Crise com moradores de rua põe Haddad na vidraça e dá largada à campanha eleitoral
Ante mortes em meio à onda de frio, prefeito de São Paulo tropeça em declarações e pede desculpas Erundina e Marta cobram administração e Alckmin, que apoia Doria, distribui cobertores
A cidade de São Paulo registrou temperaturas que beiraram o zero grau na última semana. Em sete dias, seis moradores de rua morreram. Muitos dos que vivem na rua afirmam que agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) passam nas ruas recolhendo cobertores, colchões, papelões e até objetos pessoais, agravando a falta de proteção do frio. Nenhum desses fatos é inédito na cidade, mas ocorreram todos ao mesmo tempo e se juntaram a uma declaração do prefeito e pré-candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT), que, ao contrário de amainar, deu mais combustível ao tema. Sob pressão com a comoção nas redes e intensa cobertura midiática, ele afirmou que a conduta da GCM era para evitar a “refavelização das praças”. O tropeço do prefeito às vésperas das eleições municipais o expôs como pivô de uma crise e serviu de trampolim para seus rivais, que prontamente usaram os fatos para criticá-lo.
Luiz Erundina, ex-prefeita de São Paulo e pré-candidata do PSOL, publicou um texto no Facebook afirmando ser "inaceitável que a maior cidade do país e terceira maior do mundo trate os seres humanos com tal crueldade, os pobres como se fossem casos de polícia". O PSDB divulgou um vídeo em que aparece o governador Geraldo Alckmin distribuindo colchões e cobertores aos moradores de rua da cidade. E João Dória, pré-candidato tucano à Prefeitura, disse durante um evento nesta sexta que a atitude da GCM era "absurda".
Marta Suplicy, ex-petista, ex-prefeita e atual candidata do PMDB, publicou um artigo na Folha de S. Paulo nesta sexta intitulado "vergonha" e dizendo que é “uma indignidade a maior cidade brasileira ter pessoas morrendo de frio nas ruas”, e também criticou o termo "favelização" usado pelo prefeito. O vereador Andrea Matarazzo, pré-candidato do PSD, fez um discurso na Câmara dizendo que "estamos assistindo a um espetáculo dantesco na nossa cidade. O desmonte de todas as nossas estruturas sociais. A população abandonada", disse. "Eu exijo e cobro providências da Prefeitura para que ninguém mais morra por omissão de socorro do poder público".
Alvo de todos lados, o prefeito reagiu. Convocou uma entrevista coletiva na quinta-feira. Ao lado do secretário de Saúde, Alexandre Padilha, de Direitos Humanos, Felipe de Paula, de Assistência Social, Luciana Temer e de Segurança, Benedito Domingos Mariano, anunciou medidas de acolhimento aos moradores de rua. Haddad repetiu que não há relação das mortes dos moradores de rua com a conduta da GCM, que os últimos óbitos foram por enfermidades, e não por hipotermia, e que se houve “desvios de protocolo” por parte de algum policial, será apurado. Quem convive com esse universo de população vulnerável repete que a expressão reveladora e comum usada é "morreu de rua", ou seja, de frio e doenças. "Se entendêssemos que o frio não mata jamais teríamos aberto 1,5 mil vagas provisórias durante o inverno, além das 2 mil permanentes, criadas desde 2013, um aumento de 25%", defendeu-se Haddad em seu perfil no Facebook.
O secretário de Direitos Humanos, Felipe de Paula, afirmou que “bens pessoais, instrumentos de trabalho (como objetos, muletas, mochilas, documentos) e itens como colchonete, cobertor, manta e travesseiros não podem ser levados de forma alguma” pelos policiais. A prefeitura emitiu neste sábado decreto para estabelecer os protocolos que devem ser seguidos pela GCM para “superar eventuais constrangimentos de abordagem”. De Paula afirmou que está criando um comitê juntamente com a população de rua para formar agentes e monitorar as ações dos policiais.
"Casquinha eleitoral"
Com pouco dinheiro em caixa durante todo o Governo e, portanto, sem grandes obras para apresentar, a repercussão negativa da crise afeta um dos principais capitais políticos do petista: a percepção de uma administração em maior sintonia com a proteção de direitos humanos da população vulnerável, ao menos em comparação com seus antecessores de PSDB e DEM. As administrações Serra e Kassab foram marcadas por polêmicas com os moradores de rua, como a construção de "rampas antimendigo" em praças da cidade e fechamento de albergues.
O prefeito reconheceu que seus opositores se aproveitaram da crise: “Em ano eleitoral, todo mundo quer tirar uma casquinha”. E pediu desculpas àqueles que “levaram a mal” o que ele havia dito. Naquela noite, o prédio da Prefeitura foi pichado com os dizeres “prefeito assassino".
"Quem fez o programa Braços Abertos não pode estar sendo julgado por uma palavra mal compreendida", queixou-se Haddad. O prefeito se referia ao programa implantado no início do mandato, em 2014, para tirar da rua dependentes químicos da região da cracolândia. Nesta semana, um estudo realizado pela fundação Open Society em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e o Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap) apontou que 65% das pessoas que estão no programa afirmaram ter diminuído ou interrompido o consumo de crack. Haddad também anunciou a criação de quatro novas tendas temporárias de acolhimento para moradores de rua, com 250 vagas cada uma, além das 10.000 vagas fixas já existentes.
Na noite de quinta-feira, um grupo de cerca de 100 moradores de rua marchou da Praça da Sé até a Prefeitura para denunciar a morte dos seis homens na última semana e pedir mais atenção a essa população. O ato foi convocado pelo Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais (Catso), uma organização autônoma que atua juntamente com os moradores de rua.
O clima de campanha eleitoral deve se instalar de vez nesta semana com a publicação de uma nova pesquisa sobre a disputa na terça, pelo Ibope. Na medição de novembro do Datafolha, o deputado federal Celso Russomanno (PRB) aparecia com 34% das intenções de voto, Haddad, com 12%, Marta, com 13%, Doria Jr., com 3%, e o vereador Andrea Matarazzo com 4%. Erundina não havia se lançado na época.
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