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Aarão Reis: “Trata-se de salvar ou não Dilma, mas para que exatamente?”

Historiador diz que na crise não se debate a questão essencial: quem pagará a conta final

O historiador Daniel Aarão Reis, em junho de 2015, no Rio de Janeiro.
O historiador Daniel Aarão Reis, em junho de 2015, no Rio de Janeiro.Ricardo Borges (Folhapress)

É inegável o sentimento de insatisfação do brasileiro com a política. Mas na visão do historiador Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), somente uma "uma profunda e real reforma política" pode provocar mudanças no quadro político atual. Autor de livros como Luís Carlos Prestes - Um revolucionário entre dois mundos (Companhia das Letras, vencedor do prêmio Jabuti em 2015) e Ditadura e Democracia no Brasil (Zahar), o ex-guerrilheiro no período militar vê o  impeachment da presidenta Dilma Rousseff como "condição essencial" para a reinvenção do PT, partido que ajudou a fundar, mas do qual se afastou em meados dos anos 2000. Ele, porém, é contra a medida, que considera "antidemocrática e elitista". Abaixo, a entrevista concedida ao EL PAÍS, nesta semana.

Pergunta. Caso ocorra mesmo o impeachment, como será o futuro do PT?

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Resposta. Será um golpe duro para o partido, acostumado a 14 anos de poder... Entretanto, para uma possível reinvenção, trata-se de uma condição essencial. Difícil imaginar o PT, no poder, com estas relações carnais com empreiteiras e banqueiros, implementadas sob liderança de Lula e de Dilma, se reinventando... O PT sempre foi e continua sendo um partido diverso, plural. Em seu interior, há muita gente insatisfeita com a liderança de Lula e de Dilma, com suas propostas conciliatórias, mas esta insatisfação ainda não amadureceu no sentido de uma ruptura. De qualquer forma, a crise que abala o PT terá consequências – já está tendo – para as esquerdas em geral. Salvo imprevistos, como problemas de saúde, a aposta do PT para 2018 tenderá a ser Lula mesmo. Aí é que o bicho pegará, porque Lula foi o líder que levou o PT à situação atual.

P. Considerando a mesma hipótese, o que esperar do PMDB?

R. Se o impeachment acontecer, creio que o Temer tenderá a fazer um governo de ampla conciliação das elites nacionais, nos parâmetros do Governo Itamar. Entretanto, se ele observar as ideias do programa esboçado recentemente pelo PMDB, enfrentará fortes resistências dos movimentos sociais de trabalhadores que, certamente, desencadearão pressões para defender seus interesses. Teremos aí um quadro de grande instabilidade social.

P. Se não houver impeachment, o que o PT precisaria fazer para manter a governabilidade até 2018?

"Será um golpe duro para o partido. Entretanto, para uma possível reinvenção, trata-se de uma condição essencial"

R. Faço esta pergunta desde o tempo da campanha eleitoral que elegeu Dilma. Para que o PT e Dilma querem o poder? Para executar que tipo de política? O brutal estelionato eleitoral cometido por Dilma, uma vez eleita, ao buscar um banqueiro para ser seu ministro da Fazenda, evidencia a confusão e o verdadeiro pântano em que se encontram mergulhados o PT e a própria Dilma. Para que desejam governar? A política de ampla conciliação de classes, empreendida por Lula em seus dois mandatos, deixou de existir como perspectiva a curto prazo. O país precisa sair da crise em que se afundou e não dá mais, nestas condições, para manter o jogo do ganha-ganha, em que todos ganhavam e ficavam relativamente satisfeitos. Como em toda a crise, a fatura precisa ser paga. Quem a pagará?

A indigência da crise política atual reside no fato de que estas questões não estão sendo discutidas, nem de leve. Trata-se de salvar Dilma ou cortar sua cabeça, mas para que exatamente? Se Dilma escapar do impeachment, onde ela vai buscar amparo? Entre suas bases eleitorais e sociais, para quem virou as costas depois de eleita? Nestas condições, havendo ou não impeachment, só teremos elementos de resposta para esta pergunta quando Dilma ou seu sucessor começaram e definir o programa que assumirão para superar a crise brasileira.

