Precisamos falar sobre ex
O inevitável assunto da semana é ex. Não há passado que não condene. Vamos nessa
Óbvio que o folclore machista privilegia as histórias sobre ex-mulheres em fúria, tomadas pelo rancor, ressentidas, essas indomáveis “megeras” etc, zzzzzzzzz, etc etc. Tenho ouvido mais enredos sobre ex-maridos descontrolados que não aceitam o “the end” nos créditos do filme caseiro. Outro dia, em Juazeiro do Norte (CE), testemunhei um violento ex, proibidão de voltar ao lar doce lar, que desceu pelas telhas da casa, indesejável homem-goteira.
O inevitável assunto da semana é ex. Não há passado que não condene. Vamos nessa.
Não há vida dramática sem ex. Talvez o único grande defeito do primeiro amor sejam dois: a ausência da sombra dos exs e a curiosidade sobre os futuros amores. Mesmo sofrimento notei ao ler os imperdíveis Diários de Adão e Eva (editora Hedra, SP), do meu amigo das vidas passadas Mark Twain. Pense na falta: a referência do(a) ex como lição de amorzinho comparado.
Onipresente ex. Com ou sem pensão polêmica. Dá treta até com guarda compartilhada de cães. A política, ave, sempre foi farta de tal novela. À esquerda, ao centro, à direita. Do “sapo barbudo” —como o então candidato Lula era conhecido na eleição de 1989— ao “Príncipe da Sociologia”, alcunha afetiva adotada pelos xeleléus mais antigos do ex-presidente FHC.
As duas exs, coincidentemente, se chamam Miriam. Ambas trataram da mesma questão. A Cordeiro, contratada pela campanha de Fernando Collor, acusou o petista de propor aborto na gravidez da filha Lurian. A Dutra relata agorinha, em entrevista à Folha, que o tucano teria bancado abortos. Não botarei minha colher rasa nessa parada. Duas mulheres mais competentes e colegas aqui neste EL PAÍS Brasil trataram sobre aborto e hipocrisia. Fecho com elas. Recomendo os textos de Carla Jimenez e Eliane Brum, faz favor.
O mais cabe ao Ministério Público, Receita e Polícia Federal, espero que sempre alertas, como no mantra dos escoteiros, investigarem as maracutaias sopradas por exs de autoridades públicas. Todo apoio.
Tipos de ex
Treta política à parte, voltemos à crônica de costumes. Que tipo de ex tem sido você ao longo da vida? Juro que sou do tipo que sempre quero voltar, embora saiba, depois de alguma análise, que o mais certo é viver o luto e, sabe-se lá, bola pra frente... Sim, às vezes enchemos o saco da moça. Há que haver sabedoria, meu caro, para não ser violento. Para não ser o corno-goteira que desce pelo telhado.
Quanto dura um(a) ex? Carinhosamente, às vezes a gente lembra de todas
Na minha humilde receita, sempre funcionou encher a caveira, ouvir umas canções de tristeza, do Odair ou do Chico, do Júlio Iglesias ou do Leonard Cohen... Blasfemar aos céus, xingar a desalmada, chorar no ombro do garçom amigo —cadê você, Ailton?— também são bons calmantes.
Epa, amo essa do Iglesias:
“De tanto correr pela vida sem freio me esqueci que a vida se vive num momento. De tanto querer ser em tudo o primeiro me esqueci de viver os detalhes pequenos.
De tanto brincar com os sentimentos vivendo de aplausos envoltos em sonhos, de tanto gritar as canções ao vento, já não sou o que fui; hoje eu vivo e não sinto.”
Ex vingativo (a)
Tem ex, porém, que não se conforma. Vingativo(a). Ok, se mata ou se faz besteira por amor desde a idade do cuspe. Em Shakespeare e Nelson Rodrigues. Com as redes sociais, porém, o babado ficou mais forte. O ciúme —maior narrador do planeta— ampliou a sua capacidade, real ou fictícia, de contar uma história. Quem não foi personagem dessa novela?
Ex lesado
Que tipo de ex tem sido você ao longo da vida? Juro que sou do tipo que sempre quero voltar
Há ex que sabe que não merecia mesmo mais a pessoa amada. Por duas razões: por ser sacana e canalha de fato ou por absoluta preguiça sentimental –mal que acomete milhões de marmanjos de hoje. Até gostava, mas preferia ficar em casa vendo América X Bangu, um seriado no Netflix... Até dormir se masturbando com os nudes enviados por alguém que ele pode transar, mas vai esquecer, na maior leseira e preguiça, na manhã seguinte.
Ex fofo(a)
Na maciota, naquele jeitinho civilizado, ele(a) paga de bonzinho ou boazinha. Que fofolete. Haja fingimento. Desejo o melhor para você com outro(a), se brincar fica até amigo(a) da nova figura que entrou na história. Se brincar, opa, aparece no próximo churrasco, vai ao show preferido dos dois etc etc. Aquela coisa! Não julguemos ainda. Até, lógico, o barraco que estraga tudo.
Ex e prazo de validade
Quanto dura um(a) ex? Carinhosamente, às vezes a gente lembra de todas. Dependendo das datas, de uma madeleine, aquela comida ou cheiro comum que proustianamente nos lasca e faz retornar no tempo, tudo será farejado; há um indomável cão dos diabos na ideia amorosa, por toda a vida. Isso não quer dizer que você vai pagar pau e ser escravo da memória. Vai tomar uma e acender os olhos do velho Quincas Berro d'Água, sem sofrimento, e vale a bela lembrança. Viver talvez seja o inevitável conjunto disso. Quem é este cronista para saber de nada além do que copia dos diálogos da caverna platônica e dos versos do cego Aderaldo!
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo (editora Fina flor), entre outros livros. Na TV, é comentarista dos programas Amor & Sexo (Globo) e Papo de Segunda (GNT).
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