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Outra cidade é possível

Urbanistas oferecem receitas para construir metrópoles habitáveis que sejam capitais de oportunidade

Cidade do México
Cidade do MéxicoYann Arthus-Bertrand (Getty)

Quanto pode crescer racionalmente uma cidade em tamanho e em habitantes? Do que depende? Como abordar a segurança sem romper o tecido da cidade com urbanizações? Qual papel os carros terão nas cidades nas próxima década? Como abordar o turismo para evitar a ruína das cidades quando seus moradores já não conseguem viver nelas? O arquiteto britânico Norman Foster, ganhador do Prêmio Pritzker de 1999; seu colega chileno Alejandro Aravena, também premiado com o Nobel da Arquitetura em 2016; Janette Sadik-Khan, uma autoridade em transporte e desenvolvimento urbano, e Nicholas Negroponte, cofundador do MIT Media Lab, respondem por e-mail a um questionário sobre o futuro das cidades.

O tamanho da cidade

Norman Foster. É difícil colocar um limite máxima de tamanho para uma megacidade. A maior, Tóquio, com uma população que supera os 38 milhões de habitantes, proporciona boa qualidade de vida e é uma das regiões mais prósperas do mundo. Há dois aspectos fundamentais que determinam o sucesso de uma cidade: um investimento adequado e contínuo em infraestruturas como transporte público e outros serviços para se adaptar ao ritmo de crescimento da população, e o desenvolvimento de uma planta compacta e densa, com bairros de uso misto que favoreçam a vida urbana.

Alejandro Aravena. As cidades, mais do que acumulações de casas, são concentrações de oportunidades de trabalho, de educação, de saúde e de lazer. Deveria se garantir que houvesse cada um desses elementos em vez de apontar para a separação e segregação funcional, para o zoneamento. Uma cidade entendida como concentração de oportunidades nos leva a medir a cidade não pelo tamanho ou pela população, mas pelo tempo empregado para fazer o que precisamos e queremos fazer nela. Uma pessoa não deveria gastar mais de 45 minutos para ir de um lugar a outro. Se há sistemas de transporte eficientes, se pode crescer; se há bairros com multiplicidade de funções integradas, a cidade pode ser comprimida. Se gastamos tempo demais, os técnicos e autoridades devem tomar medidas (restringir crescimento, criar novos centros, eliminar zoneamentos ou investir no transporte público de alto padrão) para que se recupere o sentido que nos fez vir primeiramente para as cidades, que é ter melhor qualidade de vida.

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Nicholas Negroponte. Não acho que exista um limite de tamanho. Supondo que uma megacidade do futuro possa ter um limite nítido – sem zonas residenciais nem subúrbios como anéis exteriores, aproximando-se assintoticamente do rural – deveria, em teoria, poder abrigar 100 milhões de pessoas. A partir daí, a razão para não crescer mais seria a distância entre elas. Poderiam estar perto demais.

Janette Sadik-Khan. Não poderemos eliminar o congestionamento na base de construções. Se duplicarmos a largura das nossas ruas, duplicaremos o congestionamento. Cidades grandes e pequenas já provaram isso durante 100 anos, e tudo que conseguiram é mais tempo perdido em deslocamentos e maiores distâncias de condução, assim como mais mortos em acidentes de trânsito. Precisamos utilizar com mais inteligência nossos bens imóveis mais valiosos: as ruas. As áreas de pedestres, as ciclovias... são investimentos fundamentais que nossas cidades precisam para melhorar a mobilidade, proporcionar acesso ao trabalho e oportunidades de emprego e salvar vidas. As cidades não podem se permitir a relegar ao acostamento aqueles que não dirigem um carro. À medida que cidades como Nova York e Madri crescem e se tornam mais densas e interconectadas, a única forma de avançar é construir ruas que sirvam para todos.

