de 40 graus em vários pontos

Rio de Janeiro -
O rei momo recebe as chaves do Rio.
O rei momo recebe as chaves do Rio. Antonio Lacerda (EFE)

A previsão meteorológica anuncia pancadas de chuva dispersas e suaves durante os dias de Carnaval, o que, ao contrário do que se poderia imaginar, é uma notícia fantástica para os milhões de pessoas que sairão às ruas do Rio para se contorcerem ao som do samba e das velhas marchinhas que se repetem como um mantra durante todo o festejo. Os termômetros registram máximas de 40 graus em vários pontos da cidade, e o sol que anuncia a reta final da canícula fustiga inclemente uma multidão, regada a álcool e com pouca roupa, que se junta em redemoinhos ao redor das batucadas.

Neste ano as novidades são poucas, pois a realização da Copa do Mundo, a partir do próximo mês de junho, já significa uma atração por si só. A cidade está tomada pelos meios de comunicação de todo o planeta, ávidos por mostrarem a idiossincrasia de um país que promete realizar a “Copa das Copas”.

A avenida Marquês de Sapucaí, onde fica o popular sambódromo, desenhado há 30 anos pelo falecido arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, será mais uma vez o cenário de um dos mais emocionantes espetáculos televisivos do planeta. Ao longo dos seus 700 metros de comprimento desfilarão durante as noites de domingo e segunda-feira as doze escolas de samba que competem no chamado Grupo Especial (a “primeira divisão” do Carnaval), em um novo esbanjamento de alegria, ritmo e dinheiro (os estratosféricos orçamentos de uma escola de samba podem superar os 18 milhões de reais). As escolas que fazem parte dessa espécie de aristocracia do Carnaval (Estação Primeira de Mangueira, Unidos de Vila Isabel, Império da Tijuca, Portela e Salgueiro, entre outras) levam para o asfalto da avenida formações que oscilam entre 2.500 e 5.000 componentes. Guiados por baterias com um mínimo de 300 percussionistas, os integrantes têm a ordem expressa de darem o sangue durante os 82 minutos que cada desfile deve durar. A escola que infringe esse limite de tempo é penalizada.

O obscuro mundo das escolas de samba não esteve isento de polêmicas nas últimas décadas, e sobre ele recai tradicionalmente uma sombra de dúvida a respeito das suas formas de financiamento. Não são poucos os presidentes dessas agremiações que foram vítimas de ajustes de contas ou que acabaram nas capas dos jornais sob graves acusações de envolvimento com negócios turvos, como o narcotráfico e as redes clandestinas do jogo do bicho.

Seja como for, o trigésimo aniversário do sambódromo está sendo celebrado em grande estilo no Rio. As autoridades cariocas estão cientes de que o desfile das escolas projeta uma imagem espetacular da cidade, dando a volta ao mundo com transmissões ao vivo ou gravadas em mais de 150 canais de televisão. O investimento é enorme, mas os benefícios gerados são provavelmente maiores.

“Por aqui passaram muitas histórias, muitas alegrias, muitos acidentes, que também fazem parte do maior espetáculo do planeta, mas certamente também aconteceu muita aprendizagem, já que muitas pessoas que não têm acesso à cultura acabam tendo através do Carnaval”, explica, na avenida, Wilson Neto, coroado como Rei Momo carioca 2014.

Wilson se refere, em certa forma, às 2.500 pessoas que trabalham em tempo integral na Cidade do Samba para construir os carros alegóricos e as fantasias que desfilarão pelo sambódromo. O Carnaval é um negócio em si mesmo, que dá formação e emprego a muita gente humilde e que tem suas próprias leis de oferta e demanda. Por exemplo, quem quiser arrumar ingressos de última hora para o desfile das escolas tem de pagar quantias obscenas no mercado negro.

Até a próxima Quarta-Feira de Cinzas, 492 blocos estão autorizados a desfilarem nas ruas do Rio. Essas charangas conseguem arrastar autênticas marés humanas, como é o caso do tradicional Cordão do Bola Preta, que está acostumado a reunir a mais de 1,5 milhão de pessoas no centro da cidade. Este é o Carnaval de quem não tem interesse ou dinheiro para se deleitar com os ouropéis do sambódromo; um carnaval plebeu e de rua, desterrado durante décadas da agenda oficial e dos guias de turismo, mas que veio ganhando mais protagonismo até se tornar o verdadeiro leitmotiv de quem vem para o Rio querendo esquecer suas agruras.

Neste ano, uma conhecida marca de preservativos decidiu redobrar a aposta no que já é por si só uma das festas mais libertinas do planeta, instalando uma cápsula flutuante em que os casais poderão dar rédea solta ao seu ardor carnal sobre milhares de almas embaladas por samba, suor e frenesi.

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