Com controle remoto da Câmara, Cunha faz ofensiva para burlar Conselho de Ética
Presidente afastado da Casa usa aliados na presidência e em comissão para driblar punição
O Supremo Tribunal Federal afastou Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de seu cargo e da presidência da Câmara para que ele não interferisse nas ações que tramitam contra ele como parte da Operação Lava Jato. A cassação branca, porém, não impede que Cunha mantenha controle remoto sobre seus aliados e empreenda uma nova ofensiva, e dupla, para tentar travar a apuração do Conselho de Ética contra ele e já se blindar contra qualquer revés caso o relatório - que deve pedir sua cassação nesta quarta - chegue ao plenário da Casa.
Os estratagemas de Cunha já fizeram de seu processo o mais longo da história do Conselho de Ética, se arrastando por mais de seis meses. Agora, ele quer usar seus aliados na presidência da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Oscar Serraglio (PMDB-PR), para estabelecer um novo procedimento sobre a votação de um parecer da instância por todos os deputados, de modo a tentar salvar seu mandato.
Paralelamente, outra estratégia de Cunha é usar também seus aliados para forçar que deputados que são votos certos por sua condenação sejam afastados do colegiado. Os principais alvos são o presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA) e Júlio Delgado (PSB-MG). Aliados de Cunha tentam retirá-los do órgão fazendo denúncias de que esses parlamentares quebraram o decoro parlamentar. Pelas regras internas, os membros do conselho que responderem a processos são automaticamente afastados de suas funções até o fim das investigações. Araújo e Delgado votaram pela abertura do processo contra o peemedebista, quando o placar foi de 11 votos a favor e 10 contrários.
Nesta terça-feira, minutos antes de receber o relatório em que Marcos Rogério (DEM-RO) deverá pedir a cassação do mandato de Cunha, Araújo foi notificado por um funcionário da Corregedoria da Câmara sobre três representações que deram entrada no órgão contra ele. As denúncias são de suposto uso de laranja na aquisição de terras na Bahia, o de comprar votos na eleição de 2014 e o de caluniar um adversário político em um programa de rádio do interior baiano. Os casos estavam na Corregedoria havia mais de um mês, mas só agora, na reta final da apuração contra o peemedebista, Araújo recebeu a notificação sobre os pedidos de investigação. Quem ordenou a entrega foi o corregedor Carlos Manato, um deputado filiado ao Solidariedade (SD) do Espírito Santo e aliado de Cunha.
Araújo alega que todas as acusações se referem disputas políticas locais e foram feitas para tentar intimidá-lo na condução dos trabalhos. “É mais uma manobra para tentar me intimidar, me amedrontar. Não vão conseguir. Não me surpreenderia se outros membros do Conselho passassem pela mesma situação”, disse.
Na outra frente, desde o dia 18 de maio, deputados do Solidariedade acusam Júlio Delgado, um dos principais adversários de Cunha, de também ter mentido na CPI da Petrobras. Segundo um documento assinado pelo presidente da legenda, o deputado Paulo Pereira da Silva, Delgado recebeu 100.000 reais de uma empreiteira envolvida na operação Lava Jato, mas na comissão que investigou os desvios de recursos da petroleira, o deputado mineiro disse que não tinha recebido nenhum valor irregular em sua campanha. Delgado, que é um dos principais adversários de Cunha na Casa (inclusive perdeu a última eleição para ele), chegou a ter um pedido de investigação aberto pelo Ministério Público Federal, mas foi arquivado por ausência de provas.
Se Araújo e Delgado forem afastados, os suplentes dos blocos aos quais pertencem assumem as vagas. O curioso é que não há um nome específico para substituí-los, porque, ao menos em tese, o substituto imediato seria o primeiro suplente que registrar presença nas sessões em que houver votações. No caso de Araújo, há seis suplentes no seu bloco, sendo que apenas um é adversário declarado de Cunha, o deputado Assis Carvalho (PT-PI). Os demais ou são aliados do investigado ou pertencem a partidos que são facilmente manejados pelo peemedebista como o PP, o PRB, o PR e o PROS. Já com relação a Delgado, a chance de ter alteração de voto é menor, pois os seus três possíveis suplentes são de legendas que querem a queda de Cunha, como o PPS, o PSDB e o PSB.
Tropa de choque
Para que a estratégia de Cunha funcione a Mesa Diretora da Câmara precisa concordar com um pedido feito por outro aliado dele, Carlos Marun (PMDB-MS). No requerimento, Marun solicita que não haja o sobrestamento dos novos processos que vierem a tramitar no conselho. Ou seja, que possam ser abertas novas investigações mesmo com a atual (a de Cunha) ainda em andamento.
A decisão sobre essa questão está nas mãos de Waldir Maranhão (PP-MA), o deputado que substitui interinamente Cunha na Presidência, ou de Fernando Giacobo (PR-PR), o segundo vice-presidente. Ambos são próximos ao peemedebista e, assim como ele, são investigados em esquemas criminosos. Maranhão está fora do país desde o início da tarde desta terça-feira, quando viajou ao Chile para participar de um encontro sobre transparência na gestão pública. Caberia a Giacobo tomar qualquer decisão até o fim desta semana.
A investigação contra Eduardo Cunha por quebrar o decoro parlamentar ao mentir na CPI da Petrobras já é a mais longa da história, já está no Conselho de Ética há quase sete meses. “Isso só nos mostra que o tempo é o senhor da manipulação”, disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), membro de um dos partidos que apresentou a representação contra o peemedebista.
Em sua defesa, o deputado afastado mantém a mesma versão dada na ocasião de seu depoimento à CPI, de que não tem contas no exterior e que só era beneficiário de um truste sediado na Suíça. Na sua concepção, truste não é uma conta bancária. Nos últimos meses, Cunha também negou que estivesse manobrando para protelar a apuração contra ele. Disse, diversas vezes, que se a cúpula do Conselho de Ética se debruçasse sobre o Código de Ética e no regimento interno da Casa não haveria tantos erros a serem corrigidos.
Entre as manobras da tropa de choque do peemedebista estão a substituição do relator do caso, o cancelamento de uma das sessões que votaria a admissibilidade do relatório.
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