Queda de juros de 0,25% é alento para a titubeante retomada da economia brasileira
O corte, já aguardado por analistas, é o primeiro em quatro anos. Banco Central justificou redução na taxa por queda da inflação acima da esperado
O Banco Central anunciou, nesta quarta-feira, o primeiro corte na taxa básica de juros (Selic) no país depois de quatro anos. O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu reduzir a taxa em 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano. A queda é uma gota d'água para o deserto da recessão brasileira que deve registrar um Produto Interno Bruto (PIB) negativo pelo segundo ano consecutivo. O corte, porém, dá um pouco de fôlego ao presidente Michel Temer que precisa somar mais sinais positivos na economia e aumenta o entusiasmo dos agentes de mercado.
Com a menor incerteza quanto aos rumos da inflação e com alguns pequenos indícios de melhora na economia brasileira, a redução já era aguardada por analistas. Uma das justificativas do Copom para a redução na taxa foi a queda da inflação acima do esperado, "principalmente pela reversão da alta dos alimentos". A estimativa é de que o BC, sob o comando de Ilan Goldfajn, continuará a reduzir a Selic até o próximo ano. Apesar de falar em movimento "moderado e gradual", Copom afirmou, em nota, que o ritmo do processo de redução e uma possível intesificação dos cortes dependerão da evolução favorável de fatores que permitam maior confiança no alcance das metas de inflação nos próximos anos, como o ritmo de aprovação ajustes necessários na economia. Os juros são um dos principais instrumentos para controlar a inflação.
Juros X Inflação
A taxa de juros é um importante instrumento utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação e também a atividade econômica. Se ela está alta, acaba favorecendo a queda da inflação, pois desestimula o consumo, já que os juros cobrados em empréstimos e cartões de crédito ficam mais altos. Com o consumo inibido a economia também desacelera. Por outro lado, quando os juros caem , a população tem mais acesso ao crédito e assim pode consumir mais, já que tomar dinheiro emprestado ou fazer financiamentos fica mais barato.
Para especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, entre os 45 dias que separaram a última reunião do Copom da realizada nesta semana, houve uma melhora importante no ambiente econômico do país com uma sucessão de notícias positivas. Entre elas se destacaram a desaceleração da inflação no mês de setembro - acima da esperada- , a aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que limita os gastos públicos, a valorização do real e também a mudança da política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras, que, neste mês, reduziu o valor da gasolina e do diesel nas refinarias.
Após a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro, na última sexta-feira, que passou de 0,44% para 0,08%, o boletim Focus, do BC, que levanta as projeções de mais de 100 instituições financeiras do país, também mostrou um expectativa de inflação menor para 2016 e para o próximo ano. O IPCA este ano passou de 7,04% para 7,01%. Já o índice para o ano que vem foi de 5,06% para 5,04%. Há quatro semanas, apontava 5,12%. Sinais positivos também são vistos no aumento das cotações em bolsa.
"O que estamos vendo é um Governo que conseguiu estabelecer uma agenda de ajuste fiscal, que favorece a conversão da inflação para o centro da meta [4,5%] e ajuda o Banco Central a ter as condições necessárias para cortar os juros", explica Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. Para a economista, esse movimento será o motor de crescimento do Brasil no curto prazo. "O mundo está crescendo pouco, o comércio internacional também está estagnado, então a demanda tem que ser interna, vinculada pelo afrouxamento monetário", completa.
O economista Clemens Nunes, da FGV, também concorda que a queda dos juros vai dar fôlego a empresas e famílias e terá um papel relevante na recuperação da economia, já que a população terá mais acesso ao crédito. O consumo não será mais tão inibido uma vez que tomar dinheiro emprestado ou fazer um financiamento ficará mais barato com o recuo dos juros.
As decisões da autoridade monetária sobre a taxa básica de juros começam a surtir efeito, entretanto, em no mínimo seis meses e, apesar da melhora do ambiente, ainda não é momento de cantar vitória. Por isso, a economista ressalta que o corte de juros não significará um alívio rápido da recessão e que provavelmente o país só voltará a crescer de verdade em 2018. "O que o BC está dando é um selo de qualidade para essa política econômica, mostra que confia no ajuste, mas há setores da economia que não tocaram o fundo do poço ainda", explica.
O número de vendas no varejo, por exemplo, divulgado nesta terça-feira, mostrou uma queda de 0,6% em agosto ante julho. O mal desempenho do setor reflete outro grave problema do país: a alta taxa de desemprego, que continua acima dos 10%. "O mercado de trabalho é sempre o último a reagir e o ajuste ainda não acabou. No mercado de créditos, os dados ainda são ruins também. Os dois fatores dificultam uma melhora no setor do varejo, por exemplo", afirma Latif . Outros dados desanimadores foram publicados nos último meses, como a produção industrial que recuou 3,8% entre julho e agosto e os números ruins de arrecadação em agosto e setembro.
O setor de serviços também recuou1,6% no período de julho a agosto, segundo dados publicados pelo IBGE nesta quarta. "Era de se esperar já que o para o setor do serviço responder bem será preciso uma melharoa na renda do consumidor, o que ainda não se concretizou", explica o economista Ricardo Rocha, do Insper.
Os resultados ruins fizeram algumas instituições financeiras alterarem a estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) para o terceiro trimestre deste ano. O Bradesco revisou para baixo a sua estimativa e espera uma queda de 0,8%. Como os efeitos para a retomada da economia ainda devem demorar mais que o estimado inicialmente, o Governo Temer terá que lidar por mais tempo com a frustração de muitos brasileiros desempregados e da parcela contrária a várias das propostas do ajuste fiscal. Nesta semana, centrais sindicais do país decidiram organizar uma greve geral nacional em repúdio a propostas de reforma da Previdência e Trabalhista e também contra a PEC dos gastos.
Ainda que os desafios para tirar o país da recessão sejam grandes, a melhora dos indicadores de confiança do consumidor dão certo alento para um ciclo de retomada no próximo ano. Segundo a Confederação Nacional de Indústria (CNI) a confiança cresceu 1,1% em setembro. O índice de Medo do Desemprego (IMD) caiu 6,7 pontos em setembro na comparação com julho.
"A confiança aumentar é algo muito bom, porque faz as empresas voltarem a investir", explica o economista Ricardo Rocha, do Insper. A trajetória da economia também é bastante positiva, segundo o economista, se comparada as expectativas do início do ano.
Para ele, a aprovação da PEC dos gastos foi simbólica. "Mais importante do que cortar gastos que é algo relevante, a PEC promove um debate demagógico com a sociedade da necessidade do ajuste. Para os investidores brasileiros e estrangeiros também sinalizamos que estamos tentando arrumar a casa, o que pode a ajudar a trazer de volta os investimentos", diz.
Na opinião de Rocha, o pior da recessão já passou, mas ainda há um caminho longo para o Brasil retomar uma pujança econômica, que na sua avaliação só aconteceria em 2018. "Matamos a doença que estava nos matando, mas as sequelas são grandes e agora temos que tratar a parte das sequelas", explica.
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