Segurança e sociedade

N. F. Há muitas formas sutis de fazer com que um lugar se torne mais seguro que não representam a criação de um limite rígido. Por exemplo, os bairros de uso misto fomentam um âmbito público ativo, criando uma situação na qual sempre há “olhos na rua”, o que torna muito menos atrativo para as atividades antissociais. Até o Anel de Aço da City londrina, incentivado por segurança, foi benéfico para quem trabalha no coração financeiro da capital. Encontrou certa resistência inicial, mas agora quase todos concordam que esse e outros planos audaciosos contribuíram para a vitalidade econômica e cultural de cada um desses centros urbanos. Nossos projetos para a sede da Bloomberg na City combinam de modo inovador elementos de segurança com arte pública e paisagismo para criar um espaço público humanos e habitável. A "pedestrização" de espaços importantes também proporciona uma discreta proteção contra atentados com carros e caminhões, e melhora a qualidade de vida.

A. A. A origem da insegurança não está associada tanto à pobreza como à desigualdade, que pode ser motivada por razões econômicas, mas também raciais ou religiosas e, portanto, não se corrige pela mera redistribuição de renda. A cidade pode ser ela mesma um atalho para a igualdade: projetos de transporte público, de espaço público, de infraestrutura e de moradia, estrategicamente identificados, podem melhorar a qualidade de vida em um período relativamente curto de tempo. O espaço público é redistributivo por natureza e, por isso, uma ferramenta muito mais potente do que se refugiar em uma fortaleza como estratégia frente à insegurança. Uma visão coordenada e sintética dos investimentos tanto públicos como privados é chave para que a cidade funcione como um ímã e não como uma bomba de tempo, e seja assim capaz de atrair pessoas, ideias e recursos.

Alejandro Aravena: "A cidade não deve ser medida por tamanho ou população. Uma pessoa não deveria gastar mais de 45 minutos para fazer o que precisa”

N. N. Conseguir uma segurança elevada não está tão relacionado com as cercas e com o tecido da cidade como com a privacidade e a identificação. A solução a longo prazo é a educação. A solução a médio prazo corre o risco de ser orwelliana, mas isso já somos em muitos aspectos.

J. S-K. As grandes cidades são motores econômicos; construa ruas melhores e verá negócios melhores. As ruas inseguras e difíceis de atravessar, feias ou centradas apenas nos carros dizem às pessoas que subir em uma bicicleta ou caminhar é um risco, e isso prejudica a vizinhança. De forma que não surpreende que a atividade econômica melhore quando se instalam ciclovias, faixas de ônibus, ruas de pedestres e outros projetos inovadores. As vendas na Nona Avenida, em Nova York, aumentaram 49% quando instalamos as primeiras ciclovias protegidas por espaços de estacionamento, um crescimento 16 vezes superior ao de outras regiões de Manhattan. Na Times Square, quando demos mais espaço aos pedestres, os aluguéis de imóveis triplicaram e se transformou em um dos 10 primeiros destinos de compras varejistas do planeta. Cidades do mundo todo têm registrado um crescimento econômico impressionante graças a seu próprio redesenho adaptado às pessoas. E com a decisão da prefeita Carmena de redesenhar a Gran Vía, sem dúvida Madri experimentará a mesma transformação econômica.

O futuro dos carros

N. F. O carro consome muito espaço, tanto quando circula como quando permanece ocioso. Na verdade, em 95% do tempo não é utilizado. Caminhar, deslocar-se de bicicleta e um transporte público bem planejado oferecem um uso mais eficiente do espaço. É importante criar um urbanismo de uso misto. Em alguns países os jovens têm menos obsessão por obter o documento de habilitação do que a geração anterior, já não têm a necessidade de ter seu carro, e “consomem mobilidade como serviço”. Conforme evolui a tecnologia, veremos limites cada vez menos nítidos entre os diferentes meios de transporte. Os carros continuarão tendo importância nessa mistura, mas estarão mais integrados no sistema de transporte. Com o tempo serão mais limpos, silenciosos e provavelmente em menor número. Isso melhorará a qualidade de vida urbana, com ruas menores e praças e parques maiores.

