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Saída de Dilma é reversível? O que esperar de Michel Temer?

EL PAÍS perguntou a oito intelectuais sobre os rumos da crise política com o afastamento de Dilma

Michel Temer.
Michel Temer.Vice-Presidência (Fotos Públicas)

Maria Hermínia T. de Almeida: "É possível que Michel Temer não se saia tão mal"

1) O impeachment é reversível? Que legado deixa?

Ao contrário do que diz o Governo e os que o apoiam, não creio que o impeachment seja golpe. Entretanto, acho que não é uma solução política boa, por algumas razões. Em primeiro lugar, porque apesar de seguir os ritos legais, ele está sendo utilizado como se fosse recall, para encurtar o mandato de uma presidenta que perdeu sua base de apoio no Congresso e entre a maioria da opinião pública. E não há recall no ordenamento legal brasileiro. Em segundo lugar e por tudo isso, o impeachment aprofunda a polarização política e reduz a possibilidade de entendimentos necessários para que sejam encaminhadas medidas de redução da crise fiscal, sem as quais a situação econômica continuará muito difícil. Embora exista maioria no Congresso e na sociedade a favor da saída de Dilma, ela e seu partido tem apoios políticos e sociais importantes, o que torna o processo especialmente doloroso e traumático. Finalmente, impeachment não é bom para a imagem externa do Brasil e sua pretensão de exercer alguma influência internacional. O impeachment apequena imagem do país no exterior, em parte baseada no fato de ser uma democracia de massas, pluralista e pacífica.

2) O que esperar do Governo Temer?

Seria uma tolice tentar montar um Governo de "notáveis", sem apoio Legislativo

Como as expectativas que cercam um Governo Temer são reduzidas, é possível que ele não se saia tão mal. Temer é um político experiente e curtido no poder. Até onde se sabe, ele está cuidando de montar um Governo com apoio no Congresso. Seria uma tolice tentar montar um Governo de "notáveis", sem apoio Legislativo (no Brasil, governos de cooptação, sem coalizão de base partidária e congressual tem sido os mais vulneráveis a crises). Se ele conseguir, com esse apoio, encaminhar algumas medidas que aliviem a pressão fiscal e melhore as expectativas, poderá ser um Governo de transição para que a sociedade brasileira, em 2018, decida em que direção quer caminhar, por meio de eleições. Não dá pra esperar mais do que isso.

Maria Hermínia Tavares é cientista política e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).


Fernando Limongi: "Temer terá chances de arrumar a casa"

1. O impeachment é reversível? Que legado deixa?

Não, o impeachment não tem volta. O precedente aberto não é bom. Presidentes sem maioria ou que percam a maioria podem ser tirados do poder. Esta a consequência direta da interpretação generosa (e política) do que é um crime de responsabilidade. As elites políticas concordaram em ser irrazoáveis.

2. O que esperar de um Governo Temer?

Não há muito o que esperar. Com certeza, não será um desastre, mas também nada de portentoso. Vai ter chances de arrumar a casa. O ambiente político necessariamente vai dar uma acalmada e deixando mais margem de manobra para o Executivo governar. O sistema vai voltar para seu prumo, o presidencialismo com coalizão vai voltar a operar como sempre operou.

Fernando Limongi é cientista político da Universidade de São Paulo.


Manuela C. da Cunha: "Vai ser a hegemonia ainda maior do agronegócio"

1) O impeachment é reversível? Que legado deixa?

Tudo é possível porque tudo são manobras. Basta ver a surpresa desta terça, quando o presidente interino Waldir Maranhão anulou a sessão da Câmara que votou pela abertura do processo de impeachment. Mas receio que não haja reversão e, nesse caso, o legado será sinistro, pois o que se vê é um grupo de parlamentares sob suspeita de graves crimes derrubarem casuisticamente uma presidenta eleita e sobre a qual não pesam suspeitas de corrupção. Só se pode concluir que as regras acordadas já não valem. Não aprovo o Governo Dilma, longe disso, mas defendo a legitimidade das eleições.

2) O que esperar de um Governo Temer?

Não aprovo o Governo Dilma, longe disso, mas defendo a legitimidade das eleições

O pior. Já está claro que, com o sistema eleitoral vigente, vai continuar o sistema de compromissos espúrios. Basta ver que, conforme se noticiou, a bancada ruralista já entregou ao ainda vice-presidente uma lista de exigências. Uma consequência de um Governo Temer vai ser a hegemonia ainda maior do agronegócio no Brasil. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, que preservava na medida do possível a agricultura familiar, vai provavelmente ser fagocitada e absorvida pelo Ministério da Agricultura.É um indício do que vem por aí...

Manuela Carneiro da Cunha é antropóloga e membro da Academia Brasileira de Ciências, foi professora titular da USP e da Universidade de Chicago.


