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A crise do ‘Oscar branco’ põe Hollywood no divã

Organização realiza mudanças internas drásticas em seu funcionamento Há receio de que se amplie o boicote anunciado pelo casal Smith e Spike Lee

Pablo Ximénez de Sandoval
A presidenta da Academia de Cinema, Cheryl Boone Isaacs, na segunda-feira em Los Angeles.
A presidenta da Academia de Cinema, Cheryl Boone Isaacs, na segunda-feira em Los Angeles.Unique Nicole (FilmMagic)
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“Boicote ao Oscar é racismo contra os brancos”, diz indicada a melhor atriz

A crítica à Academia de Cinema de Hollywood pela falta de indicados de raça negra este ano está se transformando em crise. Pela primeira vez, desde que foram anunciadas as indicações no último 14 ninguém fala sobre as apostas, só sobre as raças. A capa do jornal local no dia seguinte era um mosaico de 20 rostos brancos, os indicados a melhor ator/atriz. O problema de imagem é enorme para uma indústria que conta histórias aos Estados Unidos e é a principal imagem desse país no mundo, e já causou uma forte reação sem precedentes: na quinta-feira à noite, seu Conselho de Diretores aprovou mudanças drásticas que afetarão sua composição nos próximos anos. O objetivo é que, até 2020, o número de mulheres e representantes das minorias tenha dobrado entre os mais de 6.200 membros.

Em um comunicado divulgado sexta-feira de manhã em Los Angeles, a Academia explica que na quinta-feira à noite sua diretoria aprovou, por unanimidade, terminar com o direito de voto vitalício de seus membros. A partir de agora, o direito de voto nos prêmios vai durar 10 anos e será revogado se a pessoa não tiver se mantido ativa nesse período. O direito de voto será vitalício se tiver sido renovado três vezes. Isso se aplica retroativamente a todos os atuais membros (mais de 6.200). Para aumentar a diversidade em seus órgãos de direção imediatamente, foram criados três novos postos de diretoria que serão propostos pela presidenta.

A polêmica se tornou perigosa após o anúncio da atriz Jada Pinkett Smith de que não vai comparecer à cerimônia em protesto pela falta de diversidade. Pinkett Smith é casada com um dos astros mais rentáveis do mundo, Will Smith. Smith é um dos poucos atores negros (junto com Denzel Washington) que pode fazer qualquer tipo de personagem em drama, ação ou comédia sem transformar o produto em um filme de negros. Indicado duas vezes, este ano aspirava a prêmios por sua atuação em Um Homem entre Gigantes. Que uma estrela deste calibre tenha se somado ao boicote, junto com uma lenda como o diretor Spike Lee (Oscar honorífico no ano passado e indicado duas vezes) é o que disparou o alarme.

Will Smith e Jada Pinkett Smith, no Oscar de 2014.
Will Smith e Jada Pinkett Smith, no Oscar de 2014.Jordan Strauss/Invision/AP

Os críticos não estão livres de críticas e a polêmica parece ter entrado em uma espiral sem controle. A atriz Charlotte Rampling, indicada ao Oscar este ano, disse em Paris que o boicote “é racismo contra os brancos. É difícil saber se é o caso, mas pode ser que os atores negros não mereciam estar na reta final”. A atriz Janet Hubert (a tia de Will Smith na série Um Maluco no Pedaço) disse que Pinkett “está apenas brava porque seu marido não foi indicado”. O ator britânico Michael Caine disse à BBC que “não dá para votar em um ator só porque ele é negro”. “Vai chegar”, disse ele como mensagem aos atores negros. “Levei anos para conseguir ganhar um Oscar”.

