Choque de sentenças do STF no caso Temer expõe risco de ações individuais
Após decisão de Marco Aurélio por análise de impeachment de vice, Celso de Mello decide o contrário
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu na terça-feira obrigar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a dar encaminhamento ao pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer (PMDB). Menos de 24 horas depois, seu colega Celso de Mello analisando caso semelhante avaliou que não cabe ao Judiciário se envolver na questão. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS divergem sobre os limites de intervenção do Supremo no trâmite de destituição da Câmara, mas concordam que decisões individuais dos magistrados, e não colegiadas, em relação a temas tão sensíveis adicionam um ingrediente perigoso à já complexa crise política.
Na terça-feira, Marco Aurélio entendeu que Cunha não poderia ter analisado o mérito da denúncia contra Temer, e sim apenas seu aspecto formal. Em sua decisão de arquivamento, por sua vez, Cunha cita jurisprudência do próprio STF para dizer que ele poderia analisar "aspectos substanciais" dos pedidos. Celso de Mello apenas diz que isso é assunto interno da Câmara.
O jurista Walter Maieróvitch é contrário à decisão de Marco Aurélio e se alinha a Celso de Mello. “O impeachment de quem quer que seja é um processo político, e não do Judiciário, trata-se de uma questão interna do Legislativo”, afirma. De acordo com ele a decisão de Marco Aurélio é equivocada, uma vez que o Supremo só poderia interferir em questões de legalidade: “Cunha, como presidente da Câmara e eleito por voto popular, tem a autonomia para tomar essa decisão [de arquivar ou não o pedido contra Temer]”.
O cientista político e especialista em Judiciário Leon Victor de Queiroz concorda que a prerrogativa constitucional é do presidente da Câmara, daí o superpoder que ele acumula em uma crise política como a atual. "Vamos analisar impeachment toda vez que eles forem apresentados? Isso pararia o Legislativo", diz ele, que é professor-adjunto de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Queiroz argumenta ainda que, mesmo que tivesse visto problemas no arquivamento de Cunha, o ideal seria que ele apontasse "desvio de discricionaridade" - o presidente da Câmara agiu de maneira diferente em caso semelhante em se tratando de um aliado, o vice -, e não ordenasse diretamente um trâmite na Câmara.
Excesso de poder
Thomaz Pereira, professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, não segue seus colegas especialistas. Para ele, o Supremo deve, sim, intervir para limitar a própria jurisprudência da Corte citada por Cunha que dá poder ao presidente da Câmara para negar ou aceitar pedidos de impeachment para além das questões formais. Em sua leitura, a jurisprudência que existe para evitar um acúmulo de pedidos de impeachment e comissões correspondentes para analisá-los serve para períodos de "normalidade", mas não para a atual crise onde os riscos da expansão dos poderes de Cunha são evidentes.
Pereira e Queiroz concordam num ponto: Marco Aurélio não deveria ter decidido de maneira individual. “O Supremo pode sim, constatada uma decisão ilegal da presidência da Câmara, intervir. Mas é problemático que um ministro faça isso via decisão monocrática [sozinho]”, afirma o professor de Direito da Faculdade Getúlio Vargas. Segundo Pereira, o fato do magistrado ter tomado uma decisão sem a concordância dos demais membros da corte pode gerar insegurança jurídica com relação ao caso no futuro. “O caso é polêmico, e teria sido melhor se a questão tivesse sido discutida no plenário do STF, para que se chegasse a uma unanimidade.”
Para Pereira e para Queiroz, esse não é um problema e exclusivo de Marco Aurélio. "É uma prática comum do Supremo ministros decidirem monocraticamente, isso é algo complicado. Pode ser problemático. Gilmar Mendes agiu de forma semelhante ao determinar que o ex-presidente Lula não poderia assumir a Casa Civil", afirma. Leon Victor de Queiroz observa ainda outro fator complicador: para ele, os ministros citados "têm falado demais", o que pode comprometer a imagem deles e da instituição em meio à crise.
Nesta quarta, Cunha, apesar dos veementes protestos contra a decisão de Marco Aurélio, tomou as primeiras medidas para encaminhar o pedido de impeachment de Temer. O movimento foi lido como forma de não irritar o Supremo que tem em suas mãos para análise um pedido de afastamento de Cunha do cargo feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ainda no ano passado. "O afastamento do presidente da Câmara seria um ato severo. O pedido é uma reserva estratégica. Ou seja, o processo está de molho para ser usado como forma de coação em caso de excessos", diz Queiroz.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.
Mais informações
Arquivado Em
- Eduardo Cunha
- Crises políticas
- Michel Temer
- STF
- Vice-presidente Brasil
- Impeachment
- Justiça Federal
- Destituições políticas
- Presidência Brasil
- Atividade legislativa
- Tribunais
- Conflitos políticos
- Brasil
- Governo Brasil
- Parlamento
- Poder judicial
- América do Sul
- América Latina
- Governo
- América
- Administração Estado
- Política
- Administração pública
- Justiça