Etiqueta amorosa no Carnaval
Ou breve guia romântico de comportamento dos casais no Carnaval, a festa da perdição
No Recife/Olinda, em Salvador e no Rio o Carnaval de rua já começou faz tempo. Neste final de semana, o Brasil inteiro se junta na folgança. Somos cada vez melhores em adiar as coisas sérias e em antecipar a sacanagem. (Ei, você aí que franziu as rugas da prudência, pergunto: se por ventura, do dia para a noite, virássemos um país sério, tenso e casmurro, resolveríamos nossos males?).
Necas de pitibiribas. Pouca saúde e muita zika os males do Brasil são. Fico com Oswald de Andrade, o poeta antropofágico de todas as comilanças: “A alegria é a prova dos nove”. E basta de sociologia de botequim. Que soem os clarins de Momo. A preocupação deste cronista de costumes é com a sobrevivência dos laços amorosos nas cinzas da quarta-feira ingrata.
Nunca fui um folião de responsa, prefiro a festa permanente do ano inteiro. Recorri, porém, ao conhecimento catedrático de amigos e profissionais, para compor estas breves recomendações:
A estratégia manjada de forçar uma separação antes da folia de Carnaval não vale.
A não ser que seja de comum acordo, o que é raro. De lascar é quando você puxa a D.R., a mitológica discussão de relação, e o(a) outro(a) concorda no primeiro instante: “É isso aí, estava na ponta da língua para te falar, melhor a gente se separar mesmo!”.
Algemas na carne
Diante dos sinais das “más intenções” de ambos, normalmente o casal é tomado pelo ciúme assassino. Melhor pular juntos. Que tal uma fantasia de presos da Lava Jato? É só algemar o braço de um no outro e evitar a delação premiada. Pode até levar um amigo mascarado de Japonês da Polícia Federal. Vale também um Cerveró —um olho fiscalizando as saliências da cintura para cima; outro da cintura para baixo.
Essa onda de fantasias que se completam ajuda bastante a manter os pombinhos unidos e, de certa forma, menos alvejados pela invasão bárbara dos solteiros e tarados na tocaia. Sei que estou sendo bastante cândido e otimista em relação ao bacanal das ruas, mas fantasias complementares de Adão e Eva, por exemplo, revelam, de cara, um par romântico comprometido. Tarzan e Jane, idem, Batman & Rob etc etc.
Em nome do amor
Sim, ingênuo cronista, parece que não bebe, não fuma e desconhece a loucura que reina nos blocos de Carnaval? É verdade. Desculpa, sei que estou muito romântico nessa intenção de preservar o amor dos lares doces lares.
Vestidos de diabinhos, outro clássico dos foliões, esqueça. Fica muito explícito que o casal está aberto às tentações e safadezas naturais do período. Mascarados, meu santíssimo Marquês de Sade, é perversão pura. Nem os amigos e colegas de trabalho sabem de quem se trata. Nem aquele respeito preliminar se estabelece.
O ideal seria, de comum acordo, cada um fazer o que bem entendesse.
O ideal. Quem disse que amor tem a ver com situação idealizada? Não é qualquer namoro ou casamento que pressupõe essa civilidade sueca. Não mesmo. Imagina o rastreamento nas redes sociais para saber o que cada um aprontou na poeira dos blocos? Com essa vida em que se fotografa até pensamento, impossível ficar impune.
Chifre de carnaval
Existe traição na festa momesca? Pular a cerca, esse esporte olímpico nacional, pode ser considerado grave mesmo na folia das ruas? Realmente temos que dar um desconto na cartilha moral, não acha?
Essa onda de fantasias que se completam ajuda bastante a manter os pombinhos unidos
Há quem se arrisque a dizer que chifre de Carnaval não dói. Não vale. Sai rapidinho como a mancha usada para ungir a testa dos católicos na quarta de Cinzas. Passa como passa a ressaca. O casal volta ao seu pão-com-manteiga da rotina como se nada tivesse acontecido. Rola o beijo com a boca de café e estamos quites. Duvido.
Tipos de casais
Estamos falando dos casais normais, evidentemente. Existem pombinhos mais libertinos que se jogam, espíritos livres, formando inclusive triângulos, retângulos, hexágonos e todo o estoque da geometria da sacanagem. Dionisíaca diversão que deixa dividendos para as fantasias eróticas da dupla até o próximo Carnaval, quem sabe.
Tudo depende do trato, se é que o povo inzoneiro e cordial há de cumprir esse protocolo todo em plena festa da carne. Missão difícil, bem-intencionado colunista, você fez o máximo, parabéns. Agora esquece. Na urgência da carne e da hora, vale a sabedoria de Santo Agostinho, mil vezes aqui repetida: “Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje”.
Xico Sá, escritor e jornalista, autor de “Chabadabadá –aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha” (Ed. Record), entre outros livros. É comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Amor & Sexo” (Globo).
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