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Dia do Pastor e do Rugby: 50% das leis aprovadas em São Paulo celebram aniversários ou mudam nome de rua

Dos 270 projetos aprovados na Assembleia Legislativa em 2016, somente 18% têm caráter coletivo ou inclusivo

Gil Alessi

O cidadão paulista provavelmente não sabe, mas em 2016 o calendário de eventos oficiais do Estado ganhou várias datas comemorativas - cuja elaboração e inclusão na agenda foram pagas com seu dinheiro de impostos. O primeiro domingo do mês de novembro, por exemplo, é o Dia do Pastor Quadrangular - uma denominação da igreja evangélica. Já o primeiro domingo de junho é o Dia do Pastor Assembleiano, que homenageia a Assembleia de Deus. De forma mais genérica, o segundo domingo de junho é apenas o Dia do Pastor. Em 3 de junho comemora-se o Dia da Igreja Pentecostal Deus é Amor, e para completar as efemérides do mês, o dia 25 daquele mês é o Dia do Policial Militar Evangélico. Estes são alguns dos projetos de lei propostos pela bancada evangélica e aprovados na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no ano passado.

O deputado estadual Fernando Capez.
O deputado estadual Fernando Capez.ALESP

Um levantamento feito pelo EL PAÍS revela que das cerca de 270 leis aprovadas em 2016 na Assembleia, quase 50 (22%) legislavam sobre a criação de dias específicos no calendário para celebrar profissões e religiões. E também esportes e veículos: dia 6 de outubro é o Dia Estadual do Rugby, 3 de janeiro é o Dia Estadual do Fusca. Mas a produção legislativa dos deputados não para por aí. No ano passado, 76 leis aprovadas (28%) dizem respeito à mudança do nome de ruas, praças, viadutos e escolas. Completam o total de leis 87 projetos (32%) que tornam de utilidade pública algumas entidades de auxílio e cultura– parte delas ligadas a centros religiosos - como a Associação de Tropeirismo raiz de Porongaba. Outras 49 leis (18%)  podem ser consideradas de interesse coletivo ou inclusivo, como a lei que proíbe a cobrança de taxas extras em escolas para matricular crianças com down ou necessidades especiais.

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Esta aparente baixa produtividade dos deputados para legislar assuntos que afetam diretamente a vida do paulista contrasta com a fatura que o Legislativo Estadual apresenta ao contribuinte. Ainda mais em um contexto de crise econômica no país, com vários Estados quebrados pedindo ajuda ao Governo Federal - São Paulo ainda respira sem aparelhos nesse quesito. No total, a Assembleia custa por ano mais de um bilhão de reais, entre gastos com pessoal e outras despesas correntes. Os 94 deputados estaduais recebem 25.322 reais cada. Mas eles dispõe também de uma verba de gabinete mensal que chega a 30.000. Gastos de gabinete mais encargos como auxílio hospedagem custaram aos cofres públicos 23,3 milhões de reais em 2016. As informações são do balanço oficial da Assembleia.

Não bastasse a tormenta econômica, o ano de 2016 na política paulista foi marcado pelo escândalo que ficou conhecido como a Máfia da Merenda. O esquema de corrupção, descoberto pela Polícia Civil no início daquele ano durante a Operação Alba Branca, envolvia a reedição de um triste clássico brasileiro, com pagamento de suborno a políticos, superfaturamento de contratos e prejuízo aos cofres públicos.

O lobista Marcel Júlio, lobista ligado à Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar, uma das empresas envolvidas no caso, afirmou em sua delação premiada que o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o tucano Fernando Capez, pediu dinheiro para agilizar contratos de venda de suco de laranja para as escolas estaduais. Júlio afirmou que um assessor do deputado estadual pediu o repasse de 2% do valor do contrato firmado com a Secretaria da Educação mais 450.000 reais para custear a campanha do tucano. Capez sempre negou qualquer envolvimento no esquema: “eu jamais participaria de superfaturamento, muito menos nesta área”. Ele deve deixar a presidência da Casa no dia 15 de março, e em seu lugar deve assumir o também tucano Cauê Macris.

Em fevereiro a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido

O escândalo da merenda sacudiu os bastidores da política no Estado arrastando nomes do establishment político tucano, como o ex-secretário de Educação do Governo de Geraldo Alckmin, Herman Voorwald, e o ex-chefe de gabinete do secretário da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, conhecido como Moita, flagrado em grampos telefônicos.

Ao ver seu presidente envolvido no caso e cobrados nas ruas pelas ocupações de escolas organizadas pelos estudantes secundaristas que pediam a apuração dos fatos, os deputados decidiram agir. Instaurou-se na Assembleia uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o caso. O PSDB tem maioria na Casa, e dos nove deputados que integram a CPI oito são da base governista. Em dezembro a CPI aprovou um relatório isentando políticos de qualquer malfeito, mas apontando a responsabilidade de 20 pessoas, incluindo Jéter Rodrigues Pereira e José Merivaldo dos Santos, ex-assessores de Capez. Parlamentares da oposição se insurgiram contra o texto votado e tentaram emplacar um relatório alternativo, que recomendava ao Ministério Público a investigação de Capez. 

Em outra frente na Assembleia, o deputado estadual Davi Zaia (PPS), relator de uma representação contra o tucano no Conselho de Ética da Casa, considerou desnecessário ouvir Capez, de acordo com reportagem do portal UOL. Em fevereiro, a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido.

O EL PAÍS em contato com a assessoria de imprensa e com o departamento de comunicação da Assembleia por email e telefone com questionamentos sobre a CPI da Máfia da Merenda, os elevados custos da Casa e a produtividade legislativa. Até o fechamento desta reportagem nenhuma pergunta havia sido respondida.

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