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Tiroteio em favela no Rio traz mais dúvidas sobre o processo de pacificação

Apesar da queda da violência, a estratégia de pacificação em comunidades antes controladas por grupos criminosos começa a apresentar sinais de desgaste

Elizabeth Gomes, mulher do pedreiro desaparecido Amarildo de Souza, em protesto na UPP da Rocinha. / Fernando Frazão - Agência Brasil
Elizabeth Gomes, mulher do pedreiro desaparecido Amarildo de Souza, em protesto na UPP da Rocinha. / Fernando Frazão - Agência Brasil

Apesar da drástica queda dos índices de violência nas favelas do Rio de Janeiro que se beneficiam das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a estratégia de pacificação em comunidades antes controladas por grupos criminosos começa a apresentar sinais de desgaste. São várias as favelas onde as unidades pacificadoras estão submetidas a um alto grau de hostilidade por parte da população local, como Rocinha, onde o desaparecimento, em julho desse ano, do auxiliar de pedreiro Amarildo de Souza gerou uma situação de tensão que evoca os tempos em que reinava a lei das pistolas.

Durante as últimas semanas, os tiroteios na favela cravada entre alguns dos bairros mais cobiçados do Rio (Leblon, São Conrado e Gávea) não deram trégua aos vizinhos. Na Rocinha, cuja população local calcula-se em mais de 70.000 habitantes, é travada uma guerra de baixa intensidade, embora não menos preocupante, entre dois grupos de traficantes que disputam a venda de drogas e polícias militares. Segundo informações da própria polícia, atuam na comunidade 90 traficantes que controlam cem pontos de venda de drogas. O comércio de entorpecentes gera mensalmente cerca de seis milhões de reais (2,5 milhões de dólares). Em teoria, a Rocinha deveria viver em paz desde a implantação em setembro de 2012 da Unidade de Polícia Pacificadora, que tem como um de seus objetivos principais evitar que a violência do tráfico volte a se estender pelo território.

“Por mais que se diga que certas favelas estão pacificadas, não é assim. Um local onde muita gente tem estado envolvida no tráfico, seja direta ou indiretamente, não pode abandonar este meio de vida da noite para o dia. E não há de se esquecer que o objetivo da pacificação não é acabar com o tráfico, mas sim com a violência que a venda de drogas vinha gerando nas favelas do Rio”, admite uma fonte da Secretaria de Segurança Pública do Governo de Rio.

Aos frequentes depoimentos de vizinhos da Rocinha que denunciam abusos de autoridade e agressões por parte dos agentes pacificadores, se somou, em julho deste ano, ao desaparecimento de Amarildo de Souza, o ajudante de pedreiro local, convertido no ícone dos protestos contra a violência policial no Rio. Amarildo foi detido por um grupo de agentes pacificadores e nunca mais se soube de seu paradeiro. Com o tempo, as investigações foram revelando que, quase com toda segurança, Amarildo foi torturado até a morte na base de operações da UPP, algo que desencadeou uma onda de indignação social e a detenção de vários polícias, entre eles o major Edson Santos, comandante do batalhão. “Isso explica, em boa medida, a situação na qual nos encontramos agora. Tanta pressão midiática e social contra a UPP no levou a um período em que se nota uma queda na atuação dos agentes para acalmar os ânimos da população. E este é o espaço que justamente estavam esperando os bandidos para voltar às velhas formas. Se quer recuperar o terreno perdido, agora a polícia não tem outra alternativa além de voltar a entrar na comunidade com dureza”, opina um vizinho de Roupa Suja, uma zona da Rocinha com menor presença policial, que pede o anonimato.

Os tiroteios são diários na Rocinha, embora às vezes não se saiba com total segurança, se os protagonistas são as duas facções que se disputam a zona mais alta da favela, ou se são os agentes da Polícia Militar que se enfrentam corpo a corpo os traficantes nos estreitos becos da comunidade. Os choques às vezes duram horas, provocando feridos de bala e criando cenas de pavor que, há anos,  não se viviam na favela. A UPP de Rocinha conta com 700 efetivos para patrulhar um território de mais de 887.000 metros quadrados. Sob uma forte pressão local, 70 agentes solicitaram sua saída da Unidade. A situação foi aumentado a voltagem até o ponto em que policiais de elite do Batalhão de Choque já estão em incursões nas áreas em conflito.

“O modelo das UPP, tal e como o conhecemos, está esgotado. O efeito positivo dos primeiros anos já foi diluído e chegou a hora de tomar novas decisões que impeça uma volta atrás nas conquistas realizadas”, comenta o sociólogo especialista em violência, Ignacio Cano. Não são poucos os entendidos no assunto que alertam, há anos, sobre a dificuldade de pacificar uma favela como a Rocinha, cuja extensão requer enormes esforços e meios para manter o controle do território. Não obstante, esta comunidade é o espelho de tantas outras menos visíveis, como as favelas que integram o Complexo do Alemão, na zona norte, onde a estratégia de pacificação também apresenta preocupantes lacunas.

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