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Argentinas fazem topless coletivo em protesto contra machismo

Ato acontece depois que 20 policiais expulsaram três banhistas de uma praia por terem mostrado os seios

Protesto, que ficou conhecido como 'tetazo', pela liberação do topless nas praias argentinas.
Protesto, que ficou conhecido como 'tetazo', pela liberação do topless nas praias argentinas. David Fernandez (EFE)

Se alguém tinha dúvidas sobre a força do machismo na Argentina bastava se aproximar do Obelisco, no coração de Buenos Aires nesta terça-feira. Dezenas de mulheres mostravam os seios para exigir a legalização do topless nas praias. Em torno delas, cerca de duzentos homens subiram aos jardins para ver os seios das manifestantes, um tabu na Argentina, enquanto elas gritavam “fora machos”. Três jovens subiram no mastro de uma bandeira para poder ver melhor os seios das manifestantes. Os voyeurs eram cada vez mais numerosos e alguns deles faziam fotos. A tensão foi aumentando e acabou com pancadaria. Primeiro entre as mulheres e um homem que as fotografava, e depois entre vários homens que apoiavam a causa do topless e acabaram batendo no voyeur. Tudo aconteceu em 2017, num dos países historicamente mais avançados da América Latina e numa das cidades com maior atividade cultural do planeta.

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Pouco antes, outro homem se aproximou de mais mulheres, mostrou-lhes o pênis e gritou “chupem”. Também foi vaiado e expulso. Outros homens que estavam a favor do protesto também foram expulsos, confundidos com voyeurs, em meio a uma tensão crescente. Até os jornalistas do sexo masculino foram afastados do círculo das mulheres.

Quase ninguém discute que a Argentina é um país profundamente machista. Mas não é uma questão que provoca muito debate. No entanto, a polêmica sobre o topless na praia de Necochea, que acabou com 20 policiais expulsando três mulheres recuperou um assunto que parecia perdido. Desde então não se fala de outra coisa na Argentina, especialmente nas redes sociais e nos meios de comunicação. Posições a favor e contra o topless são cada vez mais extremas e o escândalo chegou ao máximo com o anúncio de um grande “tetazo” (topless coletivo) no Obelisco, o lugar das grandes manifestações argentinas, no centro de Buenos Aires.

Dezenas de mulheres compareceram para protestar e assim lançar a mensagem de que o peito dos homens e das mulheres são iguais e se eles têm o direito de tomar sol com os mamilos à mostra, elas também podem fazê-lo. O que acontece na Europa com normalidade, na Argentina e em grande parte da América (e do Brasil) é tabu. A televisão argentina mostra corpos seminus de mulheres dançando quase simulando sexo em horário nobre, mas o mamilo é totalmente proibido, como nos EUA. E nas praias não há peitos femininos tomando sol, apenas masculinos.

Os comentários nas redes sociais e nos meios de comunicação nos últimos dias mostram que esse debate, superado pelo menos desde os anos 80 na Europa – com alguns abalos recentes na Itália, país com enorme influência cultural na Argentina – ainda está começando no país sul-americano, onde várias mulheres muito conhecidas tiveram de ser didáticas em questões muito básicas, como o fato de que os seios não são órgãos genitais e, portanto, o topless não têm nada a ver com o nudismo.

Um vídeo com esses aspectos básicos e ridicularizando os argumentos machistas, feito pela youtuber Bárbara Martínez, intitulado “Quando você pode ser presa por fazer exatamente o mesmo que um homem, não há igualdade #Tetazo”, alcançou 21.000 retuítes em pouco tempo. A deputada  Victoria Donda, filha de desaparecidos na época da ditadura, apoiou o “tetazo” e argumentou: “Se em algum momento surgir uma regulamentação impedindo as mulheres de fazer topless na praia, vou fazer uma regulamentação obrigando os homens a usar sutiã”. O machismo é tão forte na Argentina que imediatamente as redes sociais ecoaram o entusiasmo de alguns homens diante da possibilidade de que Donda mostrasse publicamente os seios.

Dois homens que se uniram ao protesto com os cartazes: "Por que eu posso fazer topless e elas não?"
Dois homens que se uniram ao protesto com os cartazes: "Por que eu posso fazer topless e elas não?"Natacha Pisarenko (AP)

A lei da província de Buenos Aires, de 1973, ainda proíbe “atos contra a moral” e a polícia entende que isso inclui o topless, embora o juiz que analisou o caso de Necochea tenha determinado que as mulheres não cometeram crime algum e a lei é inconstitucional. Muitos são contra esse juiz. Os comentários contra o direito ao topless também se multiplicaram. O jornalista Mariano Obarrio sentenciou, numa ideia muito difundida e aplaudida nas redes sociais: “Se você convidar gentilmente uma dama para que ela te mostre os seios, ela dá queixa por assédio. E se você pedir para ela não mostrar em público, dá queixa por te considerar retrógrado. Se querem mostrar os seios, façam praias de nudismo. Mas na via pública não têm o direito de perturbar crianças e terceiros com sua carne”. O cientista político Agustín Laje partiu para o confronto direto: ”As feministas proíbem concursos de beleza de Reef [uma conhecida competição de traseiros na praia, cancelada este ano], mas incentivam o #tetazo. Parece que o que realmente as incomoda são as minas [mulheres] bonitas”.

Outras figuras muito conhecidas, como o cineasta Juan José Campanella, escolheram a ironia: “Por razões de pudor pessoal não comparecerei ao tetazo, mas contem comigo se organizarem um pijete” (pija significa pênis na Argentina). Outros se solidarizaram com as manifestantes, mas também as criticaram porque acreditam que num momento como o atual na Argentina, com uma forte crise econômica de um lado e uma enorme taxa de feminicídio do outro – um a cada 30 horas, o último terminou num massacre com seis mortos –, não coloca o problema do topless como uma prioridade. A única coisa certa é que ninguém fica indiferente a uma questão em que todos têm posições claras e muito radicalizadas.

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