A ideia de que o Oscar é uma premiação de brancos para brancos nos quais de vez em quando aparece um detalhe de cor há anos é comentada. “É um sintoma de um problema maior, que é o sistema de produção de filmes em Hollywood”, declarou a atriz negra Viola Davis. O que mais acirrou as críticas esse ano não é somente o fato de não existirem intérpretes negros indicados, mas que havia de onde escolher. Straight Outta Compton: A História do N.W.A, por exemplo, talvez o único filme da temporada com elenco negro e enredo negro. Todos os seus protagonistas são negros, o diretor é negro, uma música que entrou com toda a força na cultura da época... a única indicação é do roteiro, assinado por brancos.

Ou o excelente Creed – Nascido para Lutar, a revisão do clássico Rocky: Um lutador quatro décadas depois. A interpretação de Sylvester Stallone é muito emocionante, sem dúvida merece reconhecimento (recebeu o Globo de Ouro com a elite de Hollywood aplaudindo de pé). Mas é a única indicação de um filme no qual o diretor é negro, o roteirista também, e divide a tela com um magnífico protagonista negro, Michael B. Jordan, que ambiciona o estrelato. Stallone foi o único a chamar a atenção dos membros da Academia nesse filme?

A indústria de Hollywood não se parece com os Estados Unidos. Tem sua própria composição demográfica, como Wall Street. A Academia não fornece dados sobre a composição racial de seus membros, mas uma investigação do Los Angeles Times concluiu em 2012 que 94% dos eleitores são brancos, 77% são homens e a média de idade é de 62 anos. Os Estados Unidos têm 62% de sua população branca de origem europeia, 13,2% de negros, 17,4% de hispânicos e 5,4% de asiáticos.

O problema é que as regras internas da instituição sempre tornaram a mudança muito difícil. Seus membros foram eleitos por uma indústria branca, que faz filmes de brancos. Eles se comovem com histórias de brancos e as premiam. Esses indicados e ganhadores são os que depois entram na Academia e fazem com que a situação se repita ao longo dos anos. A presidenta da Academia, que é uma mulher negra, Cheryl Boone Isaacs, disse no dia 18: “Estou chateada e frustrada pela falta de inclusão (entre os indicados). Essa é uma conversa difícil e importante e é chegada a hora de grandes mudanças.

As críticas da comunidade negras são únicas em relação as outras minorias. Na sede da indústria do cinema, Los Angeles, a proporção de hispânicos é de 48% e a de negros 9%. Literalmente, as possibilidades de que o protagonista de qualquer história que se passe na cidade (incluindo um atentado do EI) seja hispânico é de um a cada dois. Até mesmo em Compton, que não tem nada a ver com o bairro que era há 25 anos. Como disse o próprio Chris Rock em uma entrevista ano passado: “Esqueça o fato de se Hollywood é negra o suficiente. Uma pergunta melhor é: Hollywood é mexicana o suficiente? Estamos em Los Angeles, para não contratar mexicanos é preciso se esforçar. É a cidade mais progressista do mundo e existe uma parte dela que é racista”.

Chris Rock já deixou clara sua posição sobre o racismo em Hollywood (“é uma indústria branca e pronto"). Meses depois aceitou o desafio de apresentar o Oscar novamente após uma década. Agora, enfrenta a pressão de quem o vê como a nota de cor de exculpação da Academia. O rapper 50 Cent, entre outros, pediu publicamente para que renuncie. A atriz Whoopi Goldberg, que também apresentou a cerimônia, disse que “boicotar Chris é tão ruim quanto o resto”. “Todos os anos temos essa conversa e isso me aborrece”, disse Goldberg, que pediu aos fãs que boicotem os filmes que não gostarem, mas não o Oscar.

Até mesmo John Singleton, o primeiro negro indicado a melhor diretor (Os Donos da Rua), opina na Variety que os indicados não dependem da raça: “Um ou outro filme poderia ter atraído mais atenção, mas é subjetivo. É como a loteria”. Rock ainda não se pronunciou. Em somente cinco dias de polêmica as regras da Academia já mudaram. Falta mais de um mês para a cerimônia, dia 28 de fevereiro no teatro Dolby de Hollywood.

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