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Al Bab: a nova mãe de todas as batalhas na Síria

Batalha de Al Bab influenciará como acontecerá a campanha para tomar Raqa, a capital síria do EI

Soldados rebeldes sírios a caminho de Al Bab
Soldados rebeldes sírios a caminho de Al BabK. ASHAWI (REUTERS)
Andrés Mourenza

Em seu habitual discurso apocalíptico e seguindo uma antiga profecia, o Estado Islâmico (EI) situou a mãe de todas as batalhas, a que anunciaria o fim dos tempos, em Dabiq, uma cidadezinha no norte da Síria a apenas 20 quilômetros da Turquia. Errou: a cidade foi tomada aos jihadistas em outubro, depois de apenas 15 dias de luta, por uma coalizão formada pelos rebeldes sunitas do Exército Livre Sírio (ELS) e tropas turcas, com apoio aéreo dos Estados Unidos (EUA). Em contrapartida, a 30 quilômetros mais ao sul, em Al Bab, acontece outra disputa que pode decidir o futuro não só do autoproclamado Califado, como também determinar quem exercerá o controle sobre boa parte do norte do país.

Atualmente, das batalhas de Al Bab e seus arredores participam três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia, EUA e Reino Unido), Exércitos regulares de três outros Estados (Síria, Irã e Turquia) e várias organizações consideradas terroristas por algum dos beligerantes: Hezbollah (xiita), ELS, as milícias curdas do YPG e o EI.

Quando a Turquia começou sua incursão militar na Síria no final de agosto – com a dupla intenção de afastar o EI de sua fronteira e fechar o caminho para as milícias curdas – o fez com a intenção de que fosse uma operação cirúrgica em que a maior parte do combate ficasse por conta dos rebeldes sírios para que o Exército turco se limitasse a fornecer cobertura aérea e de artilharia. Nada mais longe da realidade: desde outubro suas forças atolaram em Al Bab diante da aguerrida defesa dos jihadistas que causaram mais de 70 baixas nas fileiras turcas e um número indeterminado nas do ELS. Até o dia 7 de fevereiro, as forças turco-sírias não puderam lançar o assalto final à localidade, que contou com a participação de 2.000 rebeldes e 1.300 militares turcos (mais da metade pertencente a forças especiais).

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Na sexta-feira, o Estado-Maior das Forças Armadas turcas anunciou que havia rompido a resistência do EI e que “a operação [Escudo do Eufrates] tinha conseguido controlar quase completamente Al Bab”. No entanto, o Observatório Sírio de Direitos Humanos, com sede em Londres, desmentiu afirmando que o EI ainda controla 90% da cidade e que os bombardeios turcos haviam matado 45 civis em dois dias (de acordo com estimativas turcas, 10.000 civis ainda residem em Al Bab e o grupo jihadista os utiliza como escudos humanos). “O EI mostrou ser um adversário duro ao qual levará muito tempo derrotar. Vencê-lo não vai sair grátis, será preciso sacrificar soldados para isso e também morrerão civis”, diz Joshua Landis, especialista na Síria e professor da Universidade de Oklahoma.

Como se não bastasse, nas últimas semanas as tropas do regime sírio avançaram desde Aleppo até cercar Al Bab pelo sul e houve inclusive confrontos com as forças apoiadas pela Turquia. Nesse contexto, a Rússia bombardeou posições turcas matando três soldados no dia 9 de fevereiro, no que oficialmente foi um “acidente”, mas o diplomata aposentado Unal Çeviköz considera um “aviso” russo para que o Governo de Ancara – com o qual estreitou relações nos últimos meses – saiba quem manda agora na região e não aumente a colaboração com seu aliado norte-americano. Nos dias seguintes, a Rússia intermediou para que a Turquia e a Síria demarcassem uma linha de separação que nenhum dos dois Exércitos ultrapasse.

Daí a surpresa que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tenha anunciado nesta semana que a operação Escudo do Eufrates não vai parar em Al Bab, mas continuará até Manbij (mais ao norte) – atualmente em mãos de milícias curdas-árabes aliadas dos EUA – e posteriormente tomar Raqa, capital síria do EI. Algo que parece claramente exagerado, pois o ex-militar Metin Gurcan considera que para tanto seria necessário enviar à Síria “duas brigadas blindadas e três mecanizadas, cinco batalhões de tanques e dois ou três sistemas de mísseis. No total, 6.000 ou 7.000 soldados”, explica.

De acordo com Landis, todos esses movimentos fazem parte da dança diplomática multilateral para se colocar na corrida a Raqa, que o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu libertar em poucos meses. Seu antecessor, Barack Obama, contava para isso com as forças curdas, atualmente localizadas a apenas 10 quilômetros da capital do Califado. Os curdos precisam de artilharia pesada para romper as defesas da cidade e exigem que se oficialize sua autonomia em troca d e fazer o trabalho sujo para os EUA. O problema é que isso iria enfurecer a Turquia, seu tradicional aliado na região, e a própria população de Raqa, cuja maioria é árabe sunita.

A segunda opção para a tomada de Raqa é o plano turco. Segundo escreve o ex-assessor do Governo Çetiner Çetin, existem duas variantes: uma é atacar a partir do norte, através de Tel Abyad –embora isso implique em passar por território curdo–, e a outra, começar uma longa marcha pelos quase 200 quilômetros que a separam de Al Bab, mas para isso deveria atravessar linhas controladas pelo Exército regular sírio que, além disso, segundo indica Landis, “parece estar se coordenando com os curdos para fechar a passagem dos turcos”. Ambas as alternativas foram apresentadas ao Chefe do Estado Maior dos EUA, Joseph Dunford, que visitou a Turquia na sexta-feira, bem como ao chefe da CIA, Mike Pompeo, que esteve em Ancara na semana passada. No que se refere à estratégia sobre a Síria, os militares dos EUA e a agência de espionagem divergem: os primeiros escolhem os curdos, enquanto a segunda prefere os rebeldes sunitas.

Resta, finalmente, a opção de que sejam as próprias forças do regime de Bashar Asad que retomem Raqa, deixando de lado os EUA. Moscou está tentando, portanto, cativar os curdos enquanto faz a mediação com a Turquia, à qual estaria disposto a conceder um enclave ou zona tampão de maioria sunita em troca de que se afaste de Washington. Em suma, um complexo quebra-cabeça no qual parece difícil encaixar todas as peças.

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