Cunha preside sessão do impeachment na Câmara.
Cunha preside sessão do impeachment na Câmara.Antonio Augusto/ Câmara dos Deputados

Fátima P. Jordão: "É um momento inédito de legitimidade dos políticos"

1) O impeachment é reversível? Que legado deixa?

A rejeição ao Governo Dilma, neste segundo mandato, atingiu taxas fortemente negativas o que permitiu um processo de impeachment avalizado por parcela expressiva da população e acolhido por voto majoritário de parlamentares. Estas circunstâncias tornam o processo, apesar de percalços de tramitação, praticamente irreversível. Ele representa, também, um momento raro de sintonia entre vontade popular e uma maioria expressiva de líderes políticos. Um momento inédito de legitimidade da classe política. No entanto, esta conjuntura dramática da história brasileira, precisa deixar um legado que enseje uma mudança importante no modo de se fazer política, ou seja, uma reforma política que permita um percurso mais seguro para o exercício da democracia em um ambiente sem corrupção.

2) O que esperar de um Governo Temer?

O Governo Temer terá grande dificuldade para reverter o erro de percurso que levou os brasileiros a este estado de desamparo, medo e raiva. Essa correção de rumos deve envolver mudanças de modelos, correção de instrumentos políticos, diálogo abrangente com vários segmentos da sociedade. O tempo é curto para um Governo de transição. Não dá para se esperar muito, mas se Temer tiver a capacidade de demonstrar que não está oferecendo apenas mais do mesmo, já terá cumprido bem um percurso necessário da história do país.

Fátima Pacheco de Jordão é socióloga e especialista em pesquisas de opinião.


Rosana Pinheiro-Machado: "Legado é um sistema jurídico e político em que se pode tudo"

1) O impeachment é reversível? Que legado deixa?

Acredito que o impeachment não seja mais reversível. Mesmo que que fosse, as consequências deixadas para o país, eu diria, são trágicas. Trágicas porque o pior é a forma como o processo tem sido conduzido sem respeito às instituições democráticas, sem respeito à população brasileira. As mudanças de opinião de Walter Maranhão, por exemplo, foram uma afronta à sociedade, que se vê à mercê de muitos partidos e muitos coronéis. Esse processo não tem nada a ver com legalidade, corrupção ou resposta aos movimentos a favor do impeachment. Esse processo é, pura e simplesmente, uma guerra entre partidos pelo poder. O legado é um sistema jurídico e político em que se pode tudo. O legado é um longo tempo de estado de exceção.

2) O que esperar do Governo Temer?

Austeridade com apoio político, em nome do que se chamará de um pacto para salvar o país, que nada mais é do que a aplicação de políticas neoliberais. Nada que o PT já não esteja fazendo há bastante tempo. A diferença é que, em nome do pacto em meio a um período de confusão, tudo será permitido. Acredito em algumas medidas populares de impacto para acalmar a população, mas no longo prazo haverá o freio no Bolsa Família – que as elites nunca engoliram. Podemos esperar o pior conservadorismo na área de educação e cultura. Serão tempos de obscurantismo político, opressão cultural e austeridade econômica.

Rosana Pinheiro-Machado é professora de Antropologia na Universidade de Oxford.


James Green: "Temer vai aplicar programa derrotado nas eleições"

1. O impeachment é reversível?

Considero que será difícil bloquear o impedimento neste momento, mesmo com a decisão do STF a semana passada, pois me parece que os magistrados estavam mais interessados em se livrar de Cunha e a sua má imagem,do que reconhecer que o processo na Câmara de Deputados foi contaminado desde o começo. É claro que nunca se sabe o que poderia acontecer entre a votação no Senado e os próximos 180 dias. Teoricamente, alguns dos senadores que vão votar a favor do impeachment poderiam mudar de opinião e ainda não está claro se há dois terços de senadores que vão votar na decisão final a favor do impedimento. Existe também a possibilidade remota que Temer venha a ser impedido por ter assinado pedaladas, mas acho difícil. O acordo já está feito.

2. O que esperar de um Governo Temer?

Sem dúvida nenhuma o programa do PSDB, que foi derrotado nas últimas eleições. Um Governo com um projeto neoliberal, recortes nos planos sociais, ataques às leis trabalhistas, medidas moralistas e conservadoras incentivados pela bancada de evangélicos, uma emenda constitucional para que o presidente não pode ser reeleito (fazia parte do acordo PMDB-PSDB) e tudo preparado para uma chapa em 2018 PSDB-PMDB. Ou seja, não espero nada (bom) do Governo.

James N. Green é professor de História e Estudos Brasileiros na Brown University. É Diretor Executivo da Brasa (Associação de Estudos Brasileiros).


Margarida L. Camargo: "Vivemos uma crise institucional"

1) O impeachment é reversível? Que legado deixa?

