Na guerra jurídica do impeachment, STF pode, de novo, ter palavra final
Especialistas dizem que decisão de Maranhão tem argumentos fortes, mas há divergência sobre alcance
Nesta segunda-feira o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), anunciou sua decisão de anular as sessões da Casa que aprovaram a aceitação do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS apontam que parte dos argumentos usados pelo parlamentar em seu despacho tem fundamento jurídico, mas eles divergem quanto à autoridade do parlamentar para adotar a medida de invalidar as votações da Câmara e também sobre a prerrogativa ou não do Senado de seguir o rito à revelia do decidido pelo maranhense. Em última instância, o Supremo Tribunal Federal, tantas vezes acionado nesta crise, pode ter a última palavra.
Existe a expectativa de que os deputados de oposição entrem com recurso no plenário da Casa para reverter a decisão - bastaria uma maioria simples para que a decisão de Maranhão seja derrubada. Além disso, parlamentares já disseram que devem entrar com mandado de segurança no STF para invalidar o ato de Maranhão.
Marcelo Cattoni, professor de direito constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que “o argumento do presidente interino da Câmara é, em ultima análise, o de que houve a violação do devido processo a ser seguido na Casa”. Segundo ele, isso justificaria a anulação das sessões. Ele aponta que houve, entre outros equívocos no processo, um erro técnico no momento em que o resultado da votação foi enviado ao Senado por ofício e não por resolução. “A comunicação do resultado por resolução é um ato normativo que está previsto no regimento interno da Câmara, e foi o procedimento seguido no caso do impeachment de Collor em 1992”, afirma. O modelo processual utilizado no afastamento do ex-presidente Collor tem sido adotado como base para muitas das decisões da Câmara e do Supremo Tribunal Federal com relação ao atual pedido de impedimento de Dilma.
Para ele, outro ponto forte da decisão de Maranhão é com relação ao fato de que a defesa da presidenta deveria ter se manifestado por último tanto na comissão especial que analisou o caso como no plenário, e não foi o que ocorreu. “É direito da defesa falar por último, é um principio processual consagrado no direito brasileiro, e é parte do modelo do sistema acusatório”, afirma o professor. Para ele, “se não for assim, a defesa não se realiza”.
Thomaz Pereira, professor de direito da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, não acredita que a inversão do rito de defesa seja motivo suficiente para que as sessões sejam anuladas. De acordo com ele, o STF já se manifestou anteriormente com relação a recursos da Advocacia Geral da União segundo os quais não estaria havendo direito à ampla defesa. “Em sua última manifestação sobre o assunto o Supremo não identificou vícios que poderiam ser identificados como cerceamento de defesa”, afirma.
De acordo com Pereira, o argumento mais forte da decisão de Maranhão seria com relação aos partidos terem fechado questão com relação à orientação de seus deputados no momento da votação. “O fechamento de questão por parte dos partidos é normal para questões políticas, mas esse caso era um julgamento”, diz o professor. “Em momentos nos quais a Câmara deve se comportar mais como um tribunal do que um Legislativo, a imposição e uma orientação por parte das legendas é extremamente inadequado”, afirma.
Mozart Vianna, ex-secretário da presidência da Câmara e assessor de Michel Temer, critica a decisão e Maranhão. “Uma votação você questiona dentro da votação, assim que ela foi finalizada, apurada e, ainda por cima, encaminhada para outra Casa... [Agora] não dá para fazer mais nada”. De acordo com ele não haveria, no regimento da Câmara, previsão para que as sessões sejam anuladas. De qualquer jeito, Vianna acredita que, independentemente se Calheiros acatará ou não a decisão de Maranhão, a questão deve ser levada para o STF. "Se aceitar a anulação da votação, vai ter questionamento no Supremo. Se não aceitar e o processo seguir o rumo, também deve haver questionamento", diz.
Para Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), não poderia ler o relatório final aprovado pela comissão especial da Casa que aceitou o pedido de impeachment. A leitura do texto seria o primeiro passo para que o plenário fizesse a votação, na quarta-feira, que pode afastar Dilma do cargo por até 180 dias, antes que houvesse uma votação final. “O correto seria que ele aguardasse o desfecho desta questão na Câmara”, diz Queiroz. Isso garantiria segurança jurídica ao processo, uma vez que impediria eventuais recursos da AGU ao Supremo.
Para Cattoni, professor da UFMG, “se o Renan disser que não são nulas [as sessões], abre-se possibilidade para que a defesa de Dilma questione uma eventual não devolução dos autos para a Câmara perante o STF”. “Gostaria de ver com que fundamentos o presidente do Senado pode não remeter as autos de volta, uma vez que Maranhão anulou tudo aquilo que foi determinado”, diz.
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