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Will Smith: “Sou o sonho americano”

Em ‘Um homem entre gigantes’, ignorado no Oscar, o ator volta ao drama e vive um médico nigeriano

Will Smith, na redação do EL PAÍS.Vídeo: BERNARDO PÉREZ / TRÁILER
Gregorio Belinchón
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Will Smith fez um pacto com o diabo. Não é possível que, aos 47 anos, alguém mantenha esse ar juvenil, só salpicado por um ou outro cabelo grisalho. Na verdade, sim, pode ser: eis aí Smith. Já se passaram 20 anos desde Um maluco no pedaço, mas seu rosto não mudou muito. Nem seu coração, pois ele garante que o rapper continua aí, “na batalha”.

Sua carreira é que teve várias guinadas. O ator engraçado daquela comédia, de Independence Day e de Bad boys sempre buscou oportunidades dramáticas para poder demonstrar seu valor artístico. Às vezes, teve sorte – vide Seis graus de separação, Inimigo do Estado, Eu, robô, Ali, Eu sou a lenda e Hancock. Em outras se deu mal: Um conto do destino, Lendas da vida, Sete vidas, À procura da felicidade e Depois da Terra causam um pouco de vergonha alheia. Um homem entre gigantes, que estreia no Brasil em 3 de março e só na Espanha já arrecadou 1,1 milhão de euros [4,8 milhão de reais], é seu mais novo esforço na busca pela seriedade. Smith foi um dos afetados pelo branqueamento do Oscar, e sua mulher, Jada Pinkett, é uma das líderes no protesto que pede mais diversidade ética à Academia Cinematográfica de Hollywood.

Sobre isso, Smith comenta: “Tudo na vida está em mudança perpétua. Não dá para você ficar parado, porque o universo muda. O processo de crescimento e de criação em Hollywood precisa estar relacionado com a beleza da diversidade norte-americana, que nunca para de crescer. Aplaudo a rápida resposta da Academia e suas propostas, mas é um processo que não pode ser dado como encerrado, porque a cada dia a vida muda. Falo de um mundo, o do cinema, que deveria basear suas decisões sobre o aspecto criativo, então não acredito em um sistema de cotas, e sim numa abertura coletiva e em querer compartilhar e saber do outro. As cifras e os números não são tão relevantes quanto a abertura de caminhos para todos os criadores”.

A polêmica sobre o Oscar acabou deixando em segundo plano a trama de Um homem entre gigantes, que aborda a história real de Benneth Omalu, um médico legista nigeriano, radicado em Pittsburgh (EUA), que demonstrou que os repetidos golpes na cabeça sofridos pelos jogadores de futebol americano provocavam – e continuam provocando – danos cerebrais em 25% dos atletas profissionais, que acabam sofrendo de demência. Trata-se da CTE, encefalopatia traumática crônica. “Foi uma filmagem complicada, porque os familiares dos personagens reais, inclusive do próprio Omalu, estavam presentes nas locações. Filmamos inclusive nos mesmos lugares de Pittsburgh. Estávamos cercados por uma grande responsabilidade, uma pressão enorme. Entretanto, também havia um agradecimento por estarmos contando essa realidade”. Não foi a primeira vez que Smith interpretou no cinema um personagem baseado numa pessoa real. “Recolho a minha própria informação, construo meu papel e, quando tenho a confiança adequada, encaro o personagem real”, diz Smith, descrevendo seu processo de preparação.

No caso do Omalu, hoje com 47 anos, o ator prestou muita atenção à voz. “Escutei tudo o que pude dele. Benneth foi extremamente amável. Aqui cabe reconhecer que era a única pessoa em condições de descobrir que os dirigentes da Liga Americana [de futebol americano] estavam escondendo o problema das lesões cerebrais, porque, sendo imigrante, não estava intoxicado por um possível amor desmedido por esse esporte… Como o que eu sinto, por exemplo. Agora nos parece óbvio que, se golpearem a sua cabeça constantemente, alguma coisa vai ocorrer, e no entanto só o dr. Omalu descobriu isso.”

“Parte da dor e da beleza do sonho americano é que todo mundo pode levantar sua voz e dar sua opinião.”

A opinião de Smith sobre o futebol americano não mudou muito: “Meu filho mais velho é jogador, eu continuo amando esse esporte, o maior de todos. Sempre será lindo. Minha esperança é que haja mudanças suficientes para que seja possível praticá-lo sem preocupação”.

Smith usa uma camiseta justa. Não há gordura em seu corpo musculoso. Continuam aí suas orelhas de abano, que acrescentam um aspecto ainda mais divertido ao seu rosto risonho. A voz ganhou em profundidade. E sua mensagem, em reflexão: “Uma das melhores virtudes de Um homem entre gigantes é que nos faz recordar, através do dr. Omalu, do que os EUA são feitos: de imigração, de luta, de desejos. Eu sou o sonho americano, sou o melhor exemplo de alguém que, saindo muito de baixo, atinge o topo. Sou o exemplo de uma carreira que só pode acontecer nos Estados Unidos. E essa trajetória me orgulha. Por isso, me ofende quando um norte-americano macula esse sonho americano, encaro isso de forma pessoal. E, como sou o exemplo, tento que os demais não se esqueçam de onde viemos e aonde devemos ir”.

Refere-se com isso aos ataques de Donald Trump aos imigrantes? “Parte da dor e da beleza do sonho americano é que todo mundo pode levantar sua voz e dar sua opinião. Mesmo que às vezes você não queira ouvir. Isso traz à tona todas as nossas belezas e as nossas misérias. Precisamos ter claro, como uma grande família norte-americana, para onde queremos ir, o que queremos ser”. Dito isso, começa a rir – e essa gargalhada dá mais pistas do que seu discurso.

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