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James Joyce, um ímã para a arte e a ciência

Legado do autor, celebrado neste Bloomsday, desperta um interesse muito além da literatura

O escritor James Joyce, fotografado por Gisèle Freund, em 1939.
O escritor James Joyce, fotografado por Gisèle Freund, em 1939.

Como a cada ano, neste 16 de junho, dia em que transcorre a ação de Ulisses, a obra-prima de James Joyce, diversas cidades do mundo celebram o chamado Bloomsday, em homenagem às peripécias do protagonista, Leopold Bloom, por Dublin. Apesar da proverbial dificuldade desse livro, a seis anos de completar o centenário da sua publicação, a centralidade de Ulisses (1922) no cânone da literatura universal é algo que poucos questionam. No âmbito da cultura anglo-saxã, o veredicto é unânime – basta observar que, na lista dos 100 melhores romances escritos em inglês durante o século XX, elaborada pela prestigiosa Modern Library, figuram os três que Joyce escreveu.

O primeiro lugar é de Ulisses; o terceiro, de Retrato do Artista Quando Jovem (1916), cujo centenário ocorre neste ano; Finnegans Wake (1939), considerado também por consenso o romance mais difícil de todos os tempos, ocupa o 77º posto. O influxo de Joyce para o romance universal é incalculável. Mesmo com o autor em vida, sua obra e figura já motivavam todo tipo de exegese, sequências e comentários, acumulando-se numa bibliografia de proporções ingovernáveis. A obra de Joyce desperta o interesse não só nos estudos literários, mas também nos âmbitos da arte e da ciência. Finnegans Wake é uma espécie de ímã para artistas de numerosas latitudes, que tentam traduzir em imagens plásticas a vitalidade de um texto que responde à vontade de forjar uma linguagem literária universal a partir de mais de 80 idiomas naturais, tendo o inglês como substrato.

No âmbito da ciência, o interesse por Joyce é evidente em disciplinas como a astrofísica, com casos como a celebrada adoção do termo quark por parte de Murray Gell-Mann, físico teórico que, à falta de um vocábulo que lhe servisse para designar certas partículas subatômicas, encontrou-o nas páginas de Finnegans Wake.

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Alguns meses atrás, um grupo de pesquisadores do Instituto de Física Nuclear da Polônia publicou um estudo que analisava a presença de fractais em certas obras literárias. O caso mais notável da coincidência entre estruturas linguísticas e matemática era justamente Finnegans Wake, bem à frente das demais obras analisadas.

Como parte da enxurrada de títulos que tratam do legado de Joyce, vale citar três obras inéditas no Brasil:

Joyce: Il Mestiere dello Scrittore (Joyce: o ofício do escritor) é um estudo do italiano Giorgio Melchiori publicado originalmente em 1994. Trata-se de um comentário de conjunto, a meio caminho entre a dissertação acadêmica e a tentativa de atingir o leitor médio, enfatizando a importância do idioma italiano na obra do irlandês.

Lançado em 1974, Conversations with James Joyce (conversas com James Joyce), de Arthur Power – que foi amigo do escritor na década de 1920 –, propõe uma abordagem bem diferente, reconstituindo diálogos entre os dois. Estamos diante um caso de “memória romanceada”, em que o leitor fica à mercê de um testemunho em boa medida inverificável.

O terceiro livro dessa lista é Joyce i les Gallines (Joyce e as galinhas), de Anna Ballbona, finalista do primeiro Prêmio Anagrama de romance em catalão. Independentemente dos seus méritos literários, a influência do autor irlandês na obra se limita ao título e a alguns comentários – às vezes extensos, porém tangenciais – sobre o desafio de ler Joyce, especialmente Finnegans Wake.

A editora argentina Cuenco de Plata lançou no início de junho a primeira tradução ao espanhol da derradeira obra de Joyce. Seu tradutor, Marcelo Zabaloy, é também responsável (com Edgardo Russo, editor da Cuenco) da quarta versão castelhana de Ulisses, publicada há um ano. Russo morreu repentinamente às vésperas de apresentar seu trabalho em um evento sobre Joyce na Biblioteca Nacional de Buenos Aires.

A publicação dessas duas últimas traduções traz uma questão urgente: é válido traduzir obras de vocação tão universal como as de Joyce para apenas uma das variantes regionais do espanhol, excluindo as demais?

Eduardo Lago coordenará uma tradução pan-hispânica de Ulisses sob o patrocínio do Instituto Caro y Cuervo.

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