Oscar 2017: ‘Até o último homem’, a paixão de Cristo (parte II)
Novo filme de Mel Gibson, faz relato em tom bíblico e salvador de uma ‘via crucis’ Além disso, o filme inclui um epílogo que convence de vez até os mais incrédulos
Mel Gibson parece empenhado em demonstrar que as contradições morais de um homem podem servir de base para uma obra apaixonante, de alta consistência dramática. Pensamento e atitude, discurso e prática, nem sempre andam juntos, e na vida de Gibson poucas vezes andaram. Mas, deixando de lado suas questões de foro íntimo – as quais, afinal de contas, dizem respeito apenas à sua privacidade, ou no máximo ao julgamento dos tribunais e, para o doloroso crente católico que ele é, do julgamento do céu ou do inferno –, seus filmes são dotados de uma sugestiva luta entre duas frentes antagônicas. Até o Último Homem, seu novo trabalho na direção após uma década sem estar atrás das câmeras, volta a ser, como as mãos entrelaçadas do pregador de Mensageiro do Diabo, um combate entre o amor e o ódio, entre o que se prega e o que se mostra.
ATÉ O ÚLTIMO HOMEM
Direção: Mel Gibson.
Elenco: Andrew Garfield, Teresa Palmer, Sam Worthington, Luke Bracey, Vence Vaughn.
Gênero: bélico.
EUA, 2016.
Duração: 131 minutos.
Um filme selvagem sobre um pacifista. Falamos de A Paixão de Cristo e também de Até o Último Homem, que bem poderia se chamar A Paixão de Cristo (Parte II). Se em seu relato sobre o mais lendário dos seres virtuosos Gibson mostrava um inusitado gosto pela violência, pelo retrato detalhista, tenebroso e quase insolente do calvário de um ser humano, em Até o Último Homem ele repete operação ao biografar o jovem soldado e objeto de consciência Desmond Doss, médico militar que participou da batalha de Okinawa, na Segunda Guerra Mundial. Um trabalho de estilo clássico em suas sequências distantes do conflito, de forte base melodramática, como também era Coração Valente (1995), que se revela sobre a lama da colina japonesa como o bestial artefato bélico que é, em uma passagem de mais de meia hora que supera inclusive o desembarque de O Resgate do Soldado Ryan como reflexo das ferozes consequências da guerra sobre o corpo e a mente de um homem.
Com um punhado de excelentes atuações e o brio natural dos trabalhos de Gibson (recordemos também a notável Apocalypto), seu novo filme volta a ser um sermão pouco sutil que, em sua fascinante visualização, se transforma na feliz contradição que é o australiano como artista. O relato de corte bíblico e salvador de uma heroica via crucis que, além disso, inclui um epílogo capaz de convencer os incrédulos são Tomé que, no fundo, somos quase todos nós.
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