Equipe de resgate ainda procura 28 pessoas em meio à lama em Mariana
Após confirmar segunda morte, Governo de Minas e bombeiros voltaram atrás
"Vi só terra e lama, não vi mais nada naquele vilarejo. Minha vida acabou ali", lamenta Geovana Rodrigues, de 28 anos. Assim que soube do rompimento das duas barreiras da Mineradora Samarco, na última quinta-feira, ela correu até Bento Rodrigues atrás de informação do filho e da sogra que moravam no distrito, que pertence à cidade de Mariana, em Minas Gerais. Só conseguiu chegar até a entrada do povoado, que já havia desaparecido. A enxurrada de lama devastou o local e levou seu único filho: Thiago, de apenas 7 anos. "Ele e a minha sogra foram totalmente surpreendidos pela avalanche, correram para o quarto, ela se salvou, mas o Thiago foi levado pela enxurrada pedindo socorro. Meu único filho foi levado assim, gritando", diz Geovana. Ela já não tem mais esperanças de encontrá-lo vivo.
Thiago é um dos 28 desaparecidos em meio ao mar de lama, segundo uma lista oficial divulgada pela Prefeitura de Mariana neste sábado. Constam dela os nomes de 13 homens que trabalhavam no local do acidente no momento em que as barragens romperam. Há ainda 12 moradores dos bairros de Bento Rodrigues, Pedras e Camargos, entre eles ao menos outras quatro crianças além de Thiago -uma delas com três meses -, uma idosa de 60 anos e dois jovens, de 21 e 29 anos. Até agora, a tragédia contabiliza um morto. Neste domingo o Corpo de Bombeiros e o Governo voltaram atrás e disseram que não é possível confirmar que um segundo corpo encontrado seja de uma vítima da tragédia. É a segunda vez que as autoridades se retratam quanto ou número de vítimas fatais.
A conta do twitter dos bombeiros informou, na tarde de hoje, que foram avistados de um helicóptero dois corpos no município de Rio Doce, em área de difícil acesso. No entanto, a corporação não confirmou que eles foram vítimas do rompimento da barragem, e disse que apenas após a checagem da identidade dos mortos será possível fazer esta afirmação.
Em nota divulgada em seu site na manhã de domingo, a prefeitura divulgou um boletim médico com o estado de saúde do prefeito de Mariana, Duarte Júnior. Ele foi internado no hospital Monsenhor Hora com suspeita de infarto provocado pelo stress decorrente da tragédia. Em uma entrevista coletiva na tarde de sábado, Júnior, afirmou que equipes fazem buscas por terra e com o auxílio de um helicóptero nos locais afetados. Segundo ele, o número de desaparecidos pode aumentar, já que há bairros atingidos pela lama em que moradores ainda não informaram se há pessoas sumidas.
A grande dificuldade para o trabalho é que em muitos locais a lama ainda está alta, o que prejudica o acesso das equipes. Um dos distritos da cidade, Pedras, está isolado depois de uma ponte ter sido levada pela enxurrada – a única forma de se chegar até lá é se embrenhando por uma mata bastante fechada.
Em Bento Rodrigues, uma das áreas mais atingidas, quando a lama baixou apenas 22 das 180 casas permaneciam de pé. Uma delas era a da família de Edson Adriano Borges, de 24 anos. Ele trabalha como vigia da casa de bomba da Samarco e estava trabalhando quando ouviu um barulho forte e viu a água do rio subir rapidamente. Correu para sua moto e partiu até sua casa, onde pretendia resgatar a mulher e o filho, mas quando chegou viu que eles já tinham saído. Desesperado, só reencontrou a família em um abrigo de Mariana. “Foi um alívio que nem consigo descrever", desabafou. "Essa situação é absurda, imagina que tenho um telefone da empresa, mas ninguém da Samarco me avisou. Ainda tive que escutar que a comunidade nunca pediu para que fosse instalado um alarme de emergência". "A sorte é que minha casa ficava no alto e minha família não sofreu nada." Segundo relatos ouvidos pela reportagem, no momento do acidente um helicóptero da empresa sobrevoou parte das casas da redondeza e, de dentro dele, homens gritavam para alertar sobre a tragédia. A empresa afirmou que seguiu o plano de emergência e ligou para os moradores.
Neste sábado, Borges pedia ao prefeito ajuda para retornar à sua casa para resgatar o que sobrou. "Fiquei sabendo que estão saqueando os pertences de casas que ainda estão de pé. É uma tragédia, a vida ali acabou", diz o vigia que vive há 13 anos na cidade. Na coletiva, o prefeito afirmou que a segurança está sendo reforçada no local para evitar furtos.
Uma força tarefa formada por bombeiros, guardas municipais de diversas cidades e voluntários da Cruz Vermelha retomou as buscas dos desaparecidos neste sábado. A operação tentou levar mantimentos e resgatar os moradores ilhados, mas o acesso a esses lugares continuava muito difícil. Os caminhos estavam interrompidos por árvores e outros entulhos levados pela lama.
A reportagem do EL PAÍS acompanhou uma equipe de voluntários da Cruz Vermelha que tentava chegar ao bairro de Gesteira. Quatro carros 4x4 tentaram encontrar novos caminhos, mas não obtiveram sucesso e, no final da tarde, foi preciso abortar a missão. A lama vermelha ainda molhada que media cerca de um metro e meio impossibilitava cruzar de um lado ao outro. O cheiro que ela exalava também era forte.
Terceira barragem
Em Mariana, o clima é de tensão e tristeza. Familiares não deixam as imediações da arena da cidade, onde as doações estão sendo levadas e onde os desalojados dormiram no primeiro dia. Segundo o prefeito, ao menos 545 pessoas tiveram que deixar suas casas e estão alojadas em hotéis da cidade.
Pelas ruas, ainda circulam informações desencontradas. Moradores relatam que homens do Corpo de Bombeiros têm orientado as pessoas a não terem contato com a lama porque ela é tóxica, o que a empresa negou, categoricamente, na coletiva de imprensa deste sábado. Bombeiros também monitoram uma terceira barragem, que teria o risco de romper - a estrutura tem ainda uma quarta barragem. Mas um engenheiro da empresa garantiu, na mesma coletiva, que nenhuma anomalia foi verificada até o momento.
O mar de lama já avançou centenas de quilômetros, atingindo reservatórios que abastecem outras cidades e levantando receios sobre a qualidade da água para consumo. Ao menos 15 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo podem ser afetados. Segundo a prefeitura de Mariana, a onda já atingiu os arredores de Ipatinga, cidade mineira localizada a 229 quilômetros da tragédia, no Vale do Rio Doce, que abastece a região. A prefeitura de Governador Valadares afirmou que a lama passará por seu município no domingo e que, neste momento, terá de parar as bombas de captação para avaliar a qualidade dela. "Caso seja possível tratar, garantindo a qualidade, sem nenhum risco, o abastecimento volta ao normal. Se não, é suspenso", afirmou, por nota. A prefeitura esclareceu que, até o momento, o tratamento tem sido possível nas cidades já afetadas.
A Samarco afirma que ainda investiga os motivos do rompimento das barragens. Uma das hipóteses é que o acidente pode ter sido consequência de tremores de terra que foram registrados no Estado pela Rede Sismográfica Brasileira. Mas, segundo o Centro de Sismologia da USP, que processa os dados, não é possível atribuir, até o momento, o rompimento das estruturas aos abalos ocorridos.
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