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Bazar das Poderosas, sob medida para as mulheres trans

Mulheres em situação de vulnerabilidade poderão trabalhar ou “fazer compras” em iniciativa criada por grupo de amigos

Pamela batista no CRD.
Pamela batista no CRD.Fernando Cavalcante
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É uma manhã, quase tarde, de junho de 2016 e faz frio em São Paulo. Pessoas se aglomeram na porta de um estabelecimento, mas a entrada é organizada por grupos de poucas pessoas para evitar tumultos durante as compras. O público é formado, em sua maioria, por mulheres trans, e seus companheiros. Diferentemente de outras lojas, nesta os clientes ganham dinheiro antes de começar a escolher as peças. Mas o dinheiro distribuído não é o real. É outra moeda, chamada “poder”, que tem validade apenas dentro daquelas paredes. Ao invés de animais ou personagens históricos, a cédulas de poder têm figuras como Nany People, Laerte Coutinho e João Nery, nomes que compõem a história LGBT brasileira.

Essa loja incomum, que só abre uma vez por ano, é o “Bazar das Poderosas”, idealizado pela jornalista e empreendedora Cinthia Gomes. A vontade de criar o bazar surgiu enquanto ela conversava com Rafaela, uma mulher trans que lhe parou na rua para pedir dinheiro. Acabaram conversando e a situação de sua interlocutora lhe despertou solidariedade. Se a pobreza já é cruel, para alguém que nada contra o senso comum na questão de gênero é pior ainda. “Quando Rafaela me contou sua história de vida, percebi que as dificuldades pelas quais ela estava passando eram o resultado de vários processos de exclusão que se originavam na não aceitação dela como ela era. E que isso era comum entre pessoas transexuais”, lembra Cinthia.

Ela teve então a ideia de montar,  no ano passado, um espaço para doação de roupas que pudesse ajudar pessoas como Rafaela, travestis e transexuais, mas que tivesse também um 'algo mais' para contribuir com mais dignidade com o seu público. Assim nasceu a moeda “Poder” . Estava perto de fazer aniversário. A jornalista conta que então decidiu pedir para os amigos que ao invés de dar presentes pessoais, fizessem doações de roupas, calçados, maquiagens e bijuterias para essas mulheres.

Cinthia Gomes, a idealizadora do Bazar das Poderosas.
Cinthia Gomes, a idealizadora do Bazar das Poderosas.Fernando Cavalcante

Cinthia conseguiu instalar, em julho de 2016, o Bazar das Poderosas no Centro de Referência da Diversidade, um órgão municipal de acolhimento à população LGBT que trabalha no centro da capital paulista. Araras improvisadas feitas com canos de plástico e muitas pilhas de roupas espalhadas ficaram à vista no local. As mulheres escolhiam as peças como amigas adolescentes, sempre inquirindo umas às outras se o modelito cairia bem.

Nas prateleiras, as maquiagens foram os primeiros itens a desaparecer e os calçados, de todos os tipos, também. Depois das compras, as clientes ainda puderam usufruir de uma oficina de turbantes. A clientela que compareceu tinha, em grande parte das vezes, um perfil parecido com o de Rafaela, a mulher que a inspirou. São pessoas trans em situação de rua e vulnerabilidade social que se prostituem ou se prostituíram em algum momento da vida.

Pamela Batista, 29 anos, foi uma das participantes do Bazar, em 2016, e já está ansiosa pela edição deste ano. Para ela, a iniciativa lhe deu uma lufada de autoestima, num momento onde as ruas eram seu lar. Ela começou a se prostituir aos 9 anos, quando fugiu de casa porque seus pais não conseguiam entender que ela era uma mulher que havia nascido no corpo de um homem e carrega marcas até hoje. “A prostituição tanto afeta a gente física como psicologicamente, e o meu corpo foi cansando”. Segundo números da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) 90% das mulheres trans e travestis no Brasil se prostituem.

Pamela saiu da prostituição em 2012, quando se casou e atualmente mora de aluguel com o marido e consegue sobreviver graças ao emprego dele como sushiman. “Essa política nada ajuda a gente com a questão do trabalho, hoje meu marido está trabalhando, amanhã eu já não sei”. Apesar disso, ela continua confiante que algum dia encontrará uma vaga no mercado formal.

Para ajudar pessoas como Pamela, neste ano o Bazar, que também acontece em julho, contará com uma novidade: ao invés de voluntários atenderem aos clientes, algumas pessoas que participam de atividades promovidas pelo CRD serão indicados pelo órgão para trabalhar na loja, durante o dia da realização do evento. “Acredito que elas vão levar algo mais importante que dinheiro: uma experiência que pode mostrar a elas que há alternativas e caminhos para tentar percorrer e transformar suas próprias vidas”, diz Cinthia sobre o emprego temporário.

Além do treinamento que as pessoas trans beneficiadas vão receber, também será realizado um debate aberto sobre a inserção da população trans no mercado de trabalho.

Assim como Pamela, Daniela de Castro também deseja um emprego. Para isso, ela pretende terminar o ensino médio. Ela acredita que para conseguir uma colocação no mercado o próximo passo será entrar na faculdade. “Acho que talvez assistente social, não sei. Podendo ajudar o próximo pra mim seria ideal”.

Bazar das Poderosas

Quando: 29 de Julho.

Onde: Centro de Referência da Diversidade. Rua Major Sertório, 292, República.

Como ajudar: Doações de roupas, calçados e acessórios ou doações em dinheiro na conta:

Cinthia Maria do Carmo Gomes
CPF: 094.029.927-58
Banco Bradesco
Agência: 7882-4
Conta corrente: 0003462-2

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