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Obama: jantar com tango, sindicalistas e ex-kirchneristas

Interesse pelo presidente dos EUA fez com que oposicionistas e líderes sindicais fossem à festa

Carlos E. Cué

Durante os anos em que o kirchnerismo governou a Argentina, os EUA eram não só o inimigo como também um dos eixos dos discursos de Cristina Fernández de Kirchner e seus seguidores. Mas, na hora da verdade, quando Barack Obama visitou Buenos Aires, muita gente que pertenceu ao entorno kirchnerista e hoje está distanciada da ex-presidenta se entusiasmou com a possibilidade de compartilhar um jantar com o presidente norte-americano. Como se fosse pouco essa foto de líderes da oposição peronista e conhecidíssimos dirigentes sindicais junto ao líder do “império”, o jantar foi organizado na cúpula do Centro Cultural Kirchner, um luxuoso edifício restaurado pelo Governo da ex-presidenta a um custo de 240 milhões de dólares (888,7 milhões de reais, pelo câmbio atual) e dedicado a seu marido, que morreu em 2010. A cúpula do antigo Palácio dos Correios, a poucos metros da Casa Rosada, foi transformada em uma abóbada de vidro, ideal para cerimônias como o jantar oficial oferecido por Mauricio Macri ao casal presidencial dos EUA.

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Barack e Michelle Obama conseguiram monopolizar todas as imagens de televisão ao dançar um tango com Mora Godoy e José Lugones, dupla de bailarinos muito conhecida na Argentina. A capacidade do presidente norte-americano de acompanhar os passos e as imagens da bailarina abraçando-se a Michelle depois de concluir a breve dança são repetidas em loop por todos os canais de televisão do país, o que sem dúvida melhorará a já excelente imagem do casal Obama entre os argentinos. O presidente dos EUA vinha bem instruído por sua equipe e não só repetiu várias vezes que havia provado mate – e gostado muito – como também fez um brinde em espanhol com a frase final do hino argentino: “Ao grande povo argentino, saúde”.

O jantar estava repleto de detalhes simbólicos, e não foi uma mera atividade social, e sim um gesto político claro de apoio total a Macri. Por isso, tem consequências políticas ao mostrar a ruptura definitiva entre o kirchnerismo puro, que mantém a linha tradicional de choque com os EUA e rejeição total ao pacto com os fundos abutres, por exemplo, e que esteve ausente no jantar, em contraposição ao peronismo ex-kirchnerista e aos principais sindicatos, que optaram por se aproximar de Macri ao menos enquanto ele se mantiver forte nas pesquisas de opinião.

Lá estavam os governadores peronistas mais destacados, como o de Salta, Juan Manuel Urtubey, que aspira a liderar a oposição peronista. Mas não havia sinal de Alicia Kirchner, irmã de Néstor, governadora da província de Santa Cruz e também convidada. Sua ausência comprova essa divisão. Quem estava lá era o líder do peronismo no Senado, Miguel Pichetto, que optou por uma crucial posição moderada, já que é na Câmara Alta que Macri está mais claramente em minoria, o que não o impedirá de aprovar o acordo com os fundos abutres, por exemplo.

Mais chamativa ainda, no entanto, foi a presença dos sindicalistas peronistas mais veteranos, em teoria a antítese de Macri e dos EUA, mas visivelmente deslumbrados no jantar de ontem. Sua mera presença deixa um pouco deslocado o mundo kirchnerista, que mantém suas críticas visíveis. Entre os presentes estava Hugo Moyano, o todo-poderoso líder dos caminhoneiros, Luis Barrionuevo, Momo Venegas, Antonio Caló, todos eles líderes quase vitalícios e com muitos escândalos nas costas, mas ainda no centro da política de um país onde os sindicatos são imprescindíveis para qualquer negociação. Todos prestaram homenagem ao líder dos EUA, enquanto a ainda chefa do kirchnerismo, Cristina Fernández de Kirchner, via de seu retiro, na longínqua El Calafate, a joia da sua coroa, o Centro Cultural Kirchner, ser usado para uma ruptura simbólica com seu legado e sua política externa.

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