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O dia em que Rui embolsou um bilhão de euros

Tribunal espanhol investiga se o ex-motorista de ônibus roubou 1,8 milhão de investidores Por trás da empresa havia inventores de golpes de pirâmides brasileiros, segundo Rui Pires

Joaquín Gil
O português Rui Pires Salvador faz o símbolo da LibertaGia em 2013.
O português Rui Pires Salvador faz o símbolo da LibertaGia em 2013.EL PAÍS

O português Rui Pires se apresentava como um visionário. “Quero acabar com a pobreza!”, afirmava. Não há evidências de que esse ex-garçom e motorista de ônibus tenha erradicado a pobreza do mundo. Na verdade, talvez tenha feito o oposto.

O Tribunal número 5 de Granada (Espanha) investiga se o suposto filantropo criou um golpe que acabou com a poupança de 1,8 milhão de investidores de 26 países. Sua empresa se apresentava como uma equação de sucesso chamada LibertaGia que arrecadou, em menos de dois anos, 1,079 bilhão de euros (4,1 bilhões de reais), de acordo com os documentos aos quais o EL PAÍS teve acesso. Sua atração era um retorno anual de até 350%. A miragem do dinheiro fácil foi quebrada em agosto de 2014, quando fechou a torneira dos pagamentos desta empresa definida pela Guarda Civil da Espanha em um relatório como “pirâmide”.

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Rocío M. confiou à LibertaGia os 8.300 euros de sua indenização por ter sido despedida. Hoje, sofre com uma crise de ansiedade. “Foi muito difícil”, admite a desempregada de 53 anos. Como ela, 250 mil espanhóis compraram a mensagem de fortuna express de Rui Pires, de acordo com a investigação judicial. Nestor Cabrera, um cubano de 51 anos residente em Angola, imaginou o investimento como uma alternativa à crise. “Simbolizava a companhia perfeita”, argumenta este especialista em contabilidade. “Cheguei a me apaixonar [pela empresa]”, acrescenta a aposentada russa Liubov Yurgens, que confiou ao sistema 8.300 euros.

Para entender o DNA do suposto golpe é preciso ir até o Parque das Nações, Lisboa. Outubro de 2013. Rui Miguel Pires Salvador, um português com dotes de televangelista, apresenta LibertaGia à sociedade. Uma centena de convidados assistem ao evento, onde um advogado reitera a solidez da empresa. É anunciado um investimento milionário para pagar aos poupadores e a iminente venda de ações da empresa na Bolsa. A companhia se diferencia das estruturas de pirâmides estilo Ponzi, como a que manteve até 2008 em Wall Street o financista Bernard Madoff. A sociedade para cobrar os investidores é constituída no mês anterior com um capital de 5000 euros com o nome de Joiadmirada Unipessoal Lda.

Rui Pires Salvador (terceiro à esquerda) em uma imagem de 2013. O português tinha o costume de se reunir com seus investidores em piscinas.
Rui Pires Salvador (terceiro à esquerda) em uma imagem de 2013. O português tinha o costume de se reunir com seus investidores em piscinas.EL PAÍS

A Espanha encarna desde o começo um destino chave para a expansão internacional, de acordo com um ex-diretor. A primeira viagem de Rui Pires Salvador é para Valência. O passeio arrecada 5 milhões de euros, segundo a mesma fonte. O suposto fraudador desembarca depois em A Corunha. A empresa abre um escritório na cidade galega através do empresário hoteleiro Javier Figueiras. Hoje, este, que envolveu 150 pessoas, se apresenta como mais uma vítima com cinco milhões retidos na pirâmide.

Figueiras garante que suspeitou das promessas de dinheiro fácil depois de uma reunião realizada em fevereiro de 2015, em Lisboa, onde a diretora da empresa LibertaGia Mondial, Cristina Vieira, confessou que a empresa estava sendo investigada pela Interpol. Vieira nega isso e se recusa a entrar em detalhes sobre a identidade dos acionistas de sua sociedade, que tem domicílio no número 6 da rua Cumberland de Nassau, no antigo paraíso fiscal das Bahamas. A Guarda Civil, no entanto, coloca Vieira como diretora de operações e afirma que as Bahamas foram o centro da trama.

O português Rui Miguel Pires em uma imagem de dezembro de 2013.
O português Rui Miguel Pires em uma imagem de dezembro de 2013.EL PAÍS

O EL PAÍS tentou, sem sucesso, entrar em contato com Rui Pires. Um ex-diretor da empresa garante que o ideólogo da LibertaGia vive com seus três filhos em uma casa luxuosa nos arredores de Lisboa. Esta fonte reconhece que o homem que se gabava de ter inventado a fórmula da fortuna confessou que, por trás da empresa, havia um grupo de investidores brasileiros chamado G12. Seriam faraós – inventores de golpes de pirâmides – que fugiram do Brasil depois do endurecimento das leis naquele país pelo caso Telexfree, uma fraude planetária que envolveu, em 2014, a mais de um milhão de poupadores. O próprio Rui Pires Salvador pertenceu à Bbom, uma empresa denunciada pelo Ministério Público de São Paulo por operar como uma pirâmide financeira.

Pires confessou que, por trás da empresa, havia um grupo de investidores brasileiros chamado G12

Os vários afetados que foram consultados se sentem impotentes. Os supostos delinquentes desapareceram. Ninguém atende o telefone no escritório de Lisboa. E o paradeiro dos 1,079 bilhão de euros é desconhecida. “Vamos tentar recuperar o dinheiro”, confidencia Antonio José García Cabrera, da Lemat Advogados. Mais de 500 afetados na Espanha, Colômbia, Rússia, Nicarágua, Peru e Chile se somaram à acusação particular iniciada por esse advogado. Cabrera trabalha para que a Audiência Nacional (Tribunal Superior da Espanha) investigue a causa. A Guarda Civil reconhece que não dispõe de meios para investigar essa complicada fraude. Enquanto isso, LibertaGia continua recrutando novos aspirantes a milionário.

266 reais diários para ver anúncios durante cinco minutos

A LibertaGia oferecia a seus investidores um retorno anual de até 350% em troca de ver anúncios na Internet. Um trabalho de cinco minutos por dia que não exigia conhecimentos informáticos. E permitia – em teoria –ganhar 70 euros (266 reais) por dia a seus sócios. Os anunciantes – também na teoria – pagavam para a LibertaGia porque com os cliques melhoravam a posição de suas marcas nos motores de busca. E Rui dizia que, com esse dinheiro, retribuía os investidores. O sistema se espalhou como pólvora pela rede como se fosse um vírus. A empresa se apresentava como uma companhia do chamado setor multinível. Os investigadores, no entanto, acreditam que operava sob um esquema de pirâmide financeira, cuja subsistência depende do fluxo constante de novos membros. Caso contrário, a arquitetura colapsa. Quando começaram os primeiros rumores de golpe, a empresa ofereceu um cartão de crédito para que os investidores pudessem receber. A maioria dos afiliados pagou 53 euros para receber o cartão, mas não conseguiu retirar o dinheiro. A dívida pendente da empresa engorda em 134 milhões a cada mês, de acordo com a documentação nas mãos do Tribunal número 5 de Granada.

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