_
_
_
_
_

Universidades dos Estados Unidos reveem seus vínculos com a escravidão

Estudantes exigem retirar o nome do presidente Wilson de Princeton por passado racista

Campus da Universidade de Princeton.
Campus da Universidade de Princeton.EDUARDO MUNOZ (REUTERS)

A Universidade de Georgetown mudou o nome dos edifícios dedicados a reitores que venderam escravos para saldar as dívidas do campus no século XIX. Os edifícios Mulledy Hall e McSherry Hall serão chamados de Freedom e Remembrance (liberdade e lembrança) até que se encontre um nome definitivo. Na de Yale, os estudantes pediram que o mesmo seja feito com a escola Calhoun, dedicada a um político sulista racista e defensor da escravidão.

Mais informações
As mortes de negros nos EUA colocam a polícia sob os holofotes
Baltimore retrata décadas de desigualdade nos Estados Unidos
O negro que se tornou o primeiro caso na Justiça de racismo no Brasil
Liniker: “Sou negro, pobre e gay e tenho potência também”

O movimento estudantil herdeiro dos protestos contra a violência policial que nasceu em Ferguson em 2014 aponta agora para a fachada de dezenas de edifícios nos campi que levam o nome de políticos vinculados à fase mais dolorosa da história norte-americana. Suas reivindicações seguem a mesma lógica que levou o Capitólio de Charleston, na Carolina do Sul, a retirar a bandeira confederada depois do assassinato de nove afro-americanos em uma igreja da cidade.

Mas a resolução neste caso não parece tão simples quanto retirar uma bandeira. Princeton é o último centro a unir-se a este debate. Ali, um grupo de estudantes pediu que seja mudado o nome da Escola Woodrow Wilson porque o presidente aplicou políticas segregacionistas e, por exemplo, deu cargos a profissionais que trabalharam para expulsar afro-americanos de postos de governo. The New York Times defende em um editorial que “o peso opressor das provas respalda rescindir a honra que a universidade outorgou há décadas a um racista impenitente”.

Em 'Ebony & Ivy', Wilder documenta a compra de escravos por um dos tesoureiros da Universidade da Pensilvânia.
Em 'Ebony & Ivy', Wilder documenta a compra de escravos por um dos tesoureiros da Universidade da Pensilvânia.

O caso de Wilson levanta, além disso, uma das grandes questões que se coloca neste intenso debate, segundo o professor Julian Zelizer: definir como se mede o legado dos líderes políticos. Wilson foi reitor de Princeton antes de ser presidente do país e, apesar de defender ideias racistas, também se atribui a ele a modernização do sistema universitário durante seus dois mandatos, entre 1913 e 1921.

“A dúvida que se coloca é como avaliar seu histórico racista diante do fato de que foi um dos presidentes mais progressistas até aquele momento”, diz Zelizer, que propõe ir além do racismo. “Além da questão da raça, há muitos outros assuntos que deveriam nos preocupar. O que defenderam em termos de sexismo, antissemitismo e homofobia? Se só consideramos a raça, deveremos justificar por que os demais assuntos não são tão importantes”.

A herança da escravidão

Uma parte da história das universidades era desconhecida para muitos estudantes. Há dois anos, o livro Ebony & Ivy [um trocadilho com a expressão ebony (ébano) and ivory (marfim), referindo-se à Ivy League, a liga das universidades de primeira linha dos Estados Unidos], do historiador Craig S. Wilder, trouxe à luz dezenas de documentos que mostravam como os reitores das universidades possuíam escravos que serviam a suas famílias e aos estudantes. Os escravos construíram alguns dos edifícios das universidades de Virgínia e Missouri.

Em Dartmouth (New Hampshire), diz Wilder, “havia tantos escravos quanto estudantes” e em Yale “a posse de escravos era comum entre os primeiros reitores e professores”. O historiador afirma que durante dois séculos os diretores das primeiras universidades norte-americanas utilizaram contratos de terras exploradas por mão de obra escrava, onde depois construíram os campi. “As colônias ofereciam empréstimos de 150 acres de terra por escravo capaz de trabalhar nela, ou a metade para os servidores inferiores”.

A Universidade de Virgínia se arrependeu em 2007 com um comunicado. A Universidade Emory, em Atlanta (Geórgia), teve uma iniciativa similar em 2011, ainda que mais ambiciosa, com uma série de conferências sobre o legado da escravidão. Agora Georgetown decide apagar o nome de um edifício. “Em vez de apagar o passado, por que não discuti-lo?”, propõe o presidente da Associação de Universidades do Sul, Owen Williams. “Honrar e relembrar não são a mesma coisa. A alma de uma nação está em sua memória, mas esta, como a história, é complicada.”

Apoiados neste argumento, o movimento estudantil em Missouri, Yale e Princeton propõe uma forma de reparar os danos da escravidão. Entre sua lista de reivindicações, além de mudar fachadas, está incluído o cálculo de quanto ganharam ou economizaram as universidades graças à mão de obra escrava, ajustar o valor à inflação e investi-lo em bolsas de estudos.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_