Janette Sadik-Khan: "A economia melhora quando se cria ciclovias e ruas de pedestres. A cidade não pode abandonar quem não anda de carro”

A. A. Deve ser dada atenção à forma como afeta o bem comum. Um ônibus, por exemplo, leva 100 vezes mais pessoas que um carro, portanto tem 100 vezes mais direito de passagem. As bicicletas e pedestres, apesar de serem individuais, ocupam pouco espaço, são eficientes no uso do espaço comum. Os carros, por outro lado, são como transporte de baixa densidade. Por isso, tanto o espaço designado para os carros como os investimentos públicos que se façam em infraestrutura para seu deslocamento deveriam ser coerentes com sua posição no “ranking de prioridade” do bem comum, bem abaixo na hierarquia. Nós que andamos de ônibus devemos entender que deveremos pagar um imposto em tempo. A melhor viagem motorizada na cidade é aquela que não se faz.

N. N. Que função terão os carros no futuro? Nenhuma. Não vai haver carros da forma que conhecemos atualmente. Vai haver cápsulas para transportar pessoas e entregar mercadorias, mas não motoristas como você e eu. Um documento de habilitação é como uma licença de portar armas.

J. S-K. Deveríamos dar aos cidadãos opções de mobilidade: caminhar, andar de bicicleta, locomover-se em transporte público e serviços como Lyft e Uber terão espaço no futuro das nossas cidades. A chave está em evitar os erros do passado, quando deixamos que a tecnologia modelasse nossa comunidade e construímos cidades que serviam aos carros, em vez de lugares para as pessoas. É imperativo que não repitamos esse erro quando, nos próximos anos, começarem a aparecer na internet os carros sem motorista. As cidades devem se unir para garantir que dessa vez seja a tecnologia que trabalhe para elas, e não o contrário. Isso significa exigir o acesso a dados urbanos fundamentais, garantir que as novas tecnologias melhorem a segurança e a mobilidade para todos, e que os cofres públicos se beneficiem da mesma forma que o setor privado.

Turismo e população local

N. F. É uma questão difícil, e não tenho uma resposta mais rápida do que destacar que, historicamente, as cidades têm resistido e têm passado por mudanças significativas ao longo do tempo. É provável que a revolução no transporte crie mais oportunidades de "pedestrização" que reduzam o congestionamento provocado pelas multidões de turistas. Mas também devemos ter em mente a riqueza que os turistas aportam à economia das cidades. As questões de preço e acessibilidade do solo estão submetidas a vários fatores interrelacionados e complexos, que os políticos devem resolver tomando a iniciativa e colaborando com o setor privado.

A. A. O turismo pode ser a manifestação mais visível de que as cidades são hoje uma concentração de oportunidades, e que o problema de fundo é que a capacidade de pagamento do mercado expulsa aqueles que mais necessitam das redes de oportunidades. Deve ser regulado com uma política pública, e não se esperar que seja regulado pelo mercado. Existe uma grande quantidade de ferramentas legais, financeiras e políticas para garantir uma certa diversidade urbana. No que concerne ao projeto, nossa modesta experiência consiste em equilibrar a seguinte tríade: densidade suficientemente alta (para pagar salários caros integrados às redes de oportunidades), em altura suficientemente baixa (para não ter altos custos de manutenção de serviços comuns), com possibilidade de crescimento no tempo (sistemas abertos que permitam melhoras adicionais para aqueles que não têm capacidade de pagamento hoje, mas que poderiam ter no futuro). Em outras palavras, se concentram os recursos públicos em tudo aquilo que não se pode abordar individualmente.

N. N. Simples, se adaptam os impostos dos imóveis a seu valor líquido, não apenas ao valor do terreno ou da construção. A entrada dos turistas sem dúvida é boa para a economia local.

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