"Uma reforma real e profunda tem como pressuposto amplos movimentos sociais animados por plataformas políticas claras. Ainda não chegamos lá"

P. Como vê a situação atual da democracia brasileira, neste contexto?

R. O regime democrático brasileiro é muito recente. A rigor, data da nova Constituição, de 1988. Sem embargo, na própria Constituição de 1988 subsistiram o que eu chamo de “cacos” da ditadura. Nestas condições, a democracia “realmente existente” no Brasil, apesar dos avanços registrados, é ainda muito lacunar. Assim, suas condições para enfrentar crises políticas sérias ainda são precárias e sujeitam o país a incertezas, o que, aliás, a rigor, caracteriza sempre qualquer tipo de regime democrático.

P. Quais seriam as consequências da destituição da Dilma para o Brasil?

R. O impeachment é um recurso antidemocrático e elitista. Mas é legal, está inscrito na Constituição brasileira e a ele recorreram repetidas vezes, no passado recente, o PT e seus aliados. O recurso democrático de revogação de um mandato é o chamado “recall”, quando o povo é chamado a confirmar, ou não, um mandato. Infelizmente, tal recurso não existe na lei brasileira e por ele não lutaram nem as direitas nem as esquerdas. Assim, salvo quando há uma quase unanimidade, como foi o caso na deposição de Collor, em 1992, o impeachment é sempre um episódio traumático, suscitando ressentimentos e divisões que perduram no tempo. Se Dilma for deposta, um novo Governo, qualquer que seja ele, enfrentará grandes questionamentos, porque não será visto como legítimo por uma parte importante da opinião pública. Além disso, para enfrentar a crise econômica, que tem uma certa autonomia em relação à crise política, o novo Governo deverá tomar medidas que contrariarão interesses sociais e políticos, envenenando ainda mais a atmosfera.

P. Nos últimos anos, o Brasil viu proliferar várias manifestações de rua. Mas há um esforço dos dois lados em tentar desqualificar os movimentos adversários. Para onde eles caminham?

"O impeachment é um recurso antidemocrático e elitista. Mas é legal"

R. Penso que manifestações públicas, sobretudo em épocas de crise, contribuem para vitalizar e dinamizar o regime democrático. [...] No desdobramento de 2013, as direitas assumiram uma posição mais ativa e agressiva, decepcionadas com os resultados eleitorais de 2014. Quanto às esquerdas, ficaram paralisadas e desorientadas em virtude do estelionato eleitoral cometido pela presidenta eleita. No entrechoque de ideias, no contexto da crise econômica e política, setores do centro político foram capturados pelas direitas, o que se tem revelado na força das manifestações contra o Governo. Mas este padrão pode se inverter, ainda não está consolidado. Mais recentemente, as esquerdas, mesmo que muitos setores não gostem do Governo, estão apresentando uma notável capacidade de articulação e mobilização. Ainda estamos num estágio muito preliminar da crise. Se ela não for resolvida por um pacto de elites, na tradição brasileira, é provável que o quadro esboçado acima ainda sofra muitas reviravoltas.

P. Há setores da sociedade que defendem novas eleições, num movimento "Nem Dilma, Nem Temer". Seria uma opção viável?

R. As condições para a realização de novas eleições presidenciais dependem do julgamento do TSE, previsto para o segundo semestre e de resultado incerto. Ou de uma dupla cassação – de Dilma e de Temer –, altamente improvável, pelo menos no horizonte imediato. Quanto à proposta de eleições gerais, em todos os níveis, até este momento, só animou setores minoritários das esquerdas. Se a crise agravar-se de forma profunda, pode ser que apareça como alternativa, mas ainda não chegamos lá. Para mim, uma profunda e real reforma política seria mais importante que novas eleições, pois estas, sem prévia reforma, tenderiam a reproduzir um quadro semelhante ao atual. Agora, é evidente que uma reforma real e profunda tem como pressuposto amplos movimentos sociais animados por plataformas políticas claras. Também ainda não chegamos lá.

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