O impeachment é reversível. Embora seja um julgamento jurídico, na prática foi a política que o empurrou até aqui e é a política que poderá fazê-lo recuar. Isso vai depender dos movimentos sociais e da performance do Governo Temer. Juridicamente, o impeachment pode também não ocorrer. O plenário do Senado irá ainda julgar o impeachment. Particularmente não tenho dúvida sobre o uso indevido do impeachment em curso, mas isso já está superado. Acho que não há mais espaço para falar em "golpe", a não ser para um registro na história, o que não é de menor importância. Ao contrário, é o que fica. O que vai ficar registrado é que a presidenta foi afastada por um Congresso composto de criminosos. O STF afastou do Congresso o presidente da Câmara que havia, poucos dias antes, liderado o processo de denúncia contra Dilma. Foi uma decisão das mais fortes que já vi: um Poder afastando do cargo de parlamentar e das funções de presidente da Câmara, sem respaldo claro na Constituição. Resumindo, o legado é um registro negro na nossa história. E não é a população quem diz que o presidente da Câmara é criminoso. É o próprio STF, a ponto de furar a barreira da imunidade parlamentar e interferir drasticamente sobre outro Poder da República.

2) O que esperar do Governo Temer?

A doutrina do "estado de flagrância permanente" vem servindo de justificativa para medidas de exceção

Michel Temer não encontrará condições de implementar qualquer projeto político, social ou econômico porque as instituições estão esfaceladas. Os Poderes Executivo e Legislativo encontram-se sob suspeita podendo os seus integrantes serem afastados dos seus cargos a qualquer momento e de forma imprevisível. Digo isso com base em uma tese que vem sendo encampada pelo STF. Desde a prisão de Delcídio do Amaral, o STF vem adotando a tese do "estado de flagrância permanente". A tese veio do tráfico de drogas para as organizações criminosas previstas na Lei 12.850/2013, criada na esteira do Mensalão. Na última quinta, o ministro Gilmar Mendes voltou a falar nisso e não foram raros os seus pronunciamentos no sentido de existir uma grande organização que ocupa os Poderes Executivo e Legislativo. Tomando isso como premissa, havendo indícios fortes, parlamentares e administradores públicos podem ser presos. As prisões, como temos visto, vêm se dando, muitas vezes antes de a culpa ser formada e da defesa se manifestar. A doutrina do "estado de flagrância permanente" vem servindo de justificativa para medidas de exceção. E uma vez que a exceção vira regra o Estado de Direito é atingido em cheio. Por isso a sensação de angústia que vivemos. O uso inadequado do impeachment para o enfrentamento da crise econômica, ética e política provocou, na realidade, uma crise institucional que, a meu ver, é a pior. Não dá para construir uma "ponte para o futuro" no vácuo. Nos tornamos reféns do Judiciário, que tem a exata noção do terreno movediço em que está se metendo. 

Margarida Lacombe Camargo é professora de Direito da UFRJ e coordenadora do Observatório da Justiça Brasileira da mesma instituição.

Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o senador tucano Aécio Neves.
Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o senador tucano Aécio Neves.Antonio Cruz/Agência Brasil


Thiago de Aragão: "Toda a engrenagem funcionará para a economia"

1) Impeachment é reversível? Que legado deixa?

É irreversível. O enunciado do "golpe" não tem lógica. A partir do momento em que o Governo e o PT decidem participar do processo, ele está automaticamente legitimado. A própria luta pela democracia se torna algo incoerente quando a presidenta Dilma ataca os parlamentares que vão julgá-la e o ex-presidente Lula chama de covardes os ministros do Supremo, que eventualmente são os revisores dos atos do Congresso. Ora, se o Governo desqualifica as duas mais importantes instituições que representam a democracia, como podem estar lutando pelo bom funcionamento delas?

2) O que esperar do Governo Temer?

A prioridade número 1 é a economia. Equilíbrio fiscal e sinais de credibilidade. Isso funcionando, alargaria a boa vontade do Congresso com ele, possibilitando que reformas mais complexas seja discutidas. A reforma da Previdência deverá ser fatiada para que ela não domine a agenda e bloqueie o resto. A reforma política devera partir de algumas consultas com a sociedade civil. Toda a engrenagem funcionará para a economia. Se ela der sinais positivos, todo o resto ficará mais simples. O  diálogo com o Congresso será fluido e com grande papel da Casa Civil. Se Temer resolver o problema fiscal, viabilizar uma retomada do crescimento, não se opuser a Lava Jato (mesmo que isso o leve a ser implacável com eventuais aliados) e mantiver a palavra de não buscar a reeleição, ele passa de presidente que finalizou um mandato para um potencial estadista. Com uma reforma política ou da Previdência então, ele sai muito maior do que entrou.

Thiago Aragão é sócio da consultoria de análise política Arko Advice.

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