É política, estúpido!
Por que precisamos agendar com três meses de antecedência nossos protestos?
O poder do espontâneo é impressionante. Claro que não desdenho o planejamento, que tanto nos falta. Mas para certas coisas, a espontaneidade é de grande valia e de importância única. Nós, como povo, somos excepcionais mestres do improviso e desta mesma espontaneidade. Me pergunto: por que, mesmo com o alto nível de indignação com o governo, com o ambiente político e com a corrupção, precisamos agendar com três meses de antecedência nossos protestos?
Parecemos alemães quando vamos protestar e brasileiros quando vamos planejar um país ou um governo. Deveria ser exatamente o oposto. Lembro que uma vez, um argentino, alto funcionário do governo de seu país, me explicou a naturalidade com a qual protestos são realizados em Buenos Aires.
Segundo esse oficial do governo, os sentimentos que geram protestos naquele país são infinitamente mais sofisticados do que neste. De largada, a tematização do objeto contra o qual se irá protestar é de suma importância. Protestos sem foco se tornam desfiles, festivais de selfies e paraíso de vendedores ambulantes. Não podemos protestar simplesmente contra os políticos. Isso soa bobo e sem foco. É como protestar contra a maldade ou contra a mentira. O foco dá poder, dá força e realmente faz os governos tremerem na base.
O argentino prosseguiu: “O momento, ou “timing”, de um protesto é metade de sua importância. A reação deve ser imediata, e demonstrar um reflexo de que a sociedade está realmente de olho. Quando uma medida considerada ruim por segmentos da sociedade argentina é anunciada, a reação de indignação é o suficiente para que um grupo se encontre, espontaneamente na Praça de Maio. Pode estar chovendo, ser dia de semana ou no horário do futebol. Não importa. A resposta é imediata, e lá estão um grupo, pequeno, médio ou grande, batendo panelas na frente da Casa Rosada”.
Parece que faz muito tempo, mas não foi. Quando ocorreu o impeachment de Fernando Collor, a espontaneidade dos movimentos de rua foi fundamental. As pessoas saíram para derrubar o presidente porque sentiam que era a hora de ir para as ruas.
Os protestos em Paris contra os ataques terroristas, por mais que tenham sido convocados também por redes sociais, ocorreram no fim de semana seguinte aos atos. Questão de dias. Independente da convocação, todos sabiam que aquele era o momento. Estavam antenados com o ambiente respirado no país, souberam ler a situação e realmente estavam indignados na rua.
No Brasil, o primeiro grande protesto de 2013 foi o que causou maior impacto. Ele foi motivado por um sentimento de raiva, que ganhou uma proporção enorme assim como uma grande falta de foco e objetivo. O que era motivado pelo abuso dos preços das passagens, se tornou uma generalização contra tudo. Aí, começou a perder força política apesar de manter a força estética.
Política é coisa séria. Se você não gosta de política, não tem problema, mas saiba que alguém que gosta irá fazê-la por você. E isso é um dos grandes problemas do nosso país. Um processo de impeachment não é uma festa, por mais que muitos queiram e outros tantos não, trata-se de um evento associado a uma imagem de fracasso.
Não deveríamos estar preparando festejos nas ruas. Dependendo de que lado você esteja, a indignação é o combustível que move a política. A indignação deve ser a marca dos protestos, dos cânticos e estar presente nos rostos das pessoas. Sorrisinhos, beijinhos e poses para o celular retiram toda a credibilidade do que está ocorrendo.
A gravidade do momento que o país vive requer comportamentos naturais. Marcar com três meses de antecedência, com horário para começar e para terminar, fantasiar-se para um carnaval mais parece um coquetel diplomático do que um movimento para mudar os rumos de um país.
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