Renzi, as garras da ambição
O prefeito de Florença arquitetou uma perigosa estratégia para conseguir o poder depois de encurralar um presidente de Governo já desgastado
Não precisa ir muito longe. Há apenas 15 dias, a distribuição de papéis parecia perfeita. Enrico Letta, um homem sério e tedioso, mais europeu que italiano, dava um verniz de estabilidade ao Governo enquanto seu alter ego, Matteo Renzi, corajoso e brilhante, tão politicamente italiano que às vezes lembra a um tal Berlusconi, treinava-se em Roma entrando na boca do jacaré e arranhando um acordo eleitoral.
Se se desse bem na perigosa estratégia —e tinha cara de que ia pelo bom caminho—, o futuro estava escrito. Em uns meses, Letta cumpriria seu sonho de ostentar a presidência da vez da União Europeia —no segundo semestre de 2014— e Itália estaria disposta a ir a eleições com uma nova lei eleitoral, um Senado dividido para evitar a ingovernabilidade, Silvio Berlusconi inabilitado, a centro-direita em conflito e o Partido Democrático (PD) presumindo de seu novo líder, Matteo Renzi, de 39 anos, recém chegado em trem de alta velocidade de Florença para dirigir uma nova Itália.
Parecia tão bom que não podia ser verdade. Sem um momento de inflexão especifico, o ambicioso Renzi — “é preciso ter uma ambição desmesurada, de mim até o último inscrito no PD”, reconheceu nesta quinta-feira— começou a sentir alguns receios.
E se, por esperar, o destino se truncava? Não só tinha conseguido colocar de escanteio os velhos dirigentes do PD —Pier Luigi Bersani, Massimo D’Alema, Gianni Cuperlo—, como também acabava de perpetrar com sucesso o sacrilégio de convidar Silvio Berlusconi para um café na sede do PD.Berlusconi, a propósito, esteve acompanhado de Gianni Letta, seu homem de confiança e, também, tio do até agora primeiro-ministro.
Ele vendeu seu triunfo com uma frase redonda: “Quero pactuar as reformas com Berlusconi para não ter que governar com Berlusconi”. Desse jeito, embriagado de sucesso, Renzi foi tornando cada vez mais diretas suas críticas a Letta. Já não se tratava de irônicos, embora não menos dolorosos, comentários, senão de críticas explícitas à totalidade: “Este governo não funciona. O país não pode esperar…”.
Ao coro da impaciência, além dos sindicatos e os empresários, se uniram também alguns dos colaboradores de Letta que viram mais rentável a médio e longo prazo se aproximar de Renzi.
O desenlace não precisa ser contado. No final da última semana, Letta cheirava já a político queimado. A pressão de Renzi sobre Letta, que situa de novo a Itália no precipício da instabilidade justo quando se vislumbra a recuperação econômica, se tornou asfixiante e ambos subiram ao palácio do Quirinal para uma consulta com o Presidente da República Giorgio Napolitano.
Pelo que parece, o velho estadista, arquiteto da queda de Berlusconi e das nomeações de Mario Monti e Enrico Letta, decidiu nesta ocasião lavar suas mãos. Deixou o peso da responsabilidade na direção do PD para que resolvesse suas disputas familiares, deixando claro, isso sim, que dos três possíveis caminhos -reforma do Governo, troca de Renzi por Letta ou eleições antecipadas--, o último era "um disparate", já que na atual lei eleitoral é anticonstitucional e, além disso, não garantiria um vencedor claro. Assim que, apenas 10 meses depois, o espetáculo volta